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Escrevo assim que regresso, chego outra vez a casa, desta vez o cenário é totalmente diferente, porque me quero maluco às vezes e a utilizar o meu último coto, a minha última bandeira, escrevo que o cenário é agora o de um renegado esquizofrénico, aproveito e dislexio palavras e escrevo estas: junkies do desejo, pederastas da prisão, prisioneiros do caos, baralhar as cartas e jogar a sorte na combinação, vai dar tudo ao mesmo, as definições vão mudando, a essência mantêm-se, todos nós queremos ser não apenas o observador mas o actor, as maiores mentes que se quedarão aprisionadas pela liberdade, destruídas pela loucura, quem como eu tem de ir a uma consulta para avaliação clínica faz de tudo isto uma bandeira, isto e aceitar o convite de zaine para lhe oferecer um café e lhe proporcionar hash e vinil musical, fazer a sua memória lembrar epifanias com chet baker e urgi-lo à discriminite do seu próximo título. «Sabes quantos músicos overdosaram em casa dele?, tenho de ir, estou a ter uma epifania, tu compreendes, faço contigo o que nunca fiz, empresto os meus livros, perco-os, vendo-os e depois tenho de pedir mais exemplares à editora… os ladrões roubaram-me!»
Recuso que a minha psicose seja transmitida geneticamente e provoque o tal desequilíbrio químico e tenha como solução estabilizadora a aplicação de neurolépticos e extra pastilhas para os efeitos secundários, a redução de danos. Sei muito bem que a minha psicose tem causas sociais, mesmo que diga: tivessem eles me pago as férias num spa em zurique [mas para uma lady… que mais se pode kerer ai krida...] ou a indemnização prevista na lei [oh meu filho és a vítima, o mártir que por vias tortas desejaste ser].
Recuso considerar-me vítima mas se o for sê-lo-ei apenas de mim próprio ou da minha sede de conhecimento e se sou nada serei apenas vítima de nada, sei que sou inadaptado, não sentindo heróis dentro de casa e ao ver desde cedo o mundo considerar-me o que ele próprio se não considera, um relações públicas pago com sapatos em ouro, construo a minha genealogia, o meu panteão de adn sideral, alimento-o com drogas soft e cogumelos, tento ver uma fuga num pico de heroína mas desisto e logo volto para casa, o seu efeito impede-me de responder ao afecto de quem vem tentar falar comigo, muita mulher vem ter comigo e eu não correspondo, gostarei talvez que elas me sigam até casa. Venho para casa sozinho fumar um bob e ouvir marley, gostarei talvez que elas não me sigam pois ambos poderíamos vir a gostar desse afecto além do erótico entre um futuro casal de possíveis hepatitis aids zumbi duet como se eu viesse a traficar os amados filhos de camisinhas furadas.
Digo que, afinal, gosto de sexo com mulheres bonitas. O zombie, lido no símbolo iconoclasta anar band, transforma-se em zmb, truncado portanto e autoproclamado mestre da realidade hiper ilusória, do artifício e da encenação.
Aquele que viaja sem sair de casa e às vezes procura aquela que lhe devolverá a potência de um brilho nos seus olhos, um sorriso. Aquele que constrói narrativas pescando pontas soltas nos seus cadernos ilustrados, em cafés cada vez mais no smoking… adorava ler o magick e ilustrar o salão do templo mas só como exercício visual, o meu templo ainda assim tem reminiscências de ouro, é um pouco reprimido como o do samurai [que me ensinou uma beleza da qual hoje já me posso afastar e a honra que completei com a leitura de stendhal] e, porque a mística de tanto remoer se desvaneceu como que por milagre ou remissão espontânea, admito ter visto um dos meus pais siderais na fotografia de um condenado à morte… no cárcere, acarinho os meus colhões sempre que leio esse poeta, sem pai e da mãe só a redundância do nome de registo.
O filho de uma possível prostituta, uma profissão que minha verdadeira mãe nunca precisou de exercer, insidia-se em mim e eu fujo tanto do medo de um futuro e nunca desejado electrochoque como do fascismo místico no qual «causa ou consequência» chego a cair algumas vezes. Ainda assim, prefiro o avô desconhecido e imagino-o misterioso, imagino que tenha sido mau, severo talvez, sem história que mereça que meu pai me revele. O meu pai verdadeiro tem apenas a quarta classe, desconfia das novas oportunidades e do euro, numa fotografia de arquivo vejo meu avô sideral de sobretudo e cabelo farto aos dezanove, sei que o seu irmão branco ficcionou o encapsulamento de um espírito brilhante numa borboleta transformando-se em crisálida no ventre de minha mãe e eu, como se cristo ou judas ou qualquer outro mito seja, sei que na minha psicose sem conteúdo racional, eu...
descendo de heróis, tendo eles desenhado psicografias, eu… sem elas me terem ferido de amor os tímpanos eu não poderia ter o fluido, não poderia ser quem eu escrevo, quem eu me assumo perante linhas de open word online, que mitologias recupero e assincronamente incorporo na minha ficção de regresso ao real, traumático às vezes o meu modo de me fazer gente, mais tarde cumprimentar-me-ão e levar-me-ão a ler escritos seus e eu perguntarei se por acaso não nos teremos já visto nalguma instituição hospitalar? Eu acho que preciso de usar óculos.
Falámos certamente, apertámos a mão, trocámos talvez mortalhas, um cigarro… mas saber que existes e que escreves uma página na explicação, na construção do meu delírio (o teu delírio de palavras escolhidas a dedo se tornou real na minha leitura) faz-me dizer não poder ser nunca um apoiante da política anti-drogas. Não seria correcto ser hipócrita porque eu igualmente as utilizo e com uma função definida e mesmo sabendo que algumas queimam o teu caco não posso impedir pessoas como ela, r púrpura, de ter as suas epifanias e sentir, desejar, conhecer e escrever, necessitar de narrar as suas fotografias, acima de tudo viver para poder contar, emitir, transmitir…
… eu também mas eu não vivo verdadeiramente, eu revivo os vários momentos da morte, o pós-morte é o colete de forças e o largactil, re vejo até polícias loiraças e algo feias vestidas com bata de médico fazendo o «diagnóstico» na sala de espera, vejo o que se escreverá a seguir, um dos muitos regressos que faço antes zijn zmb zijn e depois sempre que regresso.
Muitos amigos dentro de lá e de cá, amigos até do momento e dos quais não me recordo, sobrevive-me a solidariedade de em grupo e como classe vos cantar a todos, cantar os teus caprichos de histeria minha ex-senhora nos campos do paupério ou das tuas poses de junkie meu amigo.
Mesmo que não vos cante os caprichos exactamente «per se» e fiquem anónimos os vossos nomes para quem vier, ah sublime, infectar um leitor entre partidas, interlúdios e eternos regressos sem elegância…
… eu, a todos e a tantos mais, vos abençoo como se, como se eu, como se fosse um qualquer cristo e tivesse poder, far-vos-ei como me fizeram: trocarei convosco em timbuktu techno de boa qualidade num último muro ainda não cartografado, ficcionarei a torrente de consciência in e out, eu, espírito autofágico, transubstanciador mesmo [ah… a sublime infâmia do conto], ouvir-vos-ei falar do modo como combatem a vossa hepatite de junkie, do modo como alguns desistem do tratamento com interferon e se afundam na depressão com vinho, pastilhas explosivas, insónia e invalidez física, do modo como alguns estão em coma, do modo como alguns se curam com argila e mijo das freiras, esse elixir de vómito; do modo como alguns se queixam por não saberem se é verdadeiro o diagnóstico de «curado» e, não querendo saber, tudo é desculpa para não beber mas
fazer escândalo por causa da senhora que quer fumar, vós…
tornados dependentes planantes da pastilha [e negam que foram e que são], vós…
sobreviventes rehabilitados da traficância [hum a arte como crime o crime como arte? hum], vós…
fugindo da recaída no caneco ou no ciúme sem culpados, em vós…
procuro a causa, o gatilho da minha psicose, prefiro ter-me tornado um junkie em recuperação do que ser o meu sangue louco e culpar o sangue de meus pais, sou tão vós pareço tão vós receio que me torne igual a vós que em boa voz de todos vós me fartarei — sei-o porque não tenho perfil de substituto da s[eg]s[ocial].
Eu não sou um gajo social e os meus pais não terão culpa, o seu sangue foi igualmente recebido de herança e assim sois todos vós
a minha desculpa, sois todos vós
os heróis que no meio de nós e connosco se sujam ao invés do bom poeta e medíocre pessoa, somos todos nós
aqueles que nunca quiseram rótulo geracional e que agora vendemos o rótulo, todos vós
com quem me cruzo, a quem darei cigarros e livros mal-educados que recusareis publicar: abaixo o artifício, quero fumar, a tomada eléctrica pifou, deixa-me fumar, quero viver, aceita o meu fumo mas retiro o que disse e não fumarei na tua laje por respeito.
«Não publico porque é muito poético e a minha zine é assumidamente rasca.»
Quero deixar de escrever porque sinto que escrevo porque morto estou e vejo doppelgangers por todo o lado. O meu glenn branca é um poeta narcisista ainda mais sectário do que eu e há muito que perdemos o interesse um pelo outro, agora apenas desculpas educadas ao telefone, este morto não quero que pertença à minha colecção de heróis de banda desenhada. Tive uma litania de natas natas natas com a minha dia munda galas pessoal e dela desisto por causa do absurdo de amar o mito em vez do microcosmos que me acarinha à sua maneira. Agora prefiro sorrir quando vejo a lula pena na minha vizinha, ela vende no supermercado do meu bairro, recusa oferecer descontos dumping e eu gosto do seu anonimato, sempre que passo por ela sorrio. A sónia braga também não anda longe e é uma cigana com dois filhos de pais diferentes e nenhum deles é cigano e eu... eu sofro toda a vossa miséria e alguma mea culpa por escolhas perdidas. E que dizer do duplo do vila-matas que vende palmilhas ortopédicas aos residentes da zona turística de derza? Eheh até que acho uma certa graça ao intrujão…
Amanhã escreverei mais, agora vou fumar um intensificador de sonhos. Digo-te agora que o fumei e lembrando e corrigindo o fluir das palavras que inda agora escrevi, digo-te linda r púrpura, tu
transportando o nome do meu primeiro amor,
aquela que costumava esconder as mãos e acabava sempre por levar reguadas da professora nas pernas porque tu
não fizeste os tpc na escola primária, tu
que te cresceste modelo de escola de arte, hostellee e desejas a apanha da fruta para comprar uma câmara de melhor sensibilidade, digo-te r púrpura
tem a responsabilidade de ter alguém que trate de ti
que te cure com beijos nos momentos em que te sentires no fundo de ti, digo púrpura r
se te sentires no mais fundo de todos os poços, digo-te
o mesmo que apliquei a mim próprio: Se estiveres no fundo do poço e se não chover, não te poderás afundar mais só poderás levantar-te.
Digo-te tudo isto antes de vermos o filme de uma revolução, de certo modo manietada pela presença do olho, o observador recolector e criador de elementos dramáticos e retórica, filmando uma revolução romântica numa terra que não conhece ainda a palavra mais universal do mundo: fodere!, na realidade do dia-a-dia quem se fode afinal são os presos sem julgamento à custa de jangadas de bois aparecendo nos jornais fotografadas «como se» cannons, durtrais pios e paisanos vestindo a caxemira do duque, prontos a assassinar o comité dos homens da razão e da ração. E eu próprio, se estivesse lá certamente não seria diferente deles.
O papa benze, o aiatola proscreve, o buda contempla, o brama escreve poemas e o imã vive em segredo, tudo numa terra de amigos e proscritos sem curriculum mediático prontos a sem mácula serem lançados na tv da alta finança municipal, e eu que não quis experimentar tudo, eu descubro mesmo a minha droga e terre d’élection: les égorgers a droite les étrangers a gauche, io sei que mais velho do que tu sou mas nada me impede de me despedir de ti esta noite com um beijo e um sorriso que me faz sonhar e me impede de dormir.
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manuelle biezon
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