sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

De um bluff no jogo de cartas floresce um acto de amor

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Descobri em mim uma inclinação para prever, exclusivamente, consequências funestas. Formou-se nos últimos três ou quatro anos; não é casual; é doentia. O facto de a mulher voltar, a proximidade de mim que procurou, tudo isso parece indicar uma inflexão demasiado feliz para me ser possível imaginá-la... Talvez eu esteja a esquecer-me das minhas barbas, dos meus anos, da polícia que me perseguiu tanto, que deve andar ainda atrás de mim, obstinada, como uma maldição eficaz. Não devo permitir-me esperanças. Escrevo-o, e surge-me uma ideia que é uma esperança. Não creio ter insultado a mulher, mas talvez um desagravo fosse oportuno. Que faz um homem em ocasiões dessas? Manda flores. Trata-se de um projecto ridículo... mas até as banalidades quando são humildes, podem governar por completo o coração. Na ilha há muitas flores. Quando cá cheguei havia alguns maciços à volta da piscina e do museu. Poderei com certeza fazer um jardinzito no prado que ladeia os rochedos. Talvez a natureza me possa servir para conquistar a intimidade de uma mulher. Talvez me sirva para acabar com o silêncio e as cautelas. Será este o meu último recurso poético. Nunca tentei combinar as cores; não percebo quase nada de pintura... Contudo espero poder fazer um trabalho modesto, denotando o meu bom gosto em jardinagem.
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, página 42-43
"A invenção de Morel"
Adolfo Bioy Casares
Tradução de Miguel Serras Pereira e Maria Teresa Sá
Edição Antígona 1984

(desenho a pastel sobre papel, 2016 por ZMB)

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Oferecer uma rosa vermelha
acabadinha de roubar do jardim
à adversária de um jogo de sueca:
talvez seja um bluff para a confundir e jogar mal
talvez seja possível ignorar a parceira de sueca e de furto no jardim
talvez maria talvez joana e antes da súmula
talvez ficção talvez não talvez o apogeu e antes do naufrágio.
São estas as cores de um acto de amor.
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Claudio Mur

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