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O Cem Cabeças é um peixe criado pelo carma de certas palavras, pela sua repercussão póstuma no tempo. Uma das biografias chinesas de Buda conta que este se encontrou com uns pescadores que puxavam uma rede. Ao fim de muitíssimos esforços, trouxeram para a margem um enorme peixe, com uma cabeça de macaco, outra de cão, outra de cavalo, outra de raposa, outra de porco, outra de tigre, e assim até ao número cem. Buda perguntou-lhe:
-- Não és Kapila?
-- Sou Kapila -- responderam as Cem Cabeças antes de morrer.
Buda explicou aos discípulos que numa encarnação anterior, Kapila era um brâmane que se fizera monge e a todos havia superado na compreensão dos textos sagrados. Às vezes, os companheiros enganavam-se e Kapila chamava-lhes «cabeça de macaco», «cabeça de cão», etc. Quando morreu, o carma dessas invectivas acumuladas fê-lo renascer como um monstro aquático, atormentado por todas as cabeçãs que tinha chamado aos seus companheiros.
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,página 65
"O livro dos seres imaginários"
Jorge Luis Borges
Tradução de Cristina Rodrigues e Artur Guerra
Edição Quetzal Editores 2015
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