segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Sou dissidente

Poucas pessoas poderão falar com conhecimento de causa do estado actual do meu carácter moral e ético. Estas poucas pessoas serão o dono da galeria com a qual tenho algum contacto, a minha amiga brasileira que me conhece há dois anos, os meus actuais vizinhos. Estas mais até que a minha própria família, que sabem só o que lhes conto e, claro, sabem tudo sobre o meu passado. Família não é só a que gera mas também aquela que cuida, aquela que acompanha o nosso dia-a-dia. Outra pessoa que poderá ter um conhecimento sobre mim, mas mais técnico, será a minha psiquiatra.
Sobre o meu passado, além da minha família que sabe tudo, saberão factos aquelas pessoas que comigo se cruzaram e falaram ou conheceram, falo de amigos e colegas, amigas e mais-que-amigas, ou até inimigos ou inimigas saberão pormenores. O certo é que estas possíveis pessoas estão algures no mundo, a maior parte delas não quer saber de mim ou simplesmente perdeu o interesse. O meu contacto com elas é nulo há anos, quase décadas em alguns casos. 
Além de todas estas pessoas, poderá qualquer pessoa «saber coisas» sobre mim lendo o que publico aqui neste blogue e já me aconteceu ouvir na minha presença terceiros a comentar modos-de-ser, comentários baseados em impressões recebidas por conversa directa misturada com ideia lida. Por isso, penso que isso poderá acontecer com qualquer pessoa que me leia, ou seja, essa pessoa adquire uma impressão do meu ser, do meu carácter, dos meus actos à medida que me lê. Posso dar um exemplo: começaram a passar a ideia de que eu pensava que andava na rua e ninguém me via, que eu me afirmava como zombie e invisível. ora eu deixei esta ideia correr várias alturas quanto mais não fosse para ver o seu efeito no ouvinte. Mas houve um dia em que disse «não, essa é uma ideia escrita, é ficção, é literatura, e na realidade é o contrário e o reflexo, um sintoma da minha doença, algo que agora acontece pouco: eu ando na rua e parece que toda a gente sabe quem eu sou, portanto não sou invisível sou quase figura pública!, é o que se chama de paranóia, de mania da perseguição». A verdade é que a pessoa ouviu o que lhe disse e compreendeu o meu ser.
Escrevo tudo isto porque sei que, embora não querendo ser polémico, escrevo sobre assuntos polémicos e que dão uma luz a situações, às vezes, alegremente loucas, outras vezes, quase criminosas ou vergonhosas. 
Ninguém me pede e ninguém me obriga a escrever esta e outras prosas, eu escrevo-a como um espaço de liberdade pessoal, escrevo porque tenho uma finalidade no que escrevo que é a de organizar o meu ser, reunir as várias partes, os pequenos fragmentos mentais, as lembranças que me surgem do passado quando no dia-a-dia uma notícia mediática rebenta e eu, ao ouví-la e ao reflectir sobre ela, faço aquela pergunta a mim próprio «e então tu, se fosses tu? como seria?, que tens tu de moralmente superior, não tens tu próprio coisas a dizer sobre um qualquer caso?», 
É por isso que escrevo, para libertar a minha consciência id, o ser animal e bruto que leva porrada do super-ego que com ele cohabita. Eu sou o meu próprio crítico, eu destruo-me a mim próprio, eu faço colapsar o edifício da minha mente para que das ruínas do caos algo de bom surja, isto não é só poesia musical, é também psicologia aplicada, eu aplico a mim próprio os ensinamentos que ganhei da leitura de Character Analysis de Reich, comparei-me com todos esses tipos de carácter, descobri-me algum dia fálico-agressivo, outros dias passivo-feminino, outras vezes masoquista, descobri-me um ser profundamente não-saudável e descobri que Reich conseguiu através do orgone tornar uma esquizofrénica numa neurótica, ele Reich que tinha apenas respeito pelo desconhecido da esquizofrenia conseguiu de algum modo «tratar» esta patologia, aliás bem ao contrário de Freud que tem ódio puro e duro. Deleuze parece-me paternalista de mais embora seja fundamental lê-lo. E eu pergunto-me, porque reprimiram Wilhelm Reich e o seu trabalho e o deixaram morrer na prisão?, porque é que devido ao Macarthismo e à caça-às-bruxas o transformaram num ser destruído? 
Tudo isto para dizer simplesmente uma coisa, que embora o que eu escreva tenha sempre um fundo de verdade, é sempre uma ficção, boa ou má ficção. Não a escrevo para levantar polémicas até porque o alcance é diminuto e pouca gente comigo interage, escrevo para que eu possa estruturar-me, sentir que expressei uma ideia, uma opinião com validade útil: Dizer às vezes onde errámos e ao repetí-lo no papel, essas palavras entrarem dentro da minha consciência e tornarem-se fé e esperança de no futuro tal não se repetir, o mal não se voltar a repetir.
É preciso dizer também que não posso garantir que ninguém se vai ofender com as minhas palavras, eu assumo a minha incapacidade para ser universal, eu posso querer ser gostado por muita gente mas não o gostaria que o fosse por todos, não sou candidato a líder de Coisa Nenhuma, quero apenas que me compreendam, que comuniquem comigo, que entendam que o passado só se repete em nuances se não houver responsabilidade de parte a parte, os espelhos servem para todas aquelas pessoas que queiram avaliar a sua beleza, este texto como outros é um espelho do que sinto agora que o escrevo,  mais verdadeiro quanto a minha memória pode ser, tento ser não-paternalista comigo próprio, digo a merda que tenho a dizer, a confissão que for, não me escondo nem escondo a realidade, não tenho medo.
Não ter medo não significa ser inimputável e ser irresponsável. Fui quatro vezes internado e duas vezes julgado em tribunal mental, estive sujeito a medidas repressivas como uma injecção intra-muscular na nádega, hoje estou só com um comprimido de olanzapina 5mg e outro de risperidona 3mg por dia, a minha psiquiatra ausculta-me o máximo três vezes por ano, até ela se calhar duvida que eu seja agora um doente, eu sei que sou doente e quando  admiti comecei a melhorar, mas uma médica não muda o diagnóstico mental elaborado por outro médico, o primeiro médico. O que a minha psiquiatra diz é que eu estou estabilizado, devidamente compensado.
Agora integrado na sociedade talvez não esteja, porque há mulheres bonitas que eu conheço e que fogem de mim no supermercado. Talvez não seja bonito, talvez lhes tenha feito mal por palavras e talvez estas não inspirem confiança, talvez tenham medo de mim. «Olha, é o karma!», poderão afirmar os paladinos sentindo que se vai fazendo justiça. E eu aceito a opinião, não estou contra ela, preferia ser reconhecido pelas minhas zonas de claridade mas não posso ignorar que tenho zonas de sombra.
Reich transformou uma esquizofrénica numa neurótica, transformou um ser extra-terrestre numa pessoa adaptada ao mundo, o nosso mundo é neurótico ou louco de qualquer modo, a começar pelas chefias e pelo povo que as elege. Eu sigo o meu caminho, estou marcado pelo mundo, quis estar fora dele e ser fora-da-lei, assumi-o como bandeira e fui tudo isso, foi o id montar a barricada e o super-psiquiatra amansou-o, o grande irmão só nunca conseguirá que eu o ame ou que volte a comprar uma televisão e serviço de tv cabo, sou dissidente a todas as leis e foras-da-lei.

Adenda: Se fosse brasileiro votaria Haddad, se fosse americano votaria Sanders, em Portugal voto numa geringonça reavaliada, não confundam alguma ideia radical minha e a associem a acções de extrema-direita, não voto em pessoas que reprimem a cor, o sexo e o género, a idade (apesar de recriminar a pedofilia), sou contra toda a violência, sou até contra certos aspectos da minha própria personalidade, tento não ser mais o que fui alguns dias. Tento apenas ser alguém melhor todos os dias, alguém que tem direito a expressar a sua voz.

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