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«Caro Lewis»
«Espero que me desculpe toda esta confusão e divagação; tinha a intenção de começar uma carta especial para si, e agora dou com todo este material que acabo de ler -- se isto alguma vez chegar às suas mãos. Nem sequer tenho energia para a separar. Se a ler, ficará a saber do momento triste que vivi quando estava a escrevê-la. Parece um delírio ou um sonho mau e, mesmo agora, embora o meu espírito pareça estar bastante mais lúcido, tenho que convencer-me a mim próprio, para ter a certeza de que as experiências vividas nos últimos dias, neste horrível lugar, são verdadeiras e reais e não um longo pesadelo, do qual acordei recentemente na minha casa de Chelsea.
«Escrevi se a carta alguma vez lhe chegar às mãos, porque não tenho a completa certeza de que chegará. Se o que me está a acontecer aqui, acontece em todo o lado, suponho que o mundo se aproxima do fim. Não consigo compreender o que se passa e ainda agora me custa a acreditar. Sei que tenho sonhos absurdos e imagino fantasias, mas agora tenho que olhar bem à volta para me certificar de que já não estou a sonhar.
«Lembra-se daquela conversa que tivémos há dois meses quando jantei consigo? De uma maneira geral, conseguimos entender o espaço e o tempo e, penso termos concordado que, quando se começa a discutir sobre o espaço e o tempo, se cai num labirinto de contradições. O senhor disse, a esse respeito, uma coisa muito curiosa mas semelhante a um sonho. «Por vezes, um homem desperta-se a ele próprio de um sonho louco», disse o senhor, «quando se apercebe do disparate em que estava a pensar». E ambos nos interrogámos se essas contradições, que não se podem evitar, se se pensar em termos de tempo e espaço, não podem constituir provas reais de que toda a vida é um sonho e que a lua e as estrelas são momentos de pesadelo. Mais tarde, tornei a pensar nisto com frequência. Dou pontapés nas paredes como o Dr. Johnson dava pontapés na pedra para me certificar que as coisas, à minha volta, existem. E então, vem-me à cabeça aqueloutra questão: será que o mundo, tal como o conhecemos, se aproxima do fim? E como será esse novo mundo? Não consigo imaginá-lo; é como a história da Arca de Noé e do Dilúvio. As pessoas costumam falar do fim do mundo, mas nunca ninguém pensou em nada como isto.
«E ainda há outra coisa que me preocupa. De vez em quando, espanta-me que não estejamos todos loucos nesta casa. Apesar de o que vejo e sei, ou talvez deva dizer, porque o que vejo e sei é demasiado improvável, pergunto-me se não estaremos todos a sofrer de uma ilusão. Talvez sejamos os nossos próprios carcereiros, e completamente livres para sair e viver. Creio ter ouvido falar de famílias completas que enlouqueceram e eu posso ter recebido influência da casa, uma vez que vivi aqui nos últimos quatro meses. Sei que tem havido casos em que as pessoas são mantidas vivas pelos seus carcereiros, que lhes empurram a comida pelas gargantas abaixo, porque sabem que elas não conseguem engolir. De vez em quando, pergunto-me se é isso que nos está a acontecer em Treff Loyne; todavia, no íntimo, tenho a certeza que não.
«Não quero, no entanto, deixar atrás de mim a carta de um louco, por isso, não lhe contarei a história completa do que vi, ou penso que vi. Se eu estiver mentalmente são, o senhor conseguirá, com os seus conhecimentos, preencher algumas lacunas. Se eu estiver louco, queime a carta e não fale dela a ninguém. Ou talvez -- na verdade, não tenho bem a certeza -- venha ainda a acordar e a ouvir Mary Griffith chamar por mim, com a sua melopeia bem disposta, anunciando que o pequeno-almoço estará pronto «imediatamente, dentro de um minuto» e que, depois de saboreá-lo, vá até Porth contar-lhe o sonho mais estranho e mais horrível que alguma vez sonhou, e perguntar-lhe o que devo tomar.
(...)
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, página 104
'O terror'
Arthur Machen
tradução de Zélia Beja Madeira
edição Vega