sexta-feira, 19 de maio de 2017

Ninguém quer saber, ninguém quer prevenir e depois contam os mortos e fazem a homenagem.

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Na Quarta-Feira passada, dia 10 de Maio às 16h, era dia de consulta de psiquiatria no hospital. Como sempre acontece nos dias em que tenho compromissos importantes, nada fiz de útil, ou seja, fiz uma pausa no meu trabalho que é actualmente pintar, e pus-me a fazer uma avaliação pessoal dos meus dias desde a última consulta há três meses para que pudesse conversar sobre eles com a minha médica.
Quando chego ao guichê do hospital e entrego a folha com a marcação da consulta, o assistente de secretaria diz que a médica fez greve, eu pergunto quando volto a ter consulta e ele diz que depois eu receberei a marcaçao por carta em casa. Dou meia volta e deito a folha com a marcação no caixote do lixo, venho-me embora, apanho o metro, chego a casa, faço café de saco e fumo um valente charro para descomprimir.
Esta Terça-Feira fui almoçar com os meus pais e comentei: «Atão não é que a médica fez greve?! Cheguei lá e ela fez greve, não é o mesmo que um motorista de transporte público ou um balcão qualquer fazer greve, a minha psiquiatra fez greve, dizem que o médico é o melhor amigo do doente, mas no fundo, só se importam com o doente se chover dinheiro para eles, andam a brincar, com a saúde não se brinca!»
«E o que fizeste? Fizeste barulho?»
«Não, apeteceu mas não, vim-me embora, se fizesse barulho o segurança metia-me na rua com dois tabefes ou ainda me internavam na hora, o que vale é que eu ando mais ou menos, mas há quem esteja em pior situação que eu...»
«Podias ter escrito no livro amarelo...»
Não disse nada mas lembrei-me que já li casos nos jornais sobre pessoas que foram acusadas pelo que escreveram nos livros amarelos, como não tenho uma memória precisa sobre esta lembrança não respondi.
Hoje Sexta-Feira, dia 19, recebo pelo correio a carta do hospital com a marcação da consulta para dia 12 de Julho. E pus-me a fazer o filme, já aconteceu antes, desta vez vão ser cinco meses entre consultas, o que vale é que ando bem, espero que tenha medicação até Julho e que não descompense psiquicamente, espero que não comece a ficar com alterações de humor e reacções em público a conversas que possa ouvir ou me sejam dirigidas, espero que não comece a dirigir palavras feias e com cheiro de estrume a pessoas que me querem bem mas que não alteram uma vírgula por mim às suas melhores práticas, espero que não me torne violento e não comece a esfaquear ninguém por copicatear algum ídolo de filmes de terror, enfim...
Tudo isto vem ao encontro do que me vem salvando: Não é deus, não é o psiquiatra, não é o dinheiro que me salva, sei pefeitamente que o que me vai valendo é eu ter percebido que só posso contar comigo e com o meu esforço. Como disse à minha mãe na Terça, ao ver a reportagem do senhor de 78 anos que terminou um curso superior: «Acho muito bem que ele ocupe a cabeça, que se mantenha activo em vez de ficar o dia todo a cismar, e eu faço o mesmo, eu reformado que iria fazer para ocupar o meu tempo se não pintasse?, iria andar pelos cafés a gastar o dinheiro que não tenho e a fazer merda ou iria dar um tiro na cabeça depois de levar comigo umas quantas ovelhas inocentes?»
Ninguém quer saber, ninguém quer prevenir e depois contam os mortos e fazem a homenagem.
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Rui,
utente esquizofrénico de psiquiatria no SNS


7 comentários:

  1. Li algures que poderemos ter consultas na Faculdade com professores e alunos finalistas, não seria de tentar?
    eu quero saber...
    Gábi

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  2. Obrigado Gábi, mas para mim a diferença entre um psicólogo e um psiquiatra é que este último pode receitar medicação. Se ela me faltar vou à consulta aberta.
    Conversar é bom quando as pessoas estão ao mesmo nível, e entre um doente e um professor ou aluno finalista ou mesmo um médico há sempre uma distância que ninguém quer ultrapassar porque isso seria o suicídio profissional do profissional de saúde que nunca admitiria a sua quota-parte responsabilidade no caso.

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  3. Gábi, explicando-me melhor:
    Há nas relações inter-humanas uma coisa maravilhosa que é podermos influenciar-nos um ao outro, gostar ou discordar do que o outro diz, amar ou odiar. Esta coisa maravilhosa chamada de «viver» é proibida na psiquiatria e tem o nome de «transferência».
    Na literatura médica é geralmente conhecida pela parábola do maluquinho/a que se apaixonou entre aspas pelo médico, ele/a vê no médico a sua salvação e muitas vezes muda até de vida só por «amor», funciona até ao momento em que o doente descobre que andou iludido.
    Um caso mais raro é o contrário: o médico apaixonar-se pelo doente, veja-se o caso do Herberto Helder que quase levou os seus médicos à loucura, e um médico ficar louco é o seu suicídio profissional.

    Obrigado por estarmos a dialogar :)
    R.

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    1. (não sabia do caso do Herberto Helder)

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    2. Não posso confirmar a total veracidade do caso do HH, li ou tresli em qualquer lado.

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  4. Dear Zeta,

    claro que considero que as consultas de especialidade deveriam ter os serviços mínimos assegurados e sei que a esquizofrenia necessita de medicação cuidada, regular (conheço alguns casos, como conheço de bipolaridade e, não sendo uma medicação idêntica, a situação requer o mesmo acompanhamento).

    lembro-me de ter feito um part-time durante 2 anos, enquanto estudei na FLUC, no consultório privado de um psiquiatra que foi professor da minha irmã e do meu cunhado (psicólogos, ambos, mas que são professores); contava-me curiosidades avulso, sabia que eu nutria enorme atracção por aquele mundo (afinal, 'acompanhei' tantos casos!), dava-me dicas sobre casos em curso, falava-me do perigo da suspensão da medicação (e acontecia com uns 70% dos casos, com recaídas piores do que o estado em que os pacientes tinham chegado ali).

    uns anitos mais tarde, poucos, li que, a par dos bancários, eram a classe profissional que mais sofria de depressão e ansiedade... as estatísticas terão mudado, mas sei que aquela vida exige horrores.

    actualmente, enojam-me, aqui, por exemplo, os clínicos gerais, que nem sequer observam/palpam o doente, como aconteceu hoje com uma amiga que, desde há 4 dias, mal se move, com dores horrendas nas vértebras imediatamente abaixo das cervicais: encheu-a de Voltaren e toca a andar, mesmo tendo ela uma menina com 18 meses que ainda pede colo e ela nem sequer consegue vestir-se sozinha, necessita da ajuda do companheiro: há 4 dias...

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    O SNS está doente, muito doente, basta tomar-lhe o pulso.

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    abraço, Zeta, que tudo te corra pelo melhor :)

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  5. olá Alexandra,
    eu perguntei à minha mãe porque faziam os médicos greve, ela só me falou na palavra solidariedade, e por isso não sei de quem é a culpa, se dos médicos se do ministério, mas lembro-me de lhe ter comparado o caso dos tratamentos à hepatite c: foi preciso uma câmera filmar a manifestação de um doente dizendo «sr. ministro, não me deixe morrer!» para que o ministério chegasse a acordo com a farmacêutica. Desde então, as notícias são boas e conheço muito ex-toxicodependente que está hoje curado devido ao tratamento.
    No braço de ferro entre o ministério e os médicos, ninguém acaba por ter razão e quem se lixa é sempre o doente, como no caso da tua amiga.

    abraços :)

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