segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Adenda 05h33m

 


Adenda 05h33m: Ganhei uma adepta -- a dona Júlia. Ofereceu-me outro cigarro quando retornou da rua.

 

03-11-21 05h PM

Estou no Café Corim. Cheguei há meia hora. Pedi um café ao balcão e fui à casa de banho. Na volta, paguei e trouxe o café para a esplanada no exterior. Era para começar a escrever logo aquilo que tinha para escrever: o desejo que me surgiu durante e após o final do turno hoje às nove da manhã ao ter ido ao banco nos Aliados e chegado a casa às onze.

Era para desenvolver isto aqui no café logo quando cheguei mas apareceu o Zézinho, velho amigo da zona. Ele apertou-me a mão, convidei-o a sentar-se, ele puxou de uma carteira de cigarrilhas e acendeu uma e eu continuei o meu charro, trocámos os números de telefone e fizémo-nos amigos no facebook, dei-lhe as condolências pelo falecimento prematuro do seu filho de cinco anos, tinha uma doença degenerativa, disse-me que está de baixa psiquiátrica devido ao luto e que, apesar de essa baixa ser um esquema para se esquivar às convocatórias para emprego enviadas pelo Centro de Emprego, vai-se apresentar amanhã perto do hospital numa obra como servente. Foi outro nosso amigo, o Tintol, que lhe arranjou o trabalho. Por sinal, o Tintol começou a trabalhar nessa mesma obra há alguns dias, após se ter passado dos carretos há duas semanas na empresa onde estava efectivo, ele trabalhava na recolha do lixo há vários anos, esteve anos como temporário, a agência de trabalho mudava mas herdava o pedido da firma e ele todos os seis meses tinha o contrato renovado, depois mudou de firma e com a experiência adquirida ficou efectivo, Fartou-se, devido ao desleixo da gestão e da falta de consideração do encarregado. Teve duas semanas de folga para estroinice e alistou-se numa obra, gostou e convidou o Zézinho. Lá estarão eles os dois amanhã a botar brita às oito da manhã.

Disse ao Zé para dar o meu número ao Tintol e falei que também tinha arranjado um trabalho, indiquei-lhe o melhor horário para comunicarmos.
Um aparte: perguntei-lhe se o Tintol ainda dá na branca: ele era assim, putas e caneco, As putas ainda vá lá mas as duas coisas...

O Zé responde: eu nem sei, há tempos fizemos uma festinha, foram cem, duzentos euros numa hora, ele disse para eu não lhe ligar no fim do mês quando recebesse a féria.

Lembrei-me de uma outra história dele: comprar numa hora dez raspadinhas de vinte euros e não ter sucesso e depois ir ao Pereiró apanhar de carro uma prostituta a ele fiel e levá-la para o motel Havana e com ela passar a noite dormitando nas suas mamas e acordando para fumar crack. Quem não tem companhia em casa, quem como ele nunca teve sequer uma namorada ou mulher a quem não chamasse de cabra... estoura o salário numa noite de ilusão e depois fica a tenir até dia oito do mês seguinte.

Despedimo-nos finalmente e voltei a pegar na caneta para relatar. Posso agora voltar ao início do texto e dizer que a dona Júlia, ontem durante a noite, ofereceu-me dois cigarros como troco de eu lhe haver emprestado o isqueiro. Até falou que eu devia trabalhar num hotel de cinco estrelas. Esse olho azul é bonito, disse ela. Saiu várias vezes durante a noite. Na última e ao abrir-lhe a porta, ela tocou-me no peito e disse até logo. Fiquei a pensar nela: tem cabelo preto comprido e em carapinha, tens uns peitos fartos, é mais baixa que eu. Até logo.

Tive vontade de transar com ela e cheguei a imaginar como seria se um mero recepcionista pudesse envolver-se com a hóspede e seguir o até logo dela, como abordaria a Júlia para lhe dizer Quero lamber sua boceta, acho-te muito bonita. Mas depois pensei que não devo meter-me com as hóspedes. Tenho todos os motivos para refrear o meu desejo, poderia até ser despedido.

Pensando nisso tudo, vi-a voltar a entrar para o quarto às nove e pouco para o quarto, tinha comprado um pequeno vaso com uma flor.

Cheguei a casa e bati uma punheta. Era para imaginá-la roliça sobre mim mas para ser uma rapidinha recorri a um vídeo online, fi-lo com a ajuda de um expediente pornográfico e não com a privacidade de ela e eu na minha imaginação porque quis cortar o envolvimento e impedir o desejo de crescer. Ao recorrer à pornografia, satisfaço o desejo primário e mato o desejo privado pela dona Júlia.

Deste modo, conservarei o meu emprego.

E pensar que um dia destes ela me pediu um cigarro, deve ter-lhe cheirado bem. Tenho que ter cuidado onde fumo e tusso.

 

04-11-21

Estou de volta ao serviço. Pouco para fazer. Nenhum trabalho de lavandaria. Apenas montar uma mesa para dois pequenos-almoços: dois carpinteiros de cenografia que estão cá esta semana.

O sr. A. informou-me que a dona Júlia está no hospital. Diz: ela se se descuidar com a medicação...

E eu a pensar que ela era prostituta!

Tenho uma mente perversa, afinal ela é doente. subiu na minha consideração. Se já era bonita mesmo que fosse prostituta agora é-lo ainda mais sendo doente.

 

08-11-21

Taking a coffee ouvindo a Rádio Paralelo.

 

10-11-21 08h54m AM

Estou a cinco minutos mais a tolerância da chegada da minha substituta.

A dona Júlia deixou o quarto. Vieram cá ontem os filhos buscar as coisas delas. Disseram-me que está internada no hospital de Penafiel e que por lá deve continuar, Disseram os filhos: Ela sabia que podia vir a ser internada, até arrumou as coisas, só não compreendia que não devia deixar de tomar a medicação.

Eu disse: Isso às vezes é o modo de se vingar do mundo, mas claro, ela é a mais prejudicada

Para o seu quarto entrou um homem talvez da minha idade, alugou por uma semana, a família é do Viso, ele trabalha na Bélgica em pladur, tem um problema nos olhos, fumou no quarto, avisei-o que não o pode fazer.

Admiti às quatro da manhã um casal que já cá tinha estado há uma semana, também haviam fumado no quarto e até ganza talvez pois vi cigarros cortados dentro das gavetas quando fui levantar a roupa da cama quando eles se foram embora nessa noite. Pedi-lhes para não voltarem a fumar e até lhes disse do local nas traseiras onde podem fumar. Eles disseram que vinham para dormir, mas pediram comida pela aplicação no telemóvel.

No quarto 3 vive agora por três noites uma negra muito bonita de cabelo rapado, tem um filho de três ou quatro anos. Aqueci-lhe água para a papa do filho e levei-lha ao quarto. Não sei porquê mas ela perguntou-me se eu tinha filhos. Eu disse que não, que tê-los era uma grande responsabilidade. Ela diz que agora que se separou do pai do filho se sente culpada. Vai trabalhar para Aveiro nos próximos dias.

 

20-11-21 20h45

O bom de voltar para casa dos meus pais é passar a comer bem.

 


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Claudio Mur

domingo, 27 de outubro de 2024

Claudio Mur - Um retrato da falsa revolução

Um retrato da falsa revolução

A revolução disse que toda a gente seria livre de escolher e toda a gente aderiu. Disseram-se sociais
e comunitários e embarcaram no sonho de uma sociedade livre e de sucesso para todos os sócios e
tanto pelo menos como o nosso vizinho do lado.
Quem se revoltou? Todos o que nada tinham, os que tinham venderam se ainda puderam e fugiram
para gozar reformas no exílio. Deixou-se de ter como amigo o senhor fulano de tal pois este deixou
de ter um amigalhaço numa empresa exportadora para o verdadeiro mercado interno, as colónias.
Deixou-se de ter de fugir para um bidãovil, caso se tivesse um mau currículo ou não se tivesse o tal
amigalhaço, como alternativa à prisão ou à porta da igreja para turista visitar e fama de pedinte mal
educado vendendo o coto de miséria como mercadoria. Tudo porque a revolução disse que o estado,
ao se dissolver progressivamente, seria o sócio amigo em quem confiar e ninguém precisaria mais
de ser pedinte da corporação ou da igreja para o ser, em vez, do novo estado, o sonho prometido
para quem se revoltasse e aderisse à revolução social do cidadão. O estado refundado legislou que
no interesse do novo cidadão, ele, ainda pobre, perdesse a vergonha e se registasse no sistema com
o nome de 'vítima da sociedade' e se juntasse como 'voz da experiência' a uma nova associação, uma
nova casa, loja, lobbie, um novo partido, uma nova corporação que defendesse o sonho privado de
cada um: por decreto regulamentar, aspirar a transcender a natureza do ser humano e ser monarca
do seu próprio nariz e ser ainda reconhecido pela história como o Senhor Alguém Que Fez Obra,
aquele bem falante benfeitor de quem toda a gente fala e deseja vir a ser.
Chamaram-lhe o bolo social e disseram que, se bem integrados neste faroeste social regulamentado,
todos poderiam comer um pedaço de bolo se fizesse o compromisso. Todo o filiado subiu na escala
social trocando de posição conforme a conveniência e dizendo aos filhos: estuda para seres um
senhor porque eu mato-me para te dar um futuro. Se eras amigo levaste uma palmadinha nas costas
e a caridade ocasional de um cheque ao fim do mês. Se não eras amigo perguntaram pelo currículo
e fizeram um contrato dando a ilusão que seria cumprido desde que te tornasses amigo, te
identificasses como escravo do bem comum da empresa, da nova família.
A ilusão do espírito livre, um amigo, um sócio em potência capaz de causar mudança para si e todos
os sócios, vendo a lei apenas como instrumento temporário de registo da sua liberdade, uma medida
para ser ultrapassada. Uma lei para todos mas com a honrosa excepção de cada um. Às vezes
repressora e tirana de quem não pensa de acordo, a ilusão de liberdade é perdida todos os dias no
modo como a nossa mente interpreta a revolução social e o nosso papel na revolução social em
romarias ao cemitério para ver os novos mortos, a nova tradição. Lembras-te de quando éramos
novos, do nosso papel na revolução? Éramos uns pobres salafrários, uns grandes malucos mas agora
depois de mortos somos burgueses cool. Já viste o tamanho do meu instrumento? A ilusão
continuou com o direito a poder participar na festa de adoração do sucesso, personificado no líder.
O sucesso mede-se em dinheiro, na quantidade de bolo redistribuído pelo líder, champanhe para os
accionistas e sopa para novos cartões de pobre, os que não têm amigos nem currículo à porta das
novas igrejas, agora reaccionariamente sociais apelando ao sentimento do turismo de mausoléu,
dizendo que jesus afinal era socialista e nunca gostou de mercadores nem capital.
E assim as corporações se renovaram e voltaram a ser o que sempre foram e pareceram. Estatuto,
hierarquia e repressão para quem não aceita ou não pode aceitar a opção do contrato social. As
coisas não mudaram assim tanto, não passou de uma falsificação organizada por iluminados a soldo
que souberam propagandear nas gentes a ilusão de o sol poder nascer igual e independente, de e
para todos, para que no fim cada um, depois do estatuto adquirido e da ruptura ideológica com o
clube de juventude rebelde, poder viver hoje de pantufas no sofá a reforma dourada mandando
trabalhar as gentes, ou seja, os outros porque, claro, eu trabalhei muito e a minha obra, o meu nome
fala por mim.
Mudaram apenas os nomes numa passeata evolutiva até à dissolução final do seu sentido de palavra,
do desejo de produto à produção do desejo até à propaganda do desejo. Afinal até deus não morreu
e tornou-se múltiplo e relativo, foram-lhe mudando o nome conforme a utilidade, de partido
bondoso e mártir a portador da luz e maldoso até à reforma compulsiva para taxa de juro e capital,
uma teo-social democracia do proletariado, para quem a palavra mudou de anarquistas do partido
social para fiéis colaboradores descartáveis vivendo instrumentalizados no substrato ilusório e
figurado da conveniência social com promessa de igualdade e fraternidade no acesso ao bolo, à
palavra que dá espírito matando a fome e o choro. Se fores meu amigo e contribuíres dou-te um
prato de sopa no meu palácio, senão meu amigo vai morrer profeta lá longe no paraíso! O papa
benze, o aiatola proscreve, buda contempla, brama é poeta e o imã vive em segredo enquanto deus
omnipotente manda o seu burocrata subir a taxa de juro da nação de poetas. Porque temos de nos
rir, parodiamos de vez em quando em animado congresso de sócios, ou assembleia com as gentes, a
realpolitik da ilusão, fantasia, farsa e propaganda e colamos ao cínico palavras como estúpido
porque não segue exactamente o rebanho, como mau e vingativo porque diz a sua verdade em
noites de facas longas, como mal educado, desavergonhado, impudente, obsceno, imoral porque diz
o que todo o rebanho pensa: a pornografia do poder corrompe.
Agora que o deus anarca do capital deixou cair a máscara e nos expulsou da casa que produzia o
bolo e deixou de distribuir por todo o fiel sócio contribuinte, nós, as gentes, começamos a descrer
do morto deus Sebastião, o tal que foi prometido. Porque esse partido, esse deus, esse mercado não
passa de um turista, um partido estrangeiro, esse que, a soldo e em saldo, comprou o bolo para
produzir sonhos para famílias que vivem lá no paraíso e ter ignorado as gentes de cá. O problema
não é ser um crápula mas não ser eu, err... quero dizer, ser um estranho sem cor e não deixar nada
para mim, ups... quer dizer, para a gente, para a nação, afinal de contas pago impostos para quem?
Não te tenho no meu bolso, deste-me uma facada, oh deus!, eu era teu amigo e, por menos, fiz a
guerra em teu nome. Por favor, não me abandones.
Como resposta os burocratas e polícias cumprem o protocolo e mandam educadamente deslocalizar
a peida para o paraíso porque aqui nunca seremos livres. O estado, a ordem é deus e deus é o
mercado e o mercado sou eu e eu sou o inferno. É trabalhar para comer enquanto há e não bufar ou
só bufar os que nunca trabalham, claro, a quem nos dá de comer por caridade.
Como contra-resposta os clubes e gentes cumprem o protocolo e continuam em passeio a vender a
ilusão de progresso, a democratização do deus capital, capital ao dispor de todo aquele que se quiser
juntar à revolta para ser visto como mártir, um jesuíta dito espírito livre e filantrópico que nos
salvará do inferno, eu, a associação igreja salva do fim do mundo e tu podes ser o meu escolhido.
Para compor a estrutura ditatorial do capital anarca neste cool jogo de futebol no fim do mundo
sobramos nós, os prisioneiros do verbo liberdade, as facas esquizóides do indivíduo e os gunas
dependentes do social. Sempre desconfiamos da promessa, a liberdade sempre foi ilusão, o estado
só serve para receber subsídio em troca de servidão. Sociedade sempre foi e sempre se transformará
em hierarquia e deus sempre foi intoxicação, orgasmo. Conforme a cor do clube ecuménico ou do
capital imperial, conhecemos a verdade com vários nomes mas a palavra com que nos definem
nunca mudará: maluco, imoral, traidor, terrorista, arma de arremesso, drógado. Somos tudo isso.
Dentro de nós um mundo e parte desse mundo é autoridade. Fora de nós existe o mundo-promessa e
esse mundo é autoridade, não nos reconhece direitos se não assinarmos o contrato de recolha de
informação ou provocação social e o máximo que oferece é indiferença bem educada. Para nós
nunca haverá solução porque recusamos que a nossa insurreição seja instrumentalizada embora,
claro, não recusemos o cheque. Não podemos mudar o mundo, apenas mudar o modo como vemos
o mundo e como ele nos influencia numa estratégia de redução de danos. O caos organiza-se
sempre que acendemos a luz do desejo numa outra que és tu. Amor, trabalho, conhecimento e a
responsabilidade de se pudermos não roubar a tv da mãe tanto melhor, deixemo-la rezar porque
rezar lhe dá força. O nosso deus não é jesus nem o capital de jesus, admitimos a nossa condição e
disfarçamo-lo de opção, procuramos o prazer e a experiência sensorial, falhamos perante a
impossibilidade do convívio sem hierarquia, identificamo-nos com uma emoção sempre que o
nosso polícia interno está de folga e às vezes choramos, somos humanos afinal e queremo-nos
imperfeitos, vivemos a possibilidade de eternidade do dia porque conhecemos a noite, intoxicamo-nos
com um copo de água, e gostaríamos, se pudéssemos, não escrever uma única linha e, quando a
hora chegasse, deixar apenas um corpo bonito sem história, sem efeitos colaterais, apenas pó e já
sem precisar da rehabilitação da laje. Tão válido como dizer sem a tua elegância: quem nunca te
tiver roubado um beijo que atire a primeira pedra.
- Morziinho, vais fazer o jantar?
- Oooó, eu queria ver o futebole...

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publicado no indymedia.pt
em 2012
por alturas do despejo da escola da Fontinha pela camara municipal do Porto


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Tuíte Salgado

Tuíte Salgado
Se a família do Ricardo Salgado se preocupasse com a saúde dele, teriam entrado no tribunal pela garagem.
Mas não, preferiram caminhar 100 metros por entre jornalistas e indignados para que todos os telespectadores vissem o estado dele, tivessem pena e dissessem: coitadinho, podia ser o meu pai, tem alzheimer, não se julga uma pessoa assim, deve ser ilibado. 
Também pode ser que o dr Ricardo Salgado tenha querido de livre vontade e consciência caminhar os cem metros obstáculos para afirmar a sua honra de impoluto bancário falsificando o seu estado de modo a ser considerado inimputável pelo tribunal e pela audiência.
Tudo para não pagar o que deve aos indignados e para que deixe aos seus filhos vip alguns francos suíços mais os dólares do Panamá e as propriedades no Brasil.