domingo, 17 de setembro de 2017

Passara-se ali qualquer coisa, um sentimento qualquer, que parecia pintar aquilo com cores risonhas.

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Harry sentiu-se confuso e aturdido ao sair de casa da mãe. Não estava somente confuso e aturdido, estava também ciente disso. Sabia que lhe custava sempre imenso estar ao pé da mãe, pois ela parecia perita em mexer os cordelinhos na cabeça dele e em fazê-lo trepar pelas pareces, mas daquela vez sucedera qualquer coisa diferente e inesperada, e ele não sabia ao certo que raio era aquilo. Não tinha vontade de gritar com ela nem de lhe chamar nomes, tinha era vontade de se esconder no mais fundo de si próprio. Ou talvez se sentisse sempre assim, na verdade. Não sabia ao certo. Foda-se! Era confuso comò caraças. O cabelo ruivo. O vestido vermelho. O concurso de televisão. Tudo aquilo parecia um disparate completo, mas, ainda assim, passara-se ali qualquer coisa, um sentimento qualquer, que parecia pintar aquilo com cores risonhas. Talvez fosse porque a mãe estava feliz. Isso era porreiro. Nunca se dera conta de até que ponto desejava que a mãe fosse feliz. Nunca antes pensara no assunto dessa maneira. A questão é que estar ao pé dela era sempre uma seca. Mas hoje ela estava nas nuvens, oh se estava. Bruxo, a tripar co'aquela merda das pastilhas. Santo deus, ele não sabia o que fazer, porra. A velhota dele a tripar com pastilhas para emagrecer e a pintar o cabelo de ruivo... Harry abanou a cabeça à medida que as palavras e os pensamentos o bombardeavam, aumentando a sua confusão e perplexidade. Não sabia o que estava a acontecer com a mãe, mas sabia que ele próprio estava a precisar de uma dose. Isso me'mo, uma quarta de castanha e vai tudo ficar na maior.
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, páginas 175-176

'Requiem por um sonho'
Hubert Selby Jr.
tradução de Paulo Faria
edição Antígona 2017

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