quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Osamu Dazai - Não-Humano

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Tenho pensado, por vezes, que tenho sido sobrecarregado com um fardo de dez infortúnios, e que qualquer um deles seria, se suportado pelo meu vizinho, suficiente para fazer dele um assassino.
Simplesmente não entendo. Não tenho a mais pequena ideia de como ou quão extensas possam ser as angústias dos demais. Os problemas práticos - desgostos que podem ser aliviados se existir o suficiente para comer - são provavelmente os mais intensos de todos os infernos, horríveis quanto baste para desfazer em estilhaços os meus dez infortúnios, mas isso é precisamente o que eu não percebo: se os meus vizinhos conseguem sobreviver sem se matarem uns aos outros, sem ficarem loucos, mantendo interesse em partidos políticos, não se entregando ao desespero, prosseguindo de forma determinada na luta pela existência, podem ser as suas tristezas realmente genuínas? Estarei errado ao pensar que estas estas pessoas se tornaram completamente egoístas e tão convencidas da normalidade dos seus modos de vida que nem uma vez duvidaram delas mesmas? Se é esse o caso, o sofrimento delas deve ser mais fácil de aguentar: são o mais comum dos seres humanos e, talvez, o melhor que se pode esperar. Não sei... Se dormiste profundamente de noite, a manhã será agradável, suponho eu. Que tipo de sonhos têm? Em que pensam quando andam pela rua? Em dinheiro? Dificilmente - não pode ser só isso. Parece-me ter ouvido a supracitada teoria de que os seres humanos vivem para comer, mas nunca ouvi ninguém dizer que eles vivem para fazer dinheiro. Não. E ainda assim, em algumas circunstâncias... não, nem sequer isso sei... quanto mais penso nisso, menos compreendo. Tudo o que sinto são os ataques de apreensão e terror perante o pensamento de que sou o único que é completamente diferente do resto.É-me quase impossível conversar com outras pessoas. De que devo falar, como devo dizê-lo? - Não sei.
Foi assim que acabei por inventar as minhas palhaçadas.
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,página 12

edição Cavalo de Ferro

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