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O escritor, poeta ou prosador, senta-se à escrivaninha. Seguramente, a luz nocturna iluminará as teclas da máquina de escrever, o tinteiro de cobre e as volumosas folhas de manuscritos. Lá fora, pode ser que a chuva toque no parapeito da janela, que os pássaros piem sobre a tília ou, porque não, que a tempestade de neve sibile numa noite de Inverno rígida.
Pode vir inesperadamente à mente dele que existe algo muito além, num grito, num ululo ou num sussurro (a intensidade é irrelevante nesse caso), à espera de tormar forma, para existir. Pode parecer que esse algo estende a sua sombra sobre o escritor. A sala ao seu redor talvez desapareça. Nesse momento, as proporções desse algo revelam-se paradoxais.
Para não arriscar deixar levar-se por um desconforto infinito, intimamente relacionado com a sensação de ter perdido uma ocasião (não se sabe o tamanho, o que torna o desconforto ainda maior), o escritor tenta dominar as coisas. Tem consciência de que conseguir tal é uma necessidade absoluta para si, porque as dimensões das coisas o assustam e a negligência lhe causa insatisfação, ou, no melhor dos casos, dor de cabeça.
Naturalmente, é impossível indicar um método exacto. Não se trata de um processo de condensação nem de um cálculo matemático. Esse algo que se estende sobre ele apresenta-se sempre de um modo diferente. Como uma bola a ser chutada para cima, como mãos a estrangular o pescoço que devem ser afastadas, ou ainda -- e nesse caso, podemos apenas imaginar -- como algo debaixo de uma folha de papel coberta de cal que deve ser rapidamente limpa.
Quando acaba, ou seja, quando cobre de palavras cada linha, percebe com surpresa o quanto foram reduzidas as proporções daquele algo. Tudo está preenchido, o que, no início, causa um pouco de desilusão. Claro, ele sabia que a poesia, ou qualquer que fosse o detrito, apareceria microscópica em relação à experiência com a cal. Além disso, era claramente indispensável para o equilíbrio interior reduzir as proporções a um tamanho normal. Se houvesse tido força, teria preferido naturalmente esquecer a história a ser limpa, mas não era o caso, e não ousou fazê-lo.
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páginas 53 - 54
Stig Dagerman,
em
«A política do impossível»
Edição VS
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