terça-feira, 17 de novembro de 2015

Parece-me que o Tarantino encontrou aqui inspiração

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-- Meu caro amigo, a leviandade dos teus modos não oculta completamente a hedionda imprudência do teu desejo; mas, infelizmente, eu já tinha decidido contar-te o que desejas saber, e nenhuma manifestação da tua falta de merecimento para o ouvir alterará a minha decisão. Sê suficientemente bom para me dares a tua atenção e ouvirás tudo acerca do assunto.
«Este relógio esteve na minha família durante três gerações, antes de ser meu. O seu proprietário original, para quem foi feito, era o meu bisavô, Bramwell Olcott Bartine, um fazendeiro rico da Virgínia, no tempo colonial, que era um conservador tão fiel quanto nenhum outro, passando as noites acordado a imaginar novos tipos de maldições para a cabeça de Mr. Washington, e novos métodos de ajudar a estimular o bom Rei Jorge. Este valoroso cavalheiro teve, certo dia, a grande infelicidade de realizar um serviço de importância capital para a sua causa, que não foi reconhecido como legítimo por aqueles que sofreram as suas desvantagens. Não importa o que foi, mas entre as suas consequências esteve a detenção do meu excelso antepassado, certa noite, em sua própria casa, por um grupo de rebeldes de Mr. Washington. Foi-lhe permitido dizer adeus à sua chorosa esposa, e fizeram-no marchar para a escuridão, que o engoliu para sempre. Nem a mais pequena alusão do seu destino foi alguma vez encontrada. Depois da guerra, o inquérito mais diligente e a oferta de grandes recompensas falharam em entregar qualquer um dos seus captores ou qualquer facto relativo ao seu desaparecimento. Desaparecera, e isso era tudo.»
Algo nos modos de Bartine, que não estava nas suas palavras -- eu dificilmente saberia o que era --, levou-me a perguntar:
(...)
-- Isso foi tudo o que aconteceu?
-- Não... houve algo mais. algumas semanas após a detenção do meu bisavô, o seu relógio foi encontrado pousado no alpendre da porta principal de sua casa. Estava embrulhado numa folha de pepel de carta, contendo o nome de Rupert Bartine, o seu único filho, e meu avô. É esse relógio que uso.
(..) Bartine retomou:
-- Sinto algo invulgar em relação a este relógio -- um tipo de afecto por ele, gosto de tê-lo junto de mim, embora, em parte pelo seu peso, e em parte por uma razão que irei agora explicar, raramente ande com ele. A razão é esta: todas as noites, quando o tenho comigo, sinto um desejo inultrapassável de o abrir e consultar, mesmo se não consigo pensar em nenhuma razão para desejar saber as horas. Mas, se lhe cedo, sou preenchido com uma apreensão misteriosa, no momento em que os meu olhos pousam sobre o mostrador -- uma sensação de calamidade iminente. E isto torna-se mais insuportável quanto mais próximo das onze horas -- segundo este relógio, independentemente de qual seja a verdadeira hora.
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[retirado do conto "O relógio de John Bartine"]

Ambrose Bierce
in 'Os contos completos de Ambrose Bierce'
Tradução de João Reis
Edição Eucleia Editora




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