terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Suita romanesca: Doina "Sus pe culmea dealului"

Samuel Freiburghaus & Thilo Muster

 @ Rádio Antena 2

today December 29, 2020, around 2h PM

best musical find of the season:


sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

As minhas propriedades

 


desenho a caneta bic e lápis de pastel seco
sobre papel tamanho 30,5cm por 43cm
2020
ZMB

Este fim-de-semana
estive a ler alguns textos numa antologia de Michaux
e quis fazer um desenho
mas o Michaux é um pintor em verso
e tem demasiadas imagens,
 cada poema dava para fazer uma zine inteira de BD.
Ontem, resolvi fazer este desenho 
a partir dos rabiscos já pintados numa tela em actual progressão.
Pareceu-me que batia certo com Michaux
e não necessariamente com o seu poema 
cujo nome adoptei para título deste desenho.



dedicado ao Portugalex, obrigado pela folia radiofónica
Retribuo citando:

 let there be light

let there be sound

let there be music and

hmm


segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O Papagaio Real

 As edições zmb_mur

(antigas Edições Cassiber)

apresentam:

«O Papagaio Real»

com o alto patrocínio da Comunidade do Além

domingo, 20 de dezembro de 2020

Eu, o narrador, sou Muatiânvua

 '

Meu pai era um trabalhador bailundo da Diamang, minha mãe uma kimbundo do Songo.

O meu pai morreu tuberculoso com o trabalho das minas, um ano depois de eu nascer. Nasci na Lunda, no centro do diamante. O meu pai cavou com a picareta a terra virgem, carregou vagões de terra, que ia ser separada para dela se libertarem os diamantes. Morreu num hospital da Companhia, tuberculoso. O meu pai pegou com as mãos rudes milhares de escudos de diamantes. A nós não deixou um só, nem sequer o salário de um mês. O diamante entrou-lhe no peito, chupou-lhe a força, chupou, até que ele morreu.

O brilho do diamante são as lágrimas dos trabalhadores da Companhia. A dureza do diamante é ilusão: não é mais que gotas de suor esmagadas pelas toneladas de terra que o cobrem.

Nasci no meio dos diamantes, sem os ver. Talvez porque nasci no meio de diamantes, ainda jovem senti atracção pelas gotas do mar imenso, aquelas gotas-diamante que chocam contra o casco dos navios e saltam para o ar, aos milhares, com o brilho leitoso das lágrimas escondidas.

O mar foi por mim percorrido durante anos, de norte para sul, até à Namíbia, onde o deserto vem misturar-se com a areia da praia, até ao Gabão e ao Ghana, e ao Senegal, onde o verde das praias vai amarelecendo, até de novo se confundir com elas na Mauritânia, juntando a África do Norte à África Austral, no amarelo das suas praias. Marinheiro do Atlântico, e mesmo do Índico eu fui. Cheguei até à Arábia, e de novo encontrei as praias amarelas de Moçâmedes e Benguela, onde cresci. Praias de Benguela, praias da Mauritânia, praias da Arábia, não são as amarelas praias de todo o Mundo?

Em todos os portos tive uma mulher, em cada porto uma maka. Até que, um dia, estava eu nos Camarões, ouvi na rádio o ataque às prisões, no 4 de Fevereiro. O meu barco voltava para o sul e não cheguei a Angola. Fiquei em Matadi, ex-Congo Belga. Lumumba tinha morrido, a ferida sangrava ainda, a ferida só ficou sarada quando o 4 de Fevereiro estalou.

Onde eu nasci, havia homens de todas as línguas vivendo nas casas comuns e miseráveis da Companhia. Onde eu cresci, no Bairro Benfica, em Benguela, havia homens de todas as línguas, sofrendo as mesmas amarguras. O primeiro bando a que pertenci tinha mesmo meninos brancos, e tinha miúdos nascidos de pai umbundo, tchokue, kimbundo, fiote, kuanbama.

As mulheres que eu amei eram de todas as tribos, desde as Reguibat de Marrocos às Zulu da África do Sul. Todas eram belas e sabiam fazer amor, melhor umas que outras, é certo. Qual a diferença entre a mulher que esconde a face com um véu ou a que o deforma com escarificações^?

Querem hoje que eu seja tribalista!

De que tribo?, pergunto eu. De que tribo, se eu sou de todas as tribos, não só de Angola, como de África? Não falo eu o swahili, não aprendi eu o haussa com um nigeriano? Qual é a minha língua, eu, que não dizia uma frase sem empregar palavras de línguas diferentes? E agora, que utilizo para falar com os camaradas, para deles ser compreendido? O português. A que tribo angolana pertence a língua portuguesa?

'

páginas 119 - 121

'Mayombe'

Pepetela

edição Círculo de Leitores

sábado, 19 de dezembro de 2020

Delirium Tremens

 «Delirium Tremens»

desenhos em A5 de ZMB (2012) para um poema de Artur Rockzane em

'Hortênsio Miraflor -- Suicídio e obra, pág. 131, edições quasi:

Um homem barbudo e em cuecas
passeia um cão bicéfalo e azul numa
rua antiga ladeada de acácias. à ja-
nela duma casa, antiga como a rua,
uma menina vestida de azul fabrica
bonecas de cera; tem os cabelos em
chamas e da sua boca saem peque-
nas aves azuis que se vão esmagar
contra o rosto de pedra do homem,
que ruge versículos bíblicos. na sala,
por detrás da menina, sob um reló-
gio imenso e sem ponteiros, ladeado
de bojudos anjos dourados, uma mu-
lher enorme mas estranhamente bela,
estirada num divã japonês, devora
aves azuis como as que saem da boca
da menina. a freira que de joelhos,
reverente, lhe pinta as unhas dos pés,
canta o avé-maria de schubert - as
meretrizes têm o seu lugar no céu,
com certeza.
'







Vozes optim-satiristas dizem que a covid num ataca o vinho, ergo: este é o nosso inimigo mais amigo, lol


'
e eu na feira disse «o professor [vinho] é como um paisinho que nos diz para pintar assim e não do modo como queremos pinar, e que depois nos castiga com a nota»
e o que ficou por dizer e apenas na ponta da língua como resina prestes a ser lambida foi «nunca deixes de fazer merda como um rei e pedir desculpa como um pedinte»
'


and the transe continues

 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Viva a baixinha



 «Este desenho é de 95? Em 95 eu tinha dois anos...»

Ela sorri ao dizer isto e eu sorrio também. Estou-me cá a lembrar «oh minha rica filha» mas acabo por lhe dizer «é, em 95 eu andava na universidade...»

Ela continua a folhear a pasta de desenhos e eu digo «esta pasta é a dos desenhos mais malucos, e esta é a dos desenhos mais naturalistas, aqueles em que eu desenho o que vejo, sentado a tomar café ou fumando um cigarro numa viela turística, e depois populo o desenho com pormenores psicogeográficos»

«Este é um retrato?»

«É, eheheh, é um auto-retrato de quando eu tinha cabelo, é de 98.»

É verdade, estou-me a divertir aqui nesta feira, devo ser o gajo mais velho dos expositores e agora estou a falar com uma baixinha de cabelos longos e lisos, e com a carne toda nos sítios certos e roupa a condizer, é, uma delícia vinte anos mais nova que eu, e ela gosta dos desenhos e diz que perdeu um caderno onde fazia rabiscos.

Baixinha, o símbolo das elinhas com quem eu me metia há vinte anos, era com elinhas que eu tinha sorte, as minhas elas sonhadas eram todas altas, e quanto mais baixa fosse elinha, mais carnuda mais fado elinha se tornava. 

Gosto do aspecto matreiro das suas falas, sempre a mandarem uma boca num lábios grossos de sorriso a querer derrubar o macho zed, zed's dead bebé zed's dead, este sempre tão no fim da escala dando confiança para que todas as elinhas cresçam.

Viva a baixinha!, ela dá-me pica.

De maneira que depois de três valentes copos de maduro tinto bem atestados e de uma cachupa do verde cabo ou mesmo da guiné, cheguei a casa aos sses e depois de executadas as urgentes necessidades de fazer a obra, obrei e dormi o sono dos justos.

Hoje, acordei zen e com vontade de ouvir Buraka. Bota xangui.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Cochiló 2020


Amanhã e Sexta-feira de tarde, 
em várias casas e associações num perímetro da zona do Bonfim, Porto, Portugal, 
vai acontecer uma feira de edições artesanais e suburbanas. 
Em alguns destes locais haverá música igualmente.
Eu vou participar com uma banca de desenhos, aguarelas e pequenos quadros a óleo 
na associação afro-portuguesa Cochiló, na Praça da Alegria nº 91. 
Haverá petiscos e youtube
Apareçam!

sábado, 12 de dezembro de 2020

A companheira do vento

 


«A companheira do vento»
óleo sobre tela
50cm por 70cm
2020
ZMB
imaginando Cidália Moreira
a cantar fado cigano no Arco de Santana no CH do Porto

Roots Reggae @ Bazar Esquesito

 


grafite sobre papel, 50cm por 70cm, 2020 ZMB

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Algo debaixo de uma folha de papel coberta de cal

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O escritor, poeta ou prosador, senta-se à escrivaninha. Seguramente, a luz nocturna iluminará as teclas da máquina de escrever, o tinteiro de cobre e as volumosas folhas de manuscritos. Lá fora, pode ser que a chuva toque no parapeito da janela, que os pássaros piem sobre a tília ou, porque não, que a tempestade de neve sibile numa noite de Inverno rígida.

Pode vir inesperadamente à mente dele que existe algo muito além, num grito, num ululo ou num sussurro (a intensidade é irrelevante nesse caso), à espera de tormar forma, para existir. Pode parecer que esse algo estende a sua sombra sobre o escritor. A sala ao seu redor talvez desapareça. Nesse momento, as proporções desse algo revelam-se paradoxais.

Para não arriscar deixar levar-se por um desconforto infinito, intimamente relacionado com a sensação de ter perdido uma ocasião (não se sabe o tamanho, o que torna o desconforto ainda maior), o escritor tenta dominar as coisas. Tem consciência de que conseguir tal é uma necessidade absoluta para si, porque as dimensões das coisas o assustam e a negligência lhe causa insatisfação, ou, no melhor dos casos, dor de cabeça.

Naturalmente, é impossível indicar um método exacto. Não se trata de um processo de condensação nem de um cálculo matemático. Esse algo que se estende sobre ele apresenta-se sempre de um modo diferente. Como uma bola a ser chutada para cima, como mãos a estrangular o pescoço que devem ser afastadas, ou ainda -- e nesse caso, podemos apenas imaginar -- como algo debaixo de uma folha de papel coberta de cal que deve ser rapidamente limpa.

Quando acaba, ou seja, quando cobre de palavras cada linha, percebe com surpresa o quanto foram reduzidas as proporções daquele algo. Tudo está preenchido, o que, no início, causa um pouco de desilusão. Claro, ele sabia que a poesia, ou qualquer que fosse o detrito, apareceria microscópica em relação à experiência com a cal. Além disso, era claramente indispensável para o equilíbrio interior reduzir as proporções a um tamanho normal. Se houvesse tido força, teria preferido naturalmente esquecer a história a ser limpa, mas não era o caso, e não ousou fazê-lo.

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páginas 53 - 54


Stig Dagerman,

 em

«A política do impossível»

Edição VS 


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Palavras de Bolso

 'Trans(formar) o olhar'- 
Depoimentos de formandos de projecto pedagógico com adultos, 
de autoria de Elisa Marques. 
Música: 'Alegrías', Camaron De La Isla / Tomatito

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

'Pulsação' de António Barahona

'

Pulsação

Perene é ser soneto: eis do futuro,
essa canção com oitocentos anos:
sábios, mil sons ecoam bons sopranos,
no timbre d'árias tensas de ouro puro.
Catorze versos a fundir degraus
(ligas de cobre e prata e elixir)
refeitos pra durar até que expire
seu último cantor, à flor do caos.
Perene é ser soneto, que reside
na cópia à rasa essencial do verbo:
tal como a roda, o cubo e o triângulo,
vem inscrito no código soberbo
de quem tece um casulo e sente livre
o sôpro do seu sangue num coágulo.
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António Barahona
página 297 de
'ao ouvido de um moribundo'
edição Língua Morta

Nature Boy

the classic,

here in John Coltrane's blow

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

O Cabrita é o maior! Eis o dogma:

 '

É automático. Cada vez que ouço um escritor a gabar-se de ter sido o último operário a substituir o parquê na mansão do real imagino, como o Nabokov, uma pessoa, sob o efeito de hipnose, a fazer amor com uma cadeira.

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página 237

«Fotografar contra o vento»

António Cabrita

Editora Exclamação