sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Empreender, chular e mandar trabalhar os outros ou fazer mesmo como os outros:
Há-de algum dia ser diferente?

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V
Com a continuação, a carreira de Tchichikov ganhou um andamento vertiginoso. O que ele não fez! É uma coisa que vai além da compreensão. Fundou um 'trust' que devia extrair ferro da serradura e recebeu um novo empréstimo. Entrou como accionista numa grande cooperativa e alimentou toda a cidade de Moscovo com salsição fabricado de cadáveres. Tendo sabido a proprietária de terras Korobotchka que em Moscovo agora «tudo era permitido», quis comprar bens imóveis. Ficou interessado com Zamukhrychkine e Utiechitelny e vendeu-lhe o Picadeiro, em frente da Universidade. Tomou de empreitada a electrificação de uma cidade onde não se podia ir a parte alguma mesmo que se galopasse durante três anos, e, depois, de ter entrado em contacto com o antigo governador, mandou demolir uma paliçada e plantar estacas para que aquilo tivesse o ar de uma construção. Quanto ao dinheiro concedido para a electrificação, escreveu que lhe tinha sido roubado pelo bando do capitão Kopeikine. enfim, fez milagres.
Não tardou que começasse a correr que Tchichikov era trilionário. As empresas disputavam-no entre si como especialista. E já, Tchichikov alugara por cinco biliões um apartamento de cinco divisões; já ele ia comer as suas refeições ao restaurante Império.

VI
Mas subitamente, deu-se uma catástofre.
Foi Nozdriov, como precisamente o vaticinara Gogol, quem perdeu Tchichikov, e Korobotchka quem lhe deu o golpe de misericórdia. Sem o mais pequeno desejo de lhe fazer uma perfídia, mas muito simplesmente em estado de embriaguez, Nozdriov foi contar no campo de corridas a história da serradura e da empresa inexistente que Tchichikov fundara, e terminou dizendo que Tchichikov era um patife e que se ele mandasse o fazia fuzilar.
O público começou a pensar naquilo e o boato voou e espalhou-se como uma faísca.
E como aquilo não chegasse, veio ainda aquela tola da Korobotchka meter o nariz numa repartição para perguntar quando poderia abrir uma padaria no Picadeiro. Em vão lhe explicaram que o Picadeiro era um edifício público e que ali não se podia comprar nem abrir fosse o que fosse. A pobre da mulher não quis compreender nada.
O que se dizia de Tchichikov tornava-se cada vez mais grave. Começaram então a perguntar que passarão seria aquele Tchichikov e donde teria ele vindo. As bisbilhotices começaram a aparecer e aquilo que se dizia, era de dia para dia mais sinistro e fantástico. A inquietação insinuou-se nos corações. Os telefonemas começaram a tocar. Fizeram-se consultas. A Comissão de construção apelou para a Comissão de vigilância;(...)
Correram a casa de Nozdriov. Evidentemente, era estúpido. Toda a gente sabia que era um mentiroso e que ninguém podia fiar-se na sua palavra. Mas mandaram chamar Nozdriov e ele respondeu a tudo.
Declarou que Tchichikov tinha efectivamente fundado uma empresa que não existia e que ele Nozdriov não via razões para que Tchichikov não o fizesse uma vez que toda a gente o fazia.
(...)
- Uma pedra ao pescoço, um buraco no gelo, e rio com ele!
(...)

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'As aventuras de Tchichikov'
Mikhaïl Boulgakov

no volume "Feitiçaria seguido de Os ovos fatídicos'
Editorial Estampa 1973

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