quarta-feira, 16 de abril de 2025

Às vezes, é preciso ler o que dizem de nós para percebermos o quanto somos mesquinhos

 A Zélia Gattai no livro «Senhora dona do baile», edição Dom Quixote, narra uma história reveladora do fazer do povo português. A situação passa-se em 1948 em Lisboa numa casa no Campo Mártires da Pátria. 

Zélia em viagem de barco do Rio de Janeiro para Génova onde se iria juntar ao marido Jorge Amado, faz escala por umas horas em Lisboa e decide ir visitar a mãe portuguesa viúva do seu cunhado brasileiro, leva presentes do filho como chocolates e uma blusa com motivos bordados de S. João do Maranhão que a mãe muito gostará, leva também a última carta do filho para a mãe. Chega de táxi, acompanhada por um cozinheiro italiano do barco, e toca à campaínha. Aparece uma velha de preto e Zélia apresenta-se como cunhada e representante do filho que vem visitar a mãe, matar saudades e deixar lembranças.

A velha começa a insultar de assassino o filho da senhora e a dizer que ele a matou (porque a mãe tinha sido enterrada nesse dia) com a carta que lhe escreveu nem há um mês.

Zélia não quer crer e pergunta o que dizia a carta de tão criminoso?

Na carta, o filho contava à mãe que estava na praça fazendo negócio.

Segundo a velha, que conta a Zélia as palavras que o filho escreveu à mãe, a expressão «estar na praça» evocou à mãe pensar que o filho, após tanto investimento dos pais no estudo, estava agora no mercado carregando sacos de batata e feijão. E, segundo a velha, a mãe morreu de desgosto.

Assassino! Assassino!

Zélia quase que lhe apetece rir mas, dado que houve nesse dia o funeral da mãe, diz apenas que no Brasil «estar na praça» é estar dirigindo um negócio sendo patrão, e irritada diz à velha, que se identifica agora como senhoria da mãe morta, que o cunhado tem muito dinheiro e que ela Zélia está ali de visita para oferecer uma carta e uma prenda à mãe.

A velha começa então a falar das despesas do funeral e a olhar para o embrulho do presente. E começa a dizer que visto que se o filho afinal é rico pode ajudar com as despesas do funeral. E pretende um adiantamento. E olha para a prenda. 

Zélia vê que a velha quer a prenda e dinheiro e que se primeiro o filho era um bandido agora é rico e já pode pagar. Zélia sai dali a correr e manda a strega bugiar.


Moral da história:

Para o português, os estranhos são todos bandidos mas se forem ricos: -- Ò senhor, dê-me uma moedinha...


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