A pequena Matilde tem sete anos e recebe-nos hoje em sua casa para festejar os anos do seu pai.
A pequena Matilde leva a avó ao seu quarto para mostrar os pequenos objectos que fez com plasticina, a mãe mostra-se orgulhosa: pequenos objectos, uma cenoura, um balde com pincéis, os pincéis, um caracol, um arco íris, uma palete para misturar a tinta, uma máquina fotográfica, tudo em miniatura e com as cores certas e com detalhe, cabem todos alinhados em cima da tampa da caixa de plasticina. Bonito.
Depois do almoço e depois do bolo, Matilde senta-se no sofá trazendo do quarto a sua caixa de plasticina com os bonecos e mostra-os ao primo. Matilde tem dois primos: um de quinze e a prima de dezanove. Matilde gosta de passar os dedos, fascinada, pelos colares douro da prima quando se senta à mesa. Matilde mostra as miniaturas que fez ao primo e ele pega em duas ou três e mistura-as nas mãos começando a moldar uma bola de várias cores. Contente com o resultado mostra a bola à primita Matilde, ela olha e começa a choramingar.
O primo destruiu-lhe os brinquedos que ela com tanta aplicação tanto gosto tanta arte, digamos assim, fez com as mãos.
Matilde chorou e mãe disse Ó Matilde não chores não foi nada...
O primo ri-se da prima estar a chorar e diz Que mal fiz eu, e continua feliz.
A tia, mãe do primo, diz a rir-se para o filho Então tu foste fazer isso, e continua feliz.
A Matilde parou de choramingar, pega na bola de plasticina que o primo fez e nos outros brinquedos, e traz a caixa para a mesa do almoço e mostra à tia, a tia diz Vês Também podes fazer bolas queres fazer uma bola como o primo.
Matilde com cara triste diz que não e vai arrumar a caixa. Quando volta, vai junto da prima e pede-lhe para brincar com ela. A prima diz Vai brincar com o primo.
A pequena Matilde vê com aquela idade que ninguém fez caso da maldade que lhe fizeram e ainda se riram e, depois, vê que ninguém a conforta e a mandam ir brincar com quem lhe fez mal. Quando devia ser o primo a pedir desculpa à Matilde.
E o pior é o primo não ter noção.
Queres brincar com o primo, vai ao primo dar-lhe um abraçinho.
E a Matilde vai.
Não pude olhar para o abracinho. A minha revolta interior impediu-me mas ouvi as vozes dizerem Olha não guarda mal nenhum, como que a dizer não há motivo para a Matilde estar triste. Está tudo bem.
E eu que sou o elefante na casa, não posso fazer nada além de observar e escrever.
Miséria! Nesta família a criatividade é morta à nascensa de forma brutal, quer a criança voar e cortam-lhe as asas, riem-se e é ela, a vítima, que tem de fazer as pazes com o agressor and let it go.
Como se fossem os palestinianos que deviam pedir desculpa aos israelitas por simplesmente existirem.
Como se fossem os negros e os ciganos que deviam pedir desculpa aos europeus e portugueses por serem discriminados em qualquer serviço público.
Como se fossem os pescadores venezuelanos e colombianos que tivessem de pedir desculpa ao Trump por levarem com um míssel hellfire em cima e morrerem enquanto estão a pescar.
Não é por causa dos imigrantes, como disse o Passos Coelho, que os portugueses podem sentir-se estrangeiros neste país.
Eu sinto-me estrangeiro nesta casa de portugueses.
Sou como o alien que aterra e em vez de abraçar a família vou abraçar a árvore.
bliss for those who understand
Incrível esta história!...e é assim que das mulheres se fazem vitimas e dos homens agressores. Esse priminho devia ter levado um bom ralhete!
ResponderEliminarÉ a alma deste país: forte com os fracos Fraco com os fortes. E quem discorda faz uma cena, quebra em cacos a aparência e fica na história como o causador do problema.
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