segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Momento publicitário

Chegado a casa com uma nova tela para fazer um quadro inspirado em 'Jealousy' de Edvard Munch, liguei a aparelhagem e pus-me a ouvir um disco de Current 93, a edição gatefold de dois albuns: 'Swastikas for Noddy' e 'Crooked crosses for the nodding god', pus-me a pensar: «Isto é do tempo em que o David Tibet e acólitos tinha alguma coisa subversiva para dizer, ele, a última vez que pesquisei, é agora totalmente cristão, talvez continue como um gnóstico, mas o som do apocalipse que prega, isto é, o conteúdo sonoro é aborrecido. Ainda assim, estes dois albuns de 1987 soam ainda hoje frescos e cheios de ideias!»
Terminada a audição, desci para aquecer no micro-ondas o jantar. Como estou em modo poupança de luz, entro na cozinha acendendo a luz desta e apagando as restantes. Abro o frigorífico, retiro o taparuére e tocam à porta, mais precisamente, penso que com um objecto de metal batem no vidro da porta, de modo que apago a luz da cozinha, «deve ser o Nélson a pedir uma mortalha... mas ele não costuma bater com tanta força...» e acendo a luz da sala, abro a porta da rua e reparo que é noite, a hora já mudou, escuro como bréu, até que vejo o branco de uma camisa, olho e vejo um rosto oval com maçãs do rosto salientes e cabelo preto esticado, ela diz com um sorriso: 
« Ouvi dizer que hoje o jantar é em sua casa?!»
Êu olho para baixo mas sem nada ver e nem reparei na cor das calças mas imagino pelo tom afirmativo da voz que seja uma daquelas mulheres que nós, os rapazes de antigamente, costumávamos chamar de «cavalonas», quero dizer, mulheres com botas pelos joelhos, daquelas que gostam de dar ordens, de modo que eu lhe disse em tom igualmente firme:
«E porque razão?»
Ela olhou para mim, e, a sorrir, disse: «Estava só a brincar... nós andamos aqui a fazer um estudo de mercado sobre serviços de televisão... tenho o prazer de estar a falar com quem?»
Eu olhei para ela e disse ligeiramente irritado: «E trabalha para que empresa?»
Ela respondeu a sorrir: «Serviço Interactivo.»
«Nunca ouvi falar!»
«Prontos, nós estamos apenas a falar com as pessoas... qual o serviço de televisão do senhor?»
«Não tenho televisão.»
«Mas porquê?»
«Não vejo, não quero televisão.»
«Ah, e internet... qual o seu serviço?»
«É Optimus, quero dizer, é Nos...»
«Vive sózinho aqui?»
«Sim, sou sózinho.»
«Então, muito boa noite!» E estende-me a mão.
«Boa noite.» 
Depois de lhe apertar a mão, fecho a porta e volto para a cozinha para preparar o jantar. Ponho-me a analisar: «É! Quase que me saía a terminação, será que ela ia gostar do meu frango? Bruxo, são oito da noite, também já fui vendedor porta-a-porta, cheiinho de fome a bater a casa das pessoas, inventava-se cada maneira de iniciar conversa com os clientes... também corria mal de vez em quando, coitadinho de quem precisa de trabalhar...»


Mas antes do natal, vem o hallow'een



Café Campo Lindo
Porto

domingo, 29 de outubro de 2017

Sarah

Is it you Sarah?
No, it's the storm



well, i could dig up some words
but I prefer to read one master's voice,
the voice of Julian Cope,
about this cult album and band: 'Golem' by Sand:
https://www.headheritage.co.uk/unsung/albumofthemonth/sand-golem

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Traições e infidelidades

Nem mesmo as poucas pessoas que conhecem 'coisas' sobre mim
se terão apercebido desta história que vou contar.
Pois bem, eu namorava com a Maria (nome fictício) e estava satisfeito
mas depois num jogo de sueca ofereci à Joana (nome fictício) 
uma rosa acabadinha de roubar de um jardim.
Tanto eu como a Joana não nos apercebemos do desconforto que provocámos à Maria, a minha parceira no jogo.
As semanas passaram e eu comecei a aborrecer-me.
Um dia no café disse à Maria que queria novidades, acção e reparei que a Joana acabara de entar no café.
Vieram as férias e a Maria ainda não tinha chegado quando a Joana me encontrou
e disse que me queria,
eu disse que sim, mas o meu corpo teve alguma dificuldade em satisfazer logo o seu desejo
mas com a sua persistência e carinho, o desejo veio e durou um mês.
Só a Maria não sabia ou talvez fizesse que não sabia.
Eu acabei por me sentir mal em estar a enganá-la e decidi voltar só para ela.
Causei um desgosto à Joana e jurei que ia tratar bem a Maria.
Mas já não era igual ao antes-de. 
Comecei a sair mais com os amigos, ela fez o mesmo.
Até que novas férias vieram e eu pensei: sou um nabo, ela é bonita e fixe para mim, vou mudar.
Mas ela voltou e disse que já não me queria, e eu colapsei.
Seis meses mais tarde, voltámos a ver-nos, deu-nos o desejo de fazer amor,
e ela falou-me do novo namorado que vivia na terra dos pais
e quando se tinham conhecido, foi só fazer as contas aos meses.
Os meses passaram e conheci a Maria Joana (nome fictício, também conhecida como Ga...nza, ou simplesmente G.)
e também ela me escolheu entre vários pretendentes do momento
e também eu optei por ela enquanto me separava de uma X-Ana,
também ela teve a oportunidade de recusar os avanços do namorado anterior
e de me deixar no café informando-me que uma antiga amiga íntima lhe queria falar,
e também eu andava a ver se arranjava alternativa
e alternativa também talvez me quisesse mas eu não me sentia confortável com a situação.
Até que passei pelo deserto, comecei a satisfazer-me com 
cassetes de vídeo e os comerciais das televendas pela noite dentro na televisão,
até que fui trocado por quem uma amiga dela disse ser 
um cigano vizinho e eu ser já parecido com um papá.
Mais tarde tive a oportunidade de aguentar com as despesas emocionais de uma mulher
abandonada pelo marido que a deixou para ir viver com a amante num apartamento
e ainda lhe tirou as filhas e a deixou com sequelas de uma aborto que não quis assumir,
e eu fiz de cabrão-que-come-a-mulher-do próximo, passei por ser namorado, 
depois fui companheiro, vivêmos juntos e passei a ser o visconde que pagava as contas,
até que as constantes zangas e diferenças de opinião fizeram com que quase
nos batêssemos fisicamente, até que tivemos a coragem de evitar nos matarmos um ao outro
e nos separámos.
Fim.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O acórdão

Foram dois juízes que assinaram o acórdão, 
pensar que um homem pôde assinar isto remete-nos para a Idade da Pedra, 
mas saber que um dos juízes que assinou é uma mulher... 
é tão estranho que só o Imprensa Falsa quase consegue iludir:
Depois não há-de a gente se rir por desespero e contra os pilares da Autoridade!
Como se fosse verdade a Justiça ser Cega e não apenas Bem-Instalada,
esta mulher ofendida pelo acórdão devia também receber o afecto do Presidente,
mas deve ser pedir muito o ridículo em que a Justiça cairia, 
ganham pouco, dizem, para tão má qualidade de trabalho, digo eu.

'
Depois das notícias que dão conta de um acórdão que atenua o crime de violência doméstica porque a vítima terá cometido adultério, gerou-se uma enorme discussão em torno das fundamentações do magistrado para tal decisão, que passam pela Bíblia, por leis muito antigas e ainda por regras em algumas tribos.
Perante tanta polémica, o Imprensa Falsa tentou contactar o juiz responsável pela decisão mas foi-nos dito que está fora, durante pelo menos a próxima noite, estando a caçar um animal de grande porte para comer e fazer um casaco para o Inverno.
“Como não puderam almoçar, porque o senhor doutor juiz não pôde fazer o fogo – e não foi por não ter pedras, mas porque agora é proibido – ele pegou logo na lança e foi andando, porque diz que não tarda chega o frio e ainda não caçou o seu casaco”, esclarece fonte do Tribunal.
'
em

New Tomorrow, from Crushed Velvet Apocalypse,
by The Legendary Pink Dots

Silent as the final hour heralding a quake, we cut the wire . . .
We slipped the guard, sprayed "LOVE" across the barricades.
As searchlights swooped and froze and failed to isolate
a trace of life outside the gates of New Tomorrow.
The penalty for deviation's clear to those with ears
and eyes. We stretch our claws behind closed doors.
We always have our alibis. Outside we smile with
lips zipped, eyes fixed forward. We never criticise the
pure and guiding Light of new Tomorrow.
But though they burned the history books, they
cannot kill the ghost that cruises Blindman's
boulevard and plants a rose . . . who flings his seeds
of Breakdown Bridge and sees a legend grow of life
beyond the throes of New Tomorrow.
And we have watched the sun roll down the
mountain to a frozen lake. We have heard our laughs
go on forever deep inside a crystal cave. We
told them as they plunged the needle, pledging
our escape from the all-embracing arms of New
Tomorrow. WE SHALL SEE OUR KINGDOM COME!


https://www.discogs.com/The-Legendary-Pink-Dots-The-Crushed-Velvet-Apocalypse/release/138663


As imagens são catitas mas iludem a mensagem.
Como diz um comentador no tubo:
'This song is about facism with a smiley face.'

Editado em 1990 na Holanda.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

O funâmbulo segue em frente e desenha o futuro


'O funâmbulo segue em frente e desenha o futuro'
óleo sobre tela
80cm por 60cm
2017
ZMB

(A partir deste desenho de 2002)

How ironic


Este desenho foi realizado nos meses que antecederam a minha terceira hospitalização.
Desenhei no verso de uma página de um livro fotocopiado.
Este e mais outros desenhos estiveram esquecidos até este ano de 2017.
Este ano reparei que este desenho, lendo-o de baixo para cima, poderia ter o título:
O passado, o presente e o futuro;

sendo que o presente se referia ao ano de 2002.
O presente na corda-bamba, o funâmbulo seguindo o seu caminho por entre o caos.
O futuro ser passar o tempo a desenhar, a pintar, ou qualquer acto de criação com as mãos.
O passado seria os anos de aprendizagem e a oscilação de emoções durante a universidade.
O passado pensei-o uma vez quando disse a uma namorada que a minha vida era uma seca,
demasiado estável, sala de aula, casa, bilhar com a namorada, etc, poderia estar hoje casado com ela
caso ela não me tivesse mandado passear.
Nessa conversa, e que mais tarde transformei em conto, eu falei-lhe do preço justo,
do quanto é justo pagar para obter algo, qualquer conforto, qualquer coisa: food vs. price,
imaginei um talho e uma balança, de um lado, os bifes e do outro lado, os pesos, os dólares.
Neste desenho pus, na parte inferior, uma balança e do lado direito,
a oscilação, o comboio, a natureza ingénua do campo, a morte do amor;
e do lado esquerdo a grande cidade
(ver pintura em cima e os arranha-céus no lado inferior esquerdo, inspirados no trabalho de
Little Annie e seu livro 'Meditation in chaos')
e o preço a pagar pela 'island of love'

Penso que esta metáfora, que eu desenhei num estado de quase-louco,
se cumpriu no Tempo com apenas ligeiras diferenças.
O futuro que eu previa em 2002 cumpriu-se em 2017.
Passo hoje o meu tempo a pintar.
Valeu a pena ser teimoso e nunca desistir.

domingo, 8 de outubro de 2017

Já não tenho motivos para deixar de pintar.

Uma amiga,
antes de partir de avião para o que não sei definir 
se como uma aventura gangsta-romântica ou um acto de caridade
envia-me a mensagem seguinte,
uma simples mensagem do facebook, daquelas que pretendem ser virais,
(anda praí a gripe dos afectos)

A vida na terra é uma passagem, o amor uma miragem, mas a amizade é um "fio de ouro" que só se quebra com a morte. Você sabe? A infância passa, a juventude a segue, a velhice a substitui, a morte a recolhe. A mais bela flor do mundo perde sua beleza, mas uma amizade fiel dura para a eternidade. Viver sem amigos é morrer sem deixar lembranças. Envie a quem vc tem amizade e para mim se eu fizer parte de suas amizades.

e eu dou por mim a devolver-lhe a mensagem
sabendo que esta amizade, 
e a sinceridade para lá das palavras que se partilham em cadeia no face, vale platina.
É bom saber que não estou sozinho.
Ter uma amiga é melhor que ter uma esposa.
A gente não desculpa as pequenas mentiras a uma esposa que se sente constrangida a esconder.
A amizade é partilha, 
é maior que só o sexo, a cozinha e a obrigação de pagar contas 
a que se resumem ao fim de algum tempo as ligações com anel oficial.
Estou bem com o mundo.
Não sinto já, com raras excepções, o mundo como uma ameaça.
Não sinto já a necessidade de ameaçar como auto-defesa.
Estarei curado da paranóia que me diagnosticaram?
Sinto-me lúcido, é tudo, eu e ela estamos para lá do ciúme,
e quando os nossos caminhos se encontram fazemos a festa
como se não nos víssemos há anos,
e tirando uma família ranhosa de vizinhos
os restantes são, como se diz, Top e multiculturais.
Já não tenho motivos para deixar de pintar.
Até ao próximo post, caros leitores!

adenda: este artigo que acabo de ler:
https://www.dn.pt/sociedade/interior/voltar-a-ser-pessoa-depois-de-estar-fora-da-vida-8826689.html

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Aborto


'Aborto'
óleo sobre tela
40cm por 40cm
2001 - 2017
ZMB


'Aborto 2'
pastel de óleo e grafite sobre papel
59,4cm por 42cm
2006
ZMB

Desenhos associados:
SIM no referendo ao aborto

Santo António e o aborto

Não me recordo se votei no primeiro referendo ao aborto em 1996.
Eu na altura abstía-me por desinteresse e falta de informação.
pude ser irónico quanto ao resultado do referendo.
Em 2008 no segundo referendo votei Sim em consciência.

Já antes tinha a ideia de que uma muher que abortasse não devia ser presa
e que devia ter o direito (juntamente com o companheiro caso o tenha)
de poder escolher se querem dar vida a um filho.
Sempre me preocupou o nascimento de 'abortos':
filhos não desejados, ou filhos que vão crescer na miséria também às vezes porque
os pais não têm condição económica.
Neste casos é preferível uma criança não nascer do que lhe serem cortadas as pernas à nascensa.

No último desenho (realizado em 2017) faço alusão
ao santo antónio, padroeiro dos casamentos,
como contraste à, felizmente, já não criminalização do aborto.



(fotografia de época com linha de sombra)


terça-feira, 3 de outubro de 2017

Claro qu'ela tava cheia de speeds, como sempre
e um dos gajos perguntou-lhe s'ela é qu'era a noiva
e ela disse que não, qu'usava contraceptivos,

'
Bom, seja lá como for, quando a Suzy disse ó Tommy que tava de barriga, calculo qu'ele tenha ficado um bocadinho espantado. Não sei. Ele não disse nada, mazeu acho que sim. De maneira qu'ela contou-lhe e foram os dois dar um passeio p'la marginal e no regresso pararam em Coney Island e comeram uns cachorros no Nathan's e nessa época ele tava a trabalhar e deve-lhe ter dito que casava coela, calculo eu. P'lo menos não me parece que tenha dito que não casava. A verdade é que não lhe fazia lá muita diferença. Qué dizer, ele já tinha uma mota, paga até ó último cêntimo e toda artilhada comele qu'ria, e podiam ir os dois morar pa casa dos velhotes dela, no andar de baixo. Por isso que se lixasse. E acho qu'ele até se qu'ria casar, sei lá. Sabem como é. Mas não sei se ela lhe chegou a pedir. Qué dizer, ela podia-se ter livrado do puto sem demasiada chatice. Há mil e uma maneiras. Mazo Tommy era um gajo porreiro, nunca chateava ninguém e nunca tinha batido nela nem nada, de maneira qu'ela devia ter vontade de se casar coele, acho eu. É cassim não ia ter de trabalhar, só dar de comer ó puto e esse género de coisas. De maneira caté resultou bastante bem. Seja como for, o Tommy entrou no Greek's uma noite e disse à malta qu'ia ser pai e o Alex serviu-lhe um café por conta da casa e o Tommy deixou o Susto dar uma volta na mota.
Quando o velhote dela cozeu a bebedeira (já ela tinha voltado pa casa do hospital co bebé nos braços e dito assim, este é o avô, e o velhote tinha-se posto outra vez a choramingar), disse-lhe qu'ia dar uma ganda festa e foi ter co Murphy, o dono do bar, e disse-lhe que qu'ria alugar a sala do andar de cima pa um copo-d'água. E quando o Murphy lhe perguntou pa quando é qu'era ele disse que não sabia mas qu'era pa daí a poucos dias e então o Murphy disse-lhe co Exército da Salvação ia reservar a sala pa um ajuntamento daí a poucos dias, de modo co velhote disse daqui a duas semanas e deixou um sinal e foi pa casa e contou à velhota e à miúda e foram à procura do Tommy e ele disse que tava bem e continuou a puxar o lustro à mota e foi assim que marcaram a data do casamento e combinaram as coisas pò batizado. É claro que mentiram um bocadinho no baptizado, tão a ver, maza velhota achou que sempre era melhor mentirem um bocadinho do que não conseguirem baptizar o pobre do puto. De maneira que trataram dos papéis e alguns dos rapazes foram coeles e a coisa só durou uns minutinhos e depois fomos pò Murphy's pa esperar que fossem horas do baptizado e pa eles deciderem quem é qu'iam ser os padrinhos. Acho qu'eles lá acabaram por arranjar uma tia e um tio, não sei, mazenfim, foi nessa altura cas coisas coimeçaram a animar. O salão do Murphy's é grande à brava e fica por cima do bar e ele tinha posto garrafas de whisky num balcãozinho ó canto e barris de cerveja e uma mesa comprida cheia com todo o género de sandes. De maneira que cada um de nós agarrou numa caneca de cerveja e começámos a enfardar as sandes e o Susto entrou e disse à malta que tinha arranjado uma mota. Vocês deviam ter visto. Tinha comprado uma moto velha da polícia por meia dúzia de dólares e tinha-a arranjado toda. Sabem, deu-lhe uma lambuzadela de tinta e gamou um assento maluco todo forrado com pêlo e cheio de cromados e tava em pulgas pa nos mostrar a máquina. A gente dissémos-lhe pa ter calma e pa se descontrair e festejar o casamento do Tommy. De maneira calguém lhe meteu uma cervejola na mão, mazele passou-se quando lhe tentaram tirar aquela porra daquele boné da cabeça, de modos ca gente disse que tava bem, qu'íamos até lá baixo pa ver a mota dele. Ganda coisa. Vocês sabem como é, quando os chuis pôem uma mota de parte, enfim, é porque já deu o que tinha a dar. Mas sempre era uma mota e andava. Tenho cá a impressão caquele filho da mãe era gajo pa tê-la comprado mesmo que tivesse de andar a empurrá-la ó a dar ós pedais como num carrinho de putos. E vai daí ó fim de 5 minutos ele carregou no pedal de arranque e a gente ouviu a mota a tossir e a engasgar-se e o Susto lá levantou ferro cum sorriso de orelha a orelha e nós tornámos a subir as escadas e ó fim dalguns minutos ele tornou a aparecer, a sorrir à porra da sala toda e coa alça do boné muito bem presa por baixo do queixo. Só vos digo, pá, era de morrer a rir. Mas que se lixe, a gente tava-se a divertir à brava e não sabíamos o qu'era querer uma mota e não a termos e quando demos por isso o gajo tava a falar coa velhota da Suzy sobre a mota e ela tava a enfrascar-se que nem gente grande e ó fim de pouco tempo começou a choramingar, a falar da sua crida menina, a dizer ó Susto com'era a carinha dela quando tinha nascido, parece que foi ontem e agora ela aí tá, uma mulher cresccida, casada e mãe de filhos, e o Susto ia fazendo que sim coa cabeça e disse pois, mazeu só preciso é de limpar bem as velas e lavar o carburador bem lavadinho -- o que ele próprio podia fazer de noite sem gastar um tostão -- e aquela mota vai andar tão bem na estrada como qualquer outra e se formos a ver que só custou uma nota de cem, foi um ganda negócio... e já há muito tempo ca Suzy tinha mandado passear o velhote e a velhota e tava a enfardar sandes de mortadela que nem uma doida e as coisas começaram mesmo a animar. É claro calguns dos vadios que tavam no bar subiram escada acima e deram muitos parabéns e deitaram a unha a tudo o que puderam e quando o baptismo acabou e os noivos voltaram co puto toda a gente se pôs a dizer ó velhote e à velhota qu'ele era igualzinho a eles (e a velhota é cá um coirão qu'eu nem vos conto!) e eles choramingaram e deram muitas palmadas nas costas dos convidados e disseram-lhes que bebessem maizum copo e alguém tinha uma máquina fotográfica e as lâmpadas de flash faziam pop! e depois o gajo atirava-as contrá parede. Claro co puto desatou a berrar mas lá trataram dele e a festa começou a valer. Tinham um gira-discos e uma data de discos muito porreiros, do Illinois Jacket e do Kenton; e a Roberta, uma bicha toda desempoeirada das redondezas, apareceu e começou a dançar e a gingar e alguns dos rapazes tavam pedrados e puseram-se a dançar coela e ela tava-se a divertir à brava! Claro qu'ela tava cheia de speeds, como sempre (a não ser quando tinha erva) e um dos gajos perguntou-lhe s'ela é qu'era a noiva e ela disse que não, qu'usava contraceptivos, e depois começou a dançar coa velhota e co velhote da Suzy. Issé que foi um gozo do caneco! A velhota ainda tava toda ranhosa e a choramingar e pôs-se a abanar aquele cu enorme cheio de banhas e a malta íamo-nos mijando nas cuecas. Eh, pá, foi dum gajo se cagar a rir!
'

, páginas 108-112
'Última saída para Brooklin'

Hubert Selby Jr.
Tradução de Paulo Faria
Edição Antígona 2006

domingo, 1 de outubro de 2017

A mesa do fado


'A mesa do fado'
óleo sobre tela
65cm por 80cm
2014 - 2017
ZMB

Descobri que a cor 'ivory black' é um preto usado para fazer misturas com outras cores.
Ao substituir o fundo laranja pelo preto que sempre usei, reparei que este tinha uma tonalidade baça,
ou seja, não era absolutamente preto. Disseram-me que eu deveria procurar um 'ebony black'.
Fui à loja de pintura habitual e perguntei
dos três pretos em venda: o marfim, o fumo ou o marte, qual deles seria o mais preto,
foi aí que me disseram que o mafim (que é branco apesar de eu pensar que ivory black era simplesmente 'preto da Costa do Marfim) era usado para misturas,
 e não estando o preto-marte disponível em óleo trouxe o preto-fumo.
De modo que repintei o fundo com 'preto-fumo' (lamp black)
deixando uma marca de ivory black para poder verificar a diferença de tom entre os dois pretos.
Com esta nova camada de preto, tornou-se mais imperceptível as marcas da torre
que tinha eliminado anteriormente.


(foto com fundo preto-marfim)
--
[em Setembro 2017]

Por sugestão de um potencial comprador, que me disse que a cor do fado é o preto,
substituí o fundo laranja, por preto com vestígios de vermelho-escuro.
Eliminei iguamente a torre que tinha uma luminosidade verde-alien
e que distraía e perturbava o observador.

(A fotografia tem algumas reflexões de luz vinda de uma janela virada a norte.
o preto engole a claridade e eu não tenho melhores condições para fotografar.
como em tudo, é preciso ver com os nossos próprios olhos e
não a partir de uma foto, a imagem fotografada dá apenas uma perspectiva incompleta da obra,)


-
[em Janeiro de 2015:]

Abro aqui uma nova etiqueta para colocar seis trabalhos
de algum modo relacionados com o fado.
Na verdade, pouco perccebo de fado
embora haja alturas de solidão em que gosto de o ouvir.
Para os puristas, este trabalho que aqui apresento 
não é fado
porque lhe falta uma viola para tocar o ritmo.