quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Aeroporto

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Aeroporto


É o fatídico mês de Março, estou

no piso superior a contemplar o vazio.

Kok Nam, o fotógrafo, baixa a Nikon

e olha-me, obliquamente, nos olhos:

Não voltas mais? Digo-lhe só que não.



Não voltarei, mas ficarei sempre,

algures em pequenos sinais ilegíveis,

a salvo de todas as futurologias indiscretas,

preservado apenas na exclusividade da memória

privada. Não quero lembrar-me de nada,



só me importa esquecer e esquecer

o impossível de esquecer. Nunca

se esquece, tudo se lembra ocultamente.

Desmantela-se a estátua do Almirante,

peça a peça, o quilómetro cem durando



orgulhoso no cimo da palmeira esquiva.

Desmembrado, o Almirante dorme no museu,

o sono do bronze na morte obscura das estátuas

inúteis. Desmantelado, eu sobreviverei

apenas no precário registo das palavras.

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Rui Knopfli,

em «O monhé das Cobras»

Edição Caminho


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