O quarto da cineasta está cheio de discursos e de fumo, através dos quais um dos homens (andará por volta dos trinta) olha atentamente para Jaromil desde há alguns momentos: «Tenho a impressão de já ter ouvido falar de si», disse-lhe por fim.
-- De mim? -- exclamou Jaromil cheio de satisfação.
O homem perguntou a Jaromil se não era ele o rapaz que desde miúdo frequentava a casa do pintor.
Jaromil sentia-se feliz por poder, graças a uma relação comum, ligar-se mais solidamente àquela sociedade de pessoas desconhecidas, e apressou-se a responder afirmativamente.
-- Mas não o vais ver há muito tempo -- disse o homem.
-- Sim, há muito tempo.
-- E porquê?
Jaromil não sabia que resposta dar, e encolheu os ombros.
-- Eu sei porque é, sim. Isso podia trazer problemas à tua carreira.
Jaromil esforçou-se por rir.
-- A minha carreira?
-- Publicas versos, recitas poemas nos comícios, a dona desta casa fez um filme sobre ti para garantir a sua reputação política. Ao passo que o pintor está proibido de fazer exposições. Sabes que a imprensa o retrata como um inimigo do povo?
Jaromil calava-se.
-- Sabes ou não sabes?
-- Sim, ouvi dizer isso.
-- Parece que os quadros dele são abjecções burguesas.
Jaromil calava-se.
-- E sabes o que é feito do pintor?
Jaromil encolheu os ombros.
-- Expulsaram-no do liceu, e ele trabalha como servente nas obras. Porque não quer renunciar às suas ideias. Só pode pintar à noite com luz artificial. Mas pinta belos quadros, enquanto tu escreves belas merdas!
página 361 - 362
Milan Kundera em «A vida não é aqui»
tradução de Miguel Serras Pereira
edição D. Quixote