domingo, 30 de outubro de 2022

Pensamento da noite

"
Os rios não bebem sua própria água...
As árvores não comem seus frutos...
O sol não brilha para si mesmo!
E as flores não espalham sua fragrância para si...
Viver para os outros é uma regra da natureza.
A vida é boa quando você está feliz!
Mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa!
"
Shivana Ribeiro 

A minha amiga brasileira é uma guerreira, o que me liga a ela não é sexo, é amor, é companheirismo, nunca houve violência entre nós, ela dá-me paz, a doença que lhe foi diagnosticada vai levá-la mais cedo da minha companhia do que a sua vontade de voltar ao Brasil se concretize, ela não ganha o suficiente e as viagens e os aviões estão caros, às vezes penso em dar parte da poupança que já consegui nestes meus doze meses de trabalho e comprar-lhe o bilhete de regresso ao seu país, aí ela voltaria para junto da sua mãe, dos seus filhos, das suas netas e do seu macarrão com farófia e joãozinho, mas eu nunca mais a veria...
Trabalhar para quê quando não há futuro?

sábado, 29 de outubro de 2022

Revista EstúpidA #9 e «O senhor da guerra»

 Já está disponível a revista EstúpidA #9 pela mão das Edições Mortas


Quem estiver no Porto hoje, Sábado dia 29, passe pela Feira de Coleccionismo no Centro Comercial Cedofeita até às 18h e se estiver curioso/a folheie e talvez adquira alguma coisa.

Colaboram os autores que aqui se enumeram:

https://edicoes-mortas.blogspot.com/2022/10/olhem-quem-acaba-de-chegar-eis-estupida.html

A capa é da minha autoria



«O senhor da guerra»

óleo sobre papel tamanho A2

2022

ZMB

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

As conversas ao almoço sobre ideologia

-- Pai, notícia na rádio às oito da manhã: segundo O Escândalo há milionários a receber os 125€...
-- Com 2700€ não são milionários, interrompe o meu pai.
-- Não é isso, o governo diz que é legal, tem tudo a ver com os milionários que tem rendimentos do capital e do património, rendimentos que não entram no irs.
-- Eu e a tua mãe quando comprámos a casa veio no irs...
-- Mas há quem não declare, há quem tenha e alugue casa e não declare, eu morei dez anos em quartos e casas e nunca me passaram um recibo...
-- Porque não quiseste... diz o meu pai.
Aqui a tampa saltou:
-- Sempre a mesma história! Sempre 'o pobre não quer, o pobre não quer trabalhar ', já enerva, quando é que percebes que a maior parte das vezes é 'o pobre não pode'!
O meu pai fica sem palavras perante o meu tom de voz, eu continuo:
-- Vocês vivem numa ilha e nem se apercebem, por causa da minha sobrinha que mais ano menos ano vai estudar para a universidade e vai precisar de alugar quarto algures, por causa disso vocês parecem começar a prestar atenção, 300€ por um beliche e sem recibo, disseram na notícia há uns tempos, pois eu mesmo que quisesse nunca pude pagar esse valor, ia fazer o quê?, morar na rua?, não!, tive de aceitar alojamentos baratos e precários onde chovia, onde até chegou a haver pulgas, ia fazer o quê?, ah passe-me um recibo, está bem!, olha, tens passado no jardim?, no coreto estão a dormir sem-abrigo, vem a polícia municipal e remove-os, no dia seguinte estão lá outra vez, não é o pobre não quer, é o pobre não pode, se o patrão explora o trabalhador tu dizes que ele é explorado porque quer, porque aceitou, mas que haveria o trabalhador de fazer? Não aceitar! Morrer de fome? Aí irias dizer que morreu de fome porque quis! 
(Merda!)

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

The focus of life


Este desenho é a minha versão bruta e apenas caricatural (porque mais não consigo) de um desenho de um dos meus heróis do desenho: Austin Osman Spare (AOS)
O desenho original está presente no livro Psichopathia Sexualis, editado pela Fulgur em Inglaterra em 2022

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

As formas de Rosa

 As formas de Rosa


As formas de Rosa

lembram-me peixes.

Elas são brancas, lácteas,

as formas de Rosa

são pura razão.

Nas formas de Rosa

estão os peixes, o lago, o arco, o mar,

está um bocado de Céu a sombrear,

e eu amo Rosa.

Quero Rosa. Rosa quer-me a mim amar.

Eu sei que há entre mim e Rosa

um romance que nunca chegou a começar

e eu então ao pensar em Rosa

faço rios, fios de poesia e falo-lhe sem ser em prosa.

Porque um dia Rosa há-de ser minha

na concepção que tinha

à esposa que nunca tive e não quero

faço a amante

e é aí que desespero.

Que neste poema cante o que quero.

Nas formas de Rosa estão os peixes que me altero.



António Gancho, em «Gaio do espírito»

integrado no volume editado pela Assírio & Alvim em reedição 2022

que reúne os seus quatro livros, este volume tem o nome do seu primeiro livro: O Ar da Manhã


sábado, 22 de outubro de 2022

O verdadeiro trabalhador útil

Acordei a pensar que o alienado é o único e verdadeiro trabalhador útil: primeiro convencemo-lo a aceitar o cargo e tratamo-lo bem enquanto vamos mamando nas suas tetas, depois ' vá lá tone: eu dou-te 50€, eu dou-te dois bilhetes para os Coldplay e tu atiras a pedra', no final e quando o alienado se torna obsoleto: ' meu filho, porque não tiras uma licença sem vencimento ou vais pastar rebanhos para o cudejudas?, senão aceitas esta injecção e estadia paga no  nosso, o melhor hotel hospitalar do sistema '

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

«Ontem a IL obliterou Liz Truss da sua ala política. Nem Estaline foi tão pronto a obliterar camaradas.», subscrevo

 Transcrevo o final da crónica de Carmo Afonso no jornal Público, dia 21 de Ôutubro de 2022:

''

Uma fã de Margaret Tatcher que tentava seguir as suas passadas e resgatar os valores conservadores fundamentais, acaba por ser comparada a José Sócrates. Nada corre bem a Liz Truss. Diminui a receita fiscal entre os mais ricos, mas acabou por assustar os próprios mercados financeiros e provocar uma queda acentuada no valor da moeda. Isto foi o que aconteceu. Mas vamos à análise da IL: Liz Truss aumentou a dívida pública como os socialistas fazem.

Não é má análise política o que está aqui em causa. É apenas sobrevivência e a mais descarada lata. Correu mal? É socialismo. Um político caíu em desgraça? Dizemos que é igual a Sócrates. Era um liberal? Mas dizemos que não era um liberal a sério.

Não é só das lições contidas nos 45 dias de governação de Liz Truss que podemos extrair a falta de maturidade da IL para assumir responsabilidades políticas executivas. O partido ontem encarregou-se em definitivo de mostrar quem é: um grupo de irresponsáveis que acreditam que conseguem confundir os portugueses sobre o que é socialismo e o que é liberalismo, enquanto os próprios vão confundindo política com humor e irreverência com desonestidade.

O neoliberalismo já tinha dado grandes provas de não funcionar, mas nunca tinha sido tão rápido. Liz Truss foi absolutamente exímia nesse aspecto. Devemos-lhe isso e, para quem quiser ver, devemos-lhe também esta oportunidade de decifrar o código ético da IL.

Ontem a IL obliterou Liz Truss da sua ala política. Nem Estaline foi tão pronto a obliterar camaradas. Sim, agora todas as comparações com a IL passaram a ser permitidas.

''


Subscrevo, e acrescento:

O capitalismo come os seus heróis e líderes e caga os seus escravos, o rico capitalista come miolos da marca Monsanto e o pobre capitalista come tripas de marca branca, vemos isso em todas as empresas privadas e na pressão que se faz no emprego público: adoramos o líder enquanto o negócio corre bem e quando corre mal pagamos a um alienado para o atirar pela janela e no final metemos o alienado na prisão perpétua do hospital.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Tuíte da tarde

Hoje sonhei com três Marylin de Milo cantando Boas Tardes, Sr Presidente, perante uma plateia de coelhos de peluche lá longe no monte negro. 
Depois, a campainha tocou, era um sem-abrigo disposto a dar 50€ + taxa turística por um quarto com WC, televisão, frigorífico e ar condicionado, disse-lhe que estávamos cheios e aconselhei-o a passar entre os pingos da chuva ou dedicar-se à hidroponia no chapéu que o abriga.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

António Gancho -- Illustrazione

 


«Illustrazione»

António Gancho em O Ar da Manhã

página 41 - 43, edição Assírio & Alvim


Dois poemas de Cristovam Pavia

 DONZELA


Abelhas do sol

Dilatado e roxo

Sugando-me as veias

Até onde eu possa...


Abelhas do sol,

Gargantas de amor,

Beijai-me, levai-me

E deixai-me em flor...


***


LIBERTAÇÃO


Com tuas mãos firmes, sérias,

Com tuas mãos de criança

Que parecem cabritinhos,

Mãos de mãe e folhas de árvore

Nascidas em algum rio,

Frescas e claras, tão cegas...

Vem depressa, sem demora,

Vem rasgar-me as cicratizes!


***

edição Opera Omnia


terça-feira, 11 de outubro de 2022

A propósito das denúncias sobre os abusos infligidos por padres

Ao preparar-me mentalmente para escrever este texto lembrei-me que o chefe gaulês das histórias do Asterix tinha medo do céu lhe poder cair em cima, pois foi isso que me aconteceu há quase trinta anos: o céu caíu-me em cima e, voltando a parafrasear desta vez o Wilhelm Reich, o estranho seria que tal não acontecesse, ou seja, estranho seria que eu não me revoltasse, é claro que me revoltei e o céu na sua qualidade de autoridade mental me caiu em cima e me reprimiu e me alienou durante mais de dez anos, eles dirão que me curaram e que tudo foi necessário, eu digo ok, ainda bem que não morri da cura e estou vivo e lúcido para contar.
O certo que uma das razões para o meu colapso foi a minha família, em especial o meu pai, eu hoje que estou de bem com ele, porque no fundo mais vale ter um pai do que não ter nenhum e como diz adasilvao@gmail.com (meu amigo editor que tem um filho adolescente) entre pais e filhos não deve haver lutas entre fascistas e comunistas, querendo ele dizer que a relação deve ser saudável... dizia eu que há trinta anos eu revoltei-me contra o meu pai por sinais que não estavam claros para mim e hoje eu sei que tinha razão e estando hoje são consigo comunicar com o meu pai e ter conversas com ele, no fundo agora é como deveria ter sido sempre, agora temos confiança um no outro, quero dizer que temos diferenças e conversas acaloradas ao almoço mas pelo menos comunicamos e ainda temos tempo de ensinar alguma coisa ao outro, já não é como antigamente quando o meu ódio latente, perante a sua indiferença ou a sua incapacidade em ser um pai para mim e me ajudar quando eu precisasse, fazia com que simpelsmente não houvesse comunicação, tudo isto a propósito das polémicas com a igreja católica: ele e a minha mãe são pessoas que vieram do meio rural para a cidade há 50 anos e tiveram a sorte de ter emprego fixo sem falha, portanto estão hoje relativamente bem, enquanto fazia o meu café de saco após o almoço, o meu pai diz a minha mãe:
-- Abuso é qualquer abuso. No nosso tempo eles fechavam-se lá dentro no confessionário e ninguém os via, às vezes a gente nem sabia se não era um pide que estava lá dentro.

[continuação dia 12 de Outubro]

E esta afirmação do meu pai mostra que nem ele pode continuar a ignorar o problema dos abusos provocados pelos padres, o meu pai que nesta sua posição continua coerente, ele sempre preferiu não saber das coisas, foi o que eu disse um destes dias a adasilvao «o meu pai nunca me deu dinheiro mas nunca me proibiu de nada, mas ele preferia não saber e não lhe chegar nada ao nariz, assim ele poderia dizer que não era culpa dele», é uma posição semelhante que alguns rebeldes tomam quando interpelados na rua por um jornalista a propósito de qualquer coisa, dizem «ah não sei ler...» e afastam-se.
Há dias, o meu pai dizia «não sei porque não investigam as outras religiões, só os padres é que são maus!», a minha mãe comentava «Isto é tudo porque eles não podem casar...» Eu na altura respondi-lhes: -- Pai, todas as religiões abusam dos fiéis, mas vivemos numa sociedade que embora laica é largamente católica, não podemos resolver os problemas das outras religiões sem resolver o problema da nossa, e não, nem todos os padres são maus, olha... o padre Mário da Lixa de quem também vocês já ouviram falar era um padre bom e outros bons há, mas há padres maus e basta um caso para manchar a honra da igreja... até o padre da nossa paróquia, ele é um bom padre mas... já quando eu era adolescente se falava que ele andava com a Geo... e olha, eu não tenho nada contra ele ter uma criada mas...
A minha mãe aqui comentou: -- Ela chegou a dizer que os filhos dela não eram do marido e a verdade é que o padre tem estado doente e ela continua a ajudá-lo.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Robert Walser -- o salteador

"
O olhar dele costumava esvoaçar de umas pessoas para as outras, tremeluzir como luz que o vento faz oscilar, como calma que a aragem perturba. Os seus olhos eram como pequenos galgos, girando numa louca corrida.
"
Página 50
Robert Walser em O Salteador
Edição Relógio D'Água
Tradução Leopoldina Almeida

sábado, 1 de outubro de 2022

Bernardo Santareno -- A louca

Em "Romances do mar",
Biblioteca da Censura, edição Público 2022

Dedicado à Ana Guru, que passou já há algum tempo a censurar os meus comentários no seu blog, lá terá as suas razões, paz.