quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Rebate da opinião: «Eram pobres, continuaram pobres.»

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quiseram pintar o ajustamento como letal para os mais fracos, mas quem o pagou  foi a classe média. Este sinceramente vosso conduz um Opel Astra, não passa fins de semana em Formentera e viu retido 40% do seu rendimento.  Durante estes anos habituei-me a ver doentes que ficaram desempregados com mais de dois anos de subsídio de desemprego. Estes não fariam a revolução. Os miúdos foram para fora sem grandes queixumes. Sobraram os velhos e os pensionistas: a verdade é que nem de perto nem de longe o aperto  deles se comparou ao da classe média. Eram pobres, continuaram pobres.
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É certo que os pobres não fazem a revolução mas não considero correcto que se possa dizer 'Eram pobres, continuaram pobres'.
Eu penso que se eram pobres, ficaram ainda mais pobres e outros que não eram pobres, se tornaram pobres. Basta reparar que o limiar da pobreza é de 420€. Muitos velhos e pensionistas e desempregados, pobres e miseráveis não ganham 420 euros por mês. Aliás, num outro blogue há tempos li uma máxima dizendo que a diferença entre um pobre e um miserável é um pobre ainda ter dinheiro. E não é o mesmo cortar 300 euros de rendimento em contribuições e impostos extraordinários a um agregado familiar de classe média e cortar o rendimento mínimo em igual valor a um casal de pobres.
Podia dar o meu exemplo: trabalhava pelo salário mínimo, tive um ano de subsídio de 420 euros, depois seis meses de subsídio social de 300 euros, depois pedi o RSI durante um ano no valor de 178 euros, e durante todo este tempo tive de pagar uma renda para um quarto no valor de 150 euros. Podia dizer que em 2012 cozinhava três refeições em casa para mim e hoje só cozinho o jantar, o pequeno almoço foi eliminado e o almoço é no refeitório social da ordem dos fransciscanos, pelo qual não pago nada. Portanto, eu pelo menos fiquei mais pobre, e para não ficar miserável reformei-me por invalidez. Devido à minha condição psiquiátrica e também aproveitando o facto de já no passado os meus médicos me terem aconselhado a reformar, reformei-me com 260 euros mensais. Podia dizer também que, se as reformas antecipadas não estivessem congeladas, eu poderia reformar-me com um valor superior de pensão, dado que cheguei a fazer descontos como classe média num período da minha vida profissional. Portanto e deste ponto de vista, eu tive um corte definitivo e não extraordinário na minha pensão, além de ser mais difícil, agora, eu obter autorização futura se quiser voltar ao activo.
Sou apenas pobre e não miserável. Obrigaram-me a amansar. Aceitei a minha condição e, por isso, já nem me considero muito em risco. Vivo como o governo actual disse que tinhamos de viver, vivo dentro das minhas possibilidades. Quando os meus pais morrerem, será pior.
Mas vamos falar de miseráveis:
que dizer da família (pai, mãe e dois rapazes adolescentes) que almoçam comigo todos os dias na caridade?,
que dizer do casal que vive num quarto sem cozinha e que perdeu o RSI e ela agora está à porta da igreja a pedir e ele a arrumar carros?,
que dizer de um colega quase na idade da reforma que paga 160 euros de quarto e quase ia perdendo o RSI quando esteve a ponto de cair numa máfia que lhe prometia mil euros nas vindimas em Espanha?

Como imagina, doutor, que estas pessoas vivem? Ou, se não estão nas estatísticas, então estes cidadãos não existem?
Elas certamente não têm dinheiro para pagar um psicólogo ou psicoterapeuta, nem o estado comparticipa consultas privadas de acompanhamento psicológico... e portanto poderá, penso eu, não conhecer este submundo com rigor.
Quando muito têm uma assistente social que está sempre a perguntar se fez algum biscate no último mês ou se a família ajudou com trinta euros para a botija de gás. Para que, seguindo as directivas de cortes do ministério, poder cortar o rendimento porque as regras são: quem recebe os 178 euros do RSI não pode ter mais rendimentos nem que seja ocasionais, senão deixa de ter direito à prestação social.
E perante tais regras, como pode a economia paralela não crescer?

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