quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Rasa and me

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Rasa é como se chama a minha amiga especial. Agora que sei um pouco da sua história, contada por ela no decorrer de alguns bons momentos de partilha ao longo dos últimos anos, penso que poderei dizer sem cair em grave exagero ser ela uma pirata de longo curso, uma raínha, mas uma raínha caminhando actualmente no limbo, ou para ser mais urbano e menos metafísico, Rasa vive sentada em cima do muro. A seu lado tem o portátil com câmera web, cigarros de bico amarelo ou camelos electrónicos, cerveja, pipocas, de vez em quando sonha em comprar um porco-espinho. 
Rasa é uma pirata com largas provas dadas. O seu objectivo sempre foram homens mais velhos, os naturais substitutos do seu pai, e quantos aos mais novos ou da sua idade, bem na verdade chegou a ter sete namorados ao mesmo tempo, cada um tinha hora marcada de entrada e hora de saída, achava-os muito sem-atitude, não eram homens que lhe pudessem proporcionar o que ela bem mais queria, o que igualmente tanta pessoa quer: aliar o melhor conforto de um ombro ou de um membro de uma pessoa à bolsa exuberante que paga todas as contas. Os sem-atitude tinham pêlo na venta e muita explosão prometida, ela ria-se com todos eles, passava um bom bocado de letra jogada fora, mas... havia sempre um mas, não passavam de aspirantes. Rasa queria um homem feito, teve vários até hoje estar com o actual em cima de um muro. Acabaram mortos e enterrados como pessoa-não-identificada num qualquer pinhal em Para-lá-dos-montes, mortos pelos amantes das suas amantes. Rasa queria conforto e teve-o de vários homens, casou com eles, teve filhos, uma casa, até mesmo uma família. Só não se sentia bem quando o marido passava a semana toda fora e voltava bêbado. Qaundo se fartou pô-lo fora de casa. Três meses mais tarde, soube pela rádio local: «Crime numa casa de alterne. Uma mulher desfigurada e um homem morto. Assassino a monte. Desconhece-se a identidade dos protagonistas além da mulher atingida à facada nem as reais causas, notícia em desenvolvimento.» 
Rasa chorou duas lágrimas mas não reclamou o corpo. O seu filho não conheceria o pai. Passaram tempos difíceis, mas a família não a abandonou, tomou conta do neto enquanto ela procurava emprego. Rasa ouviu muitos nãos. Chegou a ir a entrevistas marcadas pelo centro de emprego, sentou-se em frente a directores de recursos humanos e psicólogas, e uma destas disse-lhe que mesmo para cuidar de idosos era preciso ter perfil, ao que ela com dignidade respondeu que a sua principal preocupação era o bem-estar da pessoa idosa, tantas vezes carente, sózinha, a necessitar de assistência. Nesta entrevista em particular, saíu de lá derrotada, elas disseram-lhe que lhe ligavam mas ela não acreditou, decidiu que não gostavam dela, que talvez não tivesse o perfil, apanhou uma bebedeira nessa mesma noite, andou desaparecida durante três dias, roubaram-lhe o telemóvel e o cartão multibanco e cortaram-lhe a luz. 
Quando voltou à tona e me contactou pela videochamada, disse que estava em casa de uns amigos, e que tinha ido a mais um escritório para outra entrevista, desta vez uma cunha dos seus actuais senhorios: um casal jovem que até já lhe faz promessas de ela poder no futuro ser babysitter da sua filha de sete anos. Eu fiquei aliviado, ela estava bem, mais um filme realizado em tempo recorde por ela, eu que me deslumbrei com os meus próprios filmes tenho agora uma amiga na profissão! 
O certo é que ela chegou a ir fazer um dia de experiência, e logo num Domingo às oito horas da manhã, no mesmo lar de idosos onde a psicóloga lhe tinha dito que talvez Rasa não tivesse perfil. Pois bem, Rasa alimentou as pessoas acamadas, deu banho às pessoas idosas, limpou e lavou os quartos de repouso e as casas de banho, houve até uma senhora que lhe perguntou onde ela tinha estado que já não a via há muito tempo, e ela, rindo-se afectuosamente, disse que tinha estado de férias. Ou seja, correu tudo bem. O problema segundo Rasa era que, ficou a saber depois, o trabalho era a recibos-verdes, três euros à hora. Ela não aceitou. Eu fiquei a pensar: então uma pessoa não tem perfil para trabalhar e ter um contrato de trabalho digno mesmo que a termo certo, mas já serve para trabalhar a recibos-verdes?? Há muita hipocrisia no mercado laboral, depois os patrões queixam-se que as pessoas não querem trabalhar.
Era nisso que estava a pensar há pouco, quando ela me liga:
«Atão Mur, tá tudo?»
«Sim, novidades?»
«Hoje só tenho desgraças para contar...»
«Conta na mesma.»
«Sabes aquela minha amiga que mora em Ninde e que tem aquelas duas crianças que eu digo que são minhas filhas?»
«Sim... aquela que se acha muito bonita?»
«Ela é ainda um mulher bonita, não sejas assim...»
«Está bem, que se passa com ela?»
«Levou porrada do namorado, ele bateu nela e nos filhos...»
«A sério!?, porquê?»
«Não sei, o que eu acho estranho é o pai não ter feito nada... que pai é esse que não vai atrás do namorado da ex-mulher? Bem, eu vi a foto da nova mulher dele, parece que tem problemas de cabeça, ele andava sempre a dizer que queria uma mulher rica...»
«Eu acho que ele não bate bem da mona, ora essa!»
«Também é o que penso mas há mais...»
«Mais? Conta.»
«Lembras-te do Frederico e da Isabel?, aqueles com quem estive uma semana e brinquei com a menina deles?»
«Ah sim, aquele que te disse que quando o gajo que te roubou o telemóvel aparecer no Nandos lhe parte os dedos?»
«Sim, eles os dois, pois olha, andaram ao estalo e estão em processo de separação, estão a viver em quartos separados, só falam o estritamente necessário, ele até anda a dizer que se vai mudar para casa da mãe dele, acabou de me convidar para ir lá amanhã, a Isabel tem o seu dia de folga, convidou-me para almoçar com eles, o que achas?»
(Eu, que fui uma ou duas vezes íntimo de cama com Rasa e que actualmente sublimo o meu amor por ela sendo apenas seu amigo de conversa e cerveja, tenho às vezes de passar por cima de algum ressentimento provocado por algum ciúme que as suas palavras me provocam. As suas palavras são reveladoras das suas acções e são palavras sinceras. Ora eu pefiro a sinceridade à mentira, mesmo que não goste da verdade, o tempo em que eu pedia mentiras já lá vai. Ela já não me vê como parceiro sexual, nem nunca me viu como um futuro marido. Lá está, eu sou um ou dois anos mais novo, e portanto sou apenas uma criança, isto claro está segundo o modo como ela vê e classifica os homens. A verdade é que ela anda sempre a arranjar-me sucedâneos, cria-os de todos as cores e idades, uns mais novos outros mais velhos, uns pernetas outros carecas outros com turbante e com alguns fala recorrendo ao tradutor do google, alguns já estiveram no aeroporto chegados do Egipto prontos a levá-la a conhecer as pirâmides, outros ofereceram-lhe casacos de pele outros pagaram-lhe a internet, a luz e a água e a nova cor do cabelo, eu até lhe disse que aquele azul-prussiano lhe fica muito bem... «... especialmente agora que desfrizaste o cabelo.» A verdade é que ela me dá paz de espírito, é a primeira mulher que se torna minha amiga depois de ter sido minha íntima, é uma evolução benéfica para mim, antigamente eu tinha namoradas, amava e era amado, zangava-me e nunca mais conseguia ter uma relação de amizade com elas, ou elas me passavam a desprezar ou era eu que as passava a ignorar. Com Rasa as coisas são diferentes, somos iguais na diferença, eu sou pintor e ela é pirata, temos em comum o prazer de ouvir música, beber e fumar, conversar, contar e pedir conselhos um ao outro, quando um precisa o outro está o mais perto possível dando a ajuda possível. Isso é bom e para o momento vai-me chegando, os seus filmes contagiam a minha imaginação e eu ponho aquele disco especial só para ela.)
«Bem Rasa, nesse segundo caso de violência doméstica há várias coisas mal explicadas, e não acho bem que tu vás para casa deles enquanto eles estão zangados um com o outro, a Isabel pode ficar furiosa contigo e podes perder outra amiga...»
«Eu quero que ela se lixe...»
«Mas conta lá, eles andaram ao estalo? Quem começou, quem teve a culpa?»
«O Frederico estava a brincar com a filha e deu-lhe uma lambada de brincadeira na testa, e a Isabel deu um murro a Frederico e o Frederico respondeu por tabela, tudo isto à frente dos cunhados.»
«Parece-me que a Isabel não devia ter feito o que fez mas não sei porque o fez, talvez as coisas já não andassem bem, acho ainda assim que deves recusar o convite dele, deixa-os fazer as pazes.»
«É, acho que estás certo, é melhor deixar os abutres pousar e a poeira assentar, e tu que fazes hoje?»
«Estou à tua espera minha querida, estou a convidar-te para um copo e uma cachimbada de erva, que dizes?»
«Vou já praí!»

E agora desculpem-me mas tenho assuntos urgentes à minha espera como deverão calcular, é só rever o texto e clicar «Publicar».
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Claudio Mur

domingo, 26 de agosto de 2018

Maria Santa sendo adorada com glass harmonica



Thomas Bloch Sancta Maria (1998)* Fabrice Di Folco, male soprano, baritone and all voice parts Thomas Bloch, glass harmonica, keyboards

Sculpture: Pietro Canonica, Beatrice, 1910, Rome, Museo Pietro Canonica

*World premiere recording

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Ram Fighting


'Ram Fighting'
óleo sobre tela
100cm por 150cm
2006 - 2018
ZMB

(fotografia de época)


Em vez de um toureiro uma toureira,
em vez de um touro um carneiro
este quadro terá provavelmente uma interpretação psicanalítica
e, de certo modo durante esta altura (2006) do meu percurso, 
eu identifico-me com e quase me pre-vejo no carneiro.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

É como andar escondido à vista de todos.
Passar despercebido, anónimo.

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42.

Burro, anjo rafeiro, resvalado, besta doce de beira de estrada. Híbrido e estéril, macho mesmo se fêmea. Deslembrado, trôpego, uma tal bebedeira nos ossos, dir-se-ia que nem ossos tem. Sombra de sombra de outra sombra, numa linhagem perdida que se sucede medindo os caminhos que servem a errância da terra.
Um odor penetrante de laranjas... Humidade e silêncio na azinhaga das Bruxas... Migrante sedentário. Eco vagabundo e de origem desconhecida. Eco que não se abate, como um assobio que fosse passando de lábios. Jogo de cartas para chamar o azar; apostada a vida, foge lento, como se na garupa levasse um cavaleiro arruinado, tristíssimo da vida, desfalecido, moribundo. Solto, o burro serve de túmulo. Um que ande, vá sobre a terra, acariciando levemente com o focinho, mal as roçando, as florinhas róseas, azuis-celestes e amarelas...

Coze-me lento no calor que resta das coisas que se lembram, quando o burro era a sombra que um homem fazia quando suava. Faz-me da cor mais sem espanto, a luz perdida no pêlo, sou um resto que já não sobra. Carga de quê? Lembro altezas de relance, mas olhado de frente há algo em mim da baixa condição mais nobre.
Pobre montada, sombra feita de carne, ossos um tanto confusos quanto à nossa espécie: mansa, distraída... Vamos, assembleia em fila, eu e eu e eu de novo. Um cortejo de nada.
(...)
Vale todo um reino, o burro. É como andar escondido à vista de todos. Passar despercebido, anónimo. Quando nele passo é sempre domingo, e o mundo desinteressa-se do futuro. A cidade dobra-se sobre si, encolhe passando por aldeia. Descemos a avenida que nos mira com o pasmo de qualquer ruela. E os camponeses, vestidos de lavado e vagarosos, param e os olhos deitam-se no chão, para que a gente passe.
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,página 86 - 88

'Ultimato'
Diogo Vaz Pinto
Edição Maldoror 2018

sábado, 18 de agosto de 2018

Fumando com os espíritos


'Fumando com os espíritos'
óleo e pastel de óleo sobre papel
62cm por 46,5cm (com moldura)
2008
ZMB

Emoldurado em 2018

Encruzilhada


"Encruzilhada"
crayon sobre papel
 54cm por 42cm (com moldura)
1996
ZMB

Emoldurado em 2018

(fotografia de época)


Communication breakdown: such a small hand


Emoldurado em 2018

(fotografia de época)



'Communication breakdown: such a small hand'
óleo sobre cartão canelado
51cm por 114cm (com moldura)
2008 - 2017
ZMB

Este ano, apenas alterei a mão da figura verde:
em 2008 tinha usado a minha mão esquerda, colocada sobre o cartão canelado, para desenhar o contorno com a minha mão direita (pois sou dextro)
Mas ao longo dos anos fui-me apercebendo que deveria corrigir a anatomia da figura verde
e desenhar uma mão direita. Fi-lo este ano.
Nada mais alterei de substancial.
As diferenças de tom nas cores entre as duas fotografias deve-se a 
terem sido tiradas com máquinas fotográficas e definições de 'balanço de brancos' diferentes

(fotografia de época)




sábado, 11 de agosto de 2018

A dança


'A dança'
óleo sobre tela
70cm por 100cm
2018
ZMB a partir de André Derain

4 figuras


'4 figuras:
O grande náufrago, o abutre lua, o homem de barbas grandes e a grande'
óleo sobre colagem de papel em placa de k-line
107cm por 81,5cm (com moldura)
1997 - 2018
ZMB

(fotografia de época)



As quatro (des)graças pop


'As 4 (des)graças pop'
óleo sobre tela
100cm por 150cm
2002
ZMB

Envernizado em 2018

‘As três graças’ é um motivo pictórico imortalizado por muitos pintores e escultores.
 Em 1998, fiz alguns rascunhos em papel com este tema
e comecei a formar a ideia de desenhar as ‘4 desgraças’.
Em vez do tema da beleza e da vida, o tema da sida e da morte.
Incorporei na pintura uma fotografia tirada a um autocolante
colocado numa casa de banho em Cork
e que versava questões de identidade sexual e de género.


(fotografia de época)


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

O frio negro e azul do salão do templo dourado arde abstracto de amarelo e laranja pela mão de um negro repetido três vezes 2


'O frio negro e azul do salão do templo dourado
arde abstracto de amarelo e laranja
pela mão de um negro repetido três vezes, 2'
óleo sobre tela
100cm por 150cm
2006
ZMB

Envernizado em 2018

Uma revisitação deste trabalho
 http://zmb-mur.blogspot.pt/2014/05/o-frio-negro-e-azul-do-salao-do-templo.html

(fotografia de época)



The cage


'The cage'
óleo e pastel de óleo sobre papel colado em placa de cartão
89cm por 60cm (com moldura)
1997
ZMB

Este ano de 2018, apenas recuperei o verso da moldura,
estava danificado pela humidade.

Este quadro começou por ser apenas um desenho numa folha de papel.
Então puz a folha na parede
e esta começou a ser pequena para tanto pormenor imaginado.
O quadro resolveu-se finalmente quando
colei as várias folhas numa placa de cartão.
Vêem-se pingos de sangue devido a um corte de x-acto involuntário.
O sangue do autor faz parte do seu processo de trabalho.

(fotografia de época)


Two nun sisters


'Two nun sisters'
óleo sobre pano cru
92,5cm por 118cm (com grade)
2007
ZMB


Este ano de 2018, apenas lhe coloquei uma grade com presilhas para colocar na parede.
Pintei-lhe a badana de preto.
Assim não precisa de moldura para poder ser colocado na parede.


(fotografia de época)


quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Que poder mágico?

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6.

Mulher -- como pode um só reflexo, bem falso e ordinário, levantar uma onda no sangue, que vem morrer no peito e desfazer o coração em espuma --, que poder mágico é esse que o teu silêncio guarda na memória de um homem?
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, página 17

'Ultimato'
Dîogo Vaz Pinto
edição Maldoror, Janeiro 2018

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

As três mulheres de Hércules

Uma bincadeira que espero ser inocente e afectuosa:


Mãe a quem pedir dinheiro e conselhos? Ana guru.
(Cruzes) diz ela.
Irmã com quem discutir filosofia e a cor do isqueiro? Alexandra g
(Coisa mai'linda) diz ela
Mulher a roubar ao Jack Sparrow? Cuca pirata
(Baimá loja) diz ela


Assinado: Hércules

sábado, 4 de agosto de 2018

Bestiário


'Bestiário'
óleo sobre pano cru
80cm por 143,5cm (com grade)
2006 - 2018
ZMB

(fotografia de época)