segunda-feira, 21 de março de 2016

Entre divertido e triste, Herzog recordava tudo isto.

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Sono não pedia grandes sacrifícios. não queria que eu trabalhasse para ela, que lhe mobilasse a casa, que lhe sustentasse os filhos, que tivesse refeições a horas certas, ou que abrisse contas em lojas de luxo; pedia apenas que estivesse com ela de tempos a tempos. Mas algumas pessoas estão em guerra com as melhores coisas da vida e pervertem-nas em fantasias e sonhos. O francês ídixe que falávamos era engraçado mas inocente. Não me contou verdades tuncadas e mentiras sujas como tenho ouvido na minha própria língua, e as minhas simples frases declarativas não lhe podiam fazer muito mal. Outros homens abandonaram o Ocidente em busca disto. A mim foi-me dado na cidade de Nova Iorque.
O banho não deixava de ter os seus julgamentos ocasionais. Por vezes, Sono examinava o corpo de Herzog, procurando nele sinas de infedilidade. Estava profundamente convencida de que a prática do amor fazia os homens esguios. --Ah -- dizia ela. --Tu as maigri. Tu fais amour? -- Negava, mas ela abanava a cabeça, continuando a sorrir, embora o rosto se lhe tornasse túmido e amargo. Recusava-se a acreditá-lo. Mas acabava por lhe perdoar. De novo bem humorada, punha-o na banheira, saltando atrás dele. Cantarolando ou dando-lhe ordens por brincadeira em japonês militar. Mas a paz descera. Tomavam banho. Estendia-lhe os pés para que ele os ensaboasse. Enchia de agua uma tigela de plástico e entornava-lhe sobre a cabeça. Ao despejar finalmente a banheira, ligava o chuveiro para arrastar a espuma, e ficavam os dois de pé, sorrindo sob o jacto de água. --Tu seras bien propre, chérikoko.
Sim, ela mantinha-me muito limpo. Entre divertido e triste, Herzog recordava tudo isto.
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,página 202
"Herzog"
Saul Bellow
Biblioteca Sábado 2009

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