quarta-feira, 3 de abril de 2024

Lay off

 

LAY OFF


depois da primeira aula de jaula

pousei a cábula do meu corpo

no cimo morno dum muro

e

de livro aberto no colo

passei a fazer gazeta



já reparaste, camarada,

na vida prolífera dos muros

os muros moldura e os muros ninho

os muros de saltar e os de ruir

os muros lavrados de musgos e líquenes

os muros peçonhentos reptilíneos

e os muros abraçados por espinhos



depois da primeira cantiga

gritada debaixo do chuveiro

marquei com os pés ainda molhados

as voltas que o pensamento pode dar

quando está preso a si mesmo

e nem a quem pode libertá-lo se confia



já reparaste, camarada

nos pequenos dilúvios de que sou capaz

para diluir num só bloco

o pico da montanha e o fundo do vale

com aguarela de limar escarpas

e vassouradas de verde bandeira

até eu mesma ser sem cume e sem sopé



Regina Guimarães

em «caderno das duas irmãs e do que elas sabiam»

página 77

edição Exclamação

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