domingo, 2 de fevereiro de 2020

Rosebud

Não conheço pessoalmente a alexandra g. Apenas troquei em tempos comentários e posts no seu blog e alguns emails pessoais. Tal como não conheço a flor que escreveu o blog O mundo da G.
Mas G é a letra do primeiro nome de uma mulher que foi minha namorada há quase 25 anos. Esse namoro durou apenas três meses mas, após a ruptura, ela ficou durante muitos anos na minha memória. Foi o meu maior amor. Foi um amor tão grande que me achei culpado do resultado final. E me achei culpado de querer escrever um livro que lhe pudesse explicar o que, para mim correu mal entre nós. Quis que ela percebesse o quanto ela foi fundamental para mim, para que eu deixasse de ser um ser fálico-agressivo e tentasse vir a ser uma pessoa boa no futuro, uma pessoa que ajudasse o seu semelhante. Esse livro começou a ser escrito em 1997 antes de terminar o meu curso superior, o ficheiro foi deixado num computador sem password a que mais gente tinha acesso, e quando voltei da minha primeira experiência profissional na Irlanda, comecei a intuir frases na boca de conhecidos que me diziam ter lido este ficheiro. Esta semi-real violação de palavras que não estavam fnalizadas, originou sentimentos de paranóia e revolta, é como se nos tivessem lido o diário íntimo. De modo que em 1999, já noutra experiência de trabalho voltei ao texto e escrevi e revisionei a base já escrita, dei-lhe mais umas quantas voltas, começando a ficcionar, a distorcer a cronologia, os factos, a tornar tudo mentira. De modo que perdi a noção da realidade e a minha mente estilhaçou-se e fui internado em 2000.
Acontece que a minha ex-namorada G nunca aceitou o meu livro, nunca o quis receber ou sequer ler, lembro-me que o último email que me enviou dizia para eu a considerar apenas uma personagem. Eu senti que todo o esforço era em vão e que ela me condenava ao silêncio, eu nunca mais ouviria a sua voz. De modo que decidi doar o livro à internet, arranjei uma lista de emails e durante dois meses fui enviando emails com os capítulos em português e em inglês em 2000, e mais tarde em 2002 imprimi 30 cópias do ficheiro em papel a4 e ofereci-as às pessoas do bar que frequentava na altura.
Com tudo isto passaram-se anos e três internamentos mas o ficheiro não me satisfazia, ia revendo, acrescentando palavras e frases, corrigindo pontuações e ortografia, ainda hoje o ficheiro está cheio de erros. Arranjei um site online e coloquei o ficheiro em pdf em 2008, os capítulos foram sendo lidos ou descarregados. Em 2013, coloquei-os no archive dot org.
Verdadeiramente G só deixou de me ocupar a cabeça quando conheci a São em 2008 num hospital psiquiátrico. Finalmente tinha encontrado uma mulher maluca para eu, um homem maluco. E com ela, tornei-me homem, deixei de ser a criança criogenada apenas por volta dos meus 35 anos de idade.

Foi quando descobri que a letra G é uma referência para muita gente. Jonh Berger tem um romance de nome G (embora este G seja um homem), os Ornatos Violeta têm um vídeo onde uma frase de amor aparece grafitada e dedicada a G, é como se a letra G seja ela própria uma personagem, uma poligénese literária segundo a definição de Eco no livro A passo de caranguejo, uma sincronicidade de Jung, uma paranóia, uma semelhança propagada acausalmente.

Por isso, repito, a G dos meus livros, que não estão publicados oficialmente em papel, não é nem nunca foi a alexandra g nem a flor nem mesmo a redonda (cujo nome também começa por G) que tem o blog A Outra.
A minha G é um segredo, um mistério do qual sentir inveja. É tudo.

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