(Certo dia precisei de um cigarro, mais para mostrar do que para fumar...
Não tinha. Pascoaes abriu imediatamente a cigarreira, quase com precipitação:
-- Tira destas aqui... -- E exibia uns cigarros magrinhos, com todo o aspecto de terem sido enrolados e lambidos por ele na véspera à noite... Com uma certa repugnância, já que do poeta apreciava não a saliva mas o verbo, extraí um dos cigarrinhos, disposto a queimá-lo depressa e a não pensar mais nisso...
Pascoaes mirava-me candidamente. E só ao primeiro acesso de tosse do jovem fumador, aquela falsa candura se desfaz em riso, num riso grosso e folião, mas cheio de bondade... Eram cigarros cubanos, fortíssimos! E o poeta ria infantilmente com as nuvens de fumo, as lágrimas e a tosse do petulante fumador...)
Às vezes acompanhava-o na volta do fim da tarde a Pascoes. Com passo rápido e seco, meio curvado, a bengalinha adiantando-se e abrindo caminho à bicada, o meu poeta murmurava coisas, possivelmente pedras, fragas,restos do Marão por digerir...
E é a última imagem que do poeta guardo: a visão de um terrível andarilho caminhando por uma estrada já tão descarnada como ele, caminhando sempre.
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Alexandre O'neill em
" Coração acordeão" página 16
Edição de Vasco Rosa/ O Independente, 2004
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