Sabes, eu compreendo parte da tua dor, parte dela é minha também, compreendo que não tenhas conseguido integrar-te, eu próprio não gosto deste país, também eu sou um estrangeiro aqui, perguntas-me se eu não gostaria de emigrar e eu digo-te que já o fiz, tive bons momentos, fui até feliz em certos momentos mas o custo de vida era alto, na altura gostava de beber e embora bebesse menos de metade do que os meus colegas bebiam ao fim de um ano pouco dinheiro pude trazer para Portugal, não ganhava o suficiente, para poder comprar antecipadamente um bilhete de regresso com desconto estive um mês a jantar pão-de-forma com manteiga e leite de pacote, até fiz rádio numa rádio pirata por convite de um amigo mas a maior parte dos meus discos estavam aqui, nunca pude fazer um programa em condições, eram apenas remendos, a minha vida continuava aqui, os meus pertences, todas as minhas memórias, as pessoas amigas, os ódios de estimação, a família, a língua, falar a minha língua, entender tudo o que me dizem, tudo isso me faltou, cheguei cá pelo Natal e fui ao café, tive a sensação que era figura pública, houve até quem dissesse que tinha chorado por eu ter ido para fora, coitadinho... o menino teve saudades que eu não voltasse, uma amiga que no passado não tinha querido fazer amor comigo por não o desejar agora queria conversa, os conhecidos do café queriam saber novidades, como era tudo e diziam que este país é uma merda, que lá fora é que é bom, e eu com saudades deste país a não saber como esconder que apesar de tudo a vida lá fora não fora fácil, no fundo indo contra a multidão e em sentido contrário, eu com saudades do país e das pessoas e as pessoas com saudades do que eu tive, dei palestras, fiz discursos, urso a troco de nada, senti-me importante, comecei a contar a minha vida a qualquer bicho careto que me aparecia, o dinheiro que trouxe deu para quatro meses à grande, depois tive de aceitar um emprego numa multinacional, entrei lá a pensar no paraíso, tinha a ilusão que ia ser alguém, ter uma carreira e tal, uma cama cheia de dinheiro, continuei na empresa a vida nova que trouxera do café, falava de mais, confidenciava, inventava, confiava segredos que tinha lido nos livros, mas a verdade é que começou a surgir em toda a gente à minha volta a sensação de que eu era um aldrabão, um bem-falante, só forma e nenhum conteúddo, afinal de contas eu não sabia sequer programar uma folha excel e passava o tempo de trabalho a escrever no computador, a folha excel era apenas passar o tempo, era o tempo em que as multinacionais recebiam do estado apoios à integração de licenciados, a multinacional recebia o dinheiro, pagava ao licenciado encostando-o a um canto com trabalhos de fantasia e o restante dinheiro ia para equipar os escritórios dos directores com computadores de último grito, no fundo estava no meio de aldrabões, a diferença de mim para eles era a minha falta de filtros, a minha falta de hipocrisia, ao acusarem-me de ser aldrabão e dizendo «mantem-te assim e serás recompensado» eu respondi que não queria aquele mundo, ganhei inimigos, houve quem se quisesse aproveitar da minha ingenuidade, bati no fundo sem saber que parte da culpa era minha, eu falara demais, fizeram-me a folha e contigo mulher passa-se o mesmo, tu contas a tua vida a qualquer pessoa que te faz um sorriso e te paga um copo e te fala em trabalho, não consegues perceber as segundas intenções, acredita o trabalho honesto e com os direitos de lei... é preciso lutar por ele, concorrer com milhares de outros candidatos pela vaga, e depois de muitas negativas ser finalmente aceite, ser melhor que os outros candidatos para aquela posição e o patrão fazer-te a festa, ter um sorriso de confiança, sentires que foste valorizada, que és útil a terceiros e vais ser razoavelmente bem paga, é isso que tens de procurar, alguém que te valorize e que te não conte histórias da carochinha, e sabes que mais?, quando eu ia ao restaurante almoçar e jantar havia alturas em que me queixava da comida, podia às vezes não estar aceitável ou podia simplesmente o cozinheiro oferecer um pitéu de qualidade e eu não dar o valor, reclamava, há sempre quem reclame contra o serviço de terceiros, mas agora que cozinho a minha comida eu nunca reclamo, está sempre boa, a melhor do mundo, tão boa que penso até em ta oferecer, no fundo o que eu quero dizer é que o caminho é fazermos nós próprios, com o nosso esforço, o nosso trabalho, dando passos seguros, aprendendo na carne com erros, fazendo a nossa parte e com a esperança que os outros façam a parte deles, tudo o mais surgirá, eu sei que estás farta deste país, tiveste tudo de graça e agora que precisas deste país sentes que ele não te dá o que queres, mas tens de lutar, tens de aprender a lutar, não há soluções fáceis. Ao querermos ser tudo sem esforço, criamos pés de barro, fáceis de cair do pedestal.
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