terça-feira, 5 de julho de 2016

Foi quanto bastou para que me inundasse o sentimento de uma segurança magnífica no meio do mais ardente perigo.

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Por ocasião desta oferenda Lampusa não tardou a fazer-se acompanhar do pequeno Erio, que levava ao colo, e que imitava o grito daquela com a sua vozinha débil. Tanto maior foi assim o meu espanto quando, uma tarde, ainda ele mal se tinha nas pernas, vi a criança arrastar a terrina para fora de casa. Ali, percutiu o bordo do recipiente com uma colher de pau,  logo as serpentes vermelhas deslizaram, cintilando, para fora das fendas das falésias de mármore. Como num sonho acordado, ouvi as risadas do pequeno Erio, de pé no meio delas, sobre a lama pisada do vestíbulo da cozinha. Os animais envolviam-no semierguidos, como que executando passos de dança, e baloiçavam sobre o alto da cabeça dele, com rápidas oscilações pendulares, as maciças cabeças em forma de triângulo. Eu estava de pé, no terraço, e não ousei chamar por Erio, como se de um sonâmbulo se tratasse que víssemos progredir ao longo da íngreme cumeeira de um telhado. Avistei então a velha diante da cozinha aberta na rocha, Lampusa, que, ali especada e de braços cruzados, ria. Foi quanto bastou para que me inundasse o sentimento de uma segurança magnífica no meio do mais ardente perigo.
A partir desse dia passou a ser Erio que tocava, em nossa intenção, a sineta para a refeição da tarde.
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, página 40
'As falésias de mármore'
Ernst Jünger
edição Círculo de Leitores





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