segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Como ajudar uma pessoa infeliz?

Tenho um amigo que leva uma vida triste. A lady@ saberá certamente a quem me refiro. Não lhe quero dar nome porque vou contar pormenores da sua vida, logo também me poderão chamar de cusco. Eis um exemplo que se repete todos os dias:
Acorda e tens uns trocos no bolso, vai ao café comer uma nata, tomar café e a metadona. Começa a dizer que está doente, anda cansado, está com gripe, o que vale é o Cegripe que o amigo lhe pagou. Eu ouço tudo e sei que ele está doente porque não tem dinheiro para comprar tabaco mas sei também que ontem em dia de temporal se fez à chuva para ir a um bar ver se encontrava dadores de dinheiro, sei porque o vi regressar, todo molhado e com os livros molhados debaixo do braço. Não tem guarda-chuva e se o tivesse não duraria uma viagem, ele e o vento dariam cabo do chuço.
É natural que esteja doente, e é fácil saber as causas e ver no que elas dão, acusar e dizer: estás doente porque não te ajudas a ti próprio. O mais difícil é dizer: como te ajudar? Acabo a dizer: só uma beata a pensar na recompensa eterna, só um irmão que seja uma mistura de católico com um predador se presta a ajudar, os outros como eu, envergonhados por ver a miséria em que um amigo, um vizinho vive, dão o pouco que têm e dizem entre costas: estás a precisar de um novo pai ou de uma mulher mãe e enfermeira.
Pois é, o meu amigo é velhote e está decadente mas é o único que vale ainda assim alguma coisa. Ele ainda luta por muito errada que seja a sua ideia. Escreve versos mas vive uma vida de nabo explorado pelos outros que com ele moram, e que não são velhos, ainda teriam um futuro se dele não tivessem desistido, limitam-se a beber, fumar e dormir. Como a ganza aumentou insanamente de preço, chegam a dormir dezasseis horas por dia à custa das pastilhas com cerveja.
Há dias, o meu amigo arranjou uma casa que lhe forneceria o almoço grátis, com sopa e tudo. Veio a minha casa queixar-se que não tinha táparueres. Dei-lhe dois, e ele pensou: assim vou trazer comida para mim, para o M e para o T. E eu pensei: lá está ele a pensar mais nos outros que nele. De modo que durante uns dias foi buscar o almoço, mas como o antigo cozinheiro M dorme até às quatro da tarde e o meu amigo não sabe preparar um prato e aquecê-lo no microondas, ele prefere sempre esperar com fome que este acorde e, enquanto ele dorme, vai-lhe comprar a cerveja ao supermercado. M bebe mas não sai de casa para comprar cerveja, prefere mandar o criado, que ainda agradece: obrigado M, o M é meu amigo, até me tem emprestado dinheiro. E eu penso, o M que mora em tua casa e não paga renda e que, primeiro ainda te fazia a comida, agora é um sostra dum chulo.
Mas acontece que o meu amigo deixou de ir buscar o almoço, diz que o T não o quer acompanhar, e eu penso: tu que vais buscar a comida para eles e para ti, porque precisas de companhia para almoçar?, manda-os foder, se eles não querem te acompanhar vai tu e come tu, eles que façam alguma coisa.
Ás vezes, o meu amigo vem chorar para minha casa e dizer que o M e o T o gozam, e eu penso: a solidão de um velho é fodida, és chulado e gozado por quem abrigas em casa, se fosse eu... e sei lá como vai ser comigo daqui a uns anos...
Mas hoje, de manhã, depois do café, ele safou-se, deram-lhe dinheiro e mais uma vez fez a sua caridade otária com os vizinhos que o chulam, mais uma vez não teve companhia para ir buscar o almoço, mas já teve companhia para partilhar uma torrada paga por ele com o T, que já não achou seca aturar o velho porque assim comeu qualquer coisa, ele T, o mais novo de todos e que tem comida de graça precisando apenas de deslocar-se mas que prefere colar-se ao meu amigo e ao M para tudo. Do dinheiro que sobrou da torrada comprou ganza e deu-a ao M para ele fazer o charro, porque diz que não gosta de fumar à custa do M, e isto acontece todos os dias, a estupidez repete-se todos os dias: M empresta dinheiro ao meu amigo para o meu amigo comprar ganza para o M fumar e guardar o que resta, de modo a quando acordar da sorna, possa fumar o último charro do meu amigo que assim deu umas passas e ficou com a dívida.

Que me dizes, lady alfa, como se ajuda, como se educa uma pessoa assim, que podemos fazer por ele?

4 comentários:

  1. Ehlá!, então mas agora deu-te para o existencialismo moral?

    Infelizmente não tenho respostas...

    (a única coisa objectiva que se me afigura dizer é que talvez não fosse má ideia aconselhares o teu amigo a ir ao médico, uma vez que se diz doente. não só quebraria a rotina que, parece, não lhe faz bem, como poderia ser um passo em algum novo sentido para ele, ou quem sabe vários)

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    1. mas ele foi ao médico e o médico passou-lhe uma carta para ir à urgência piquiátrica, e ele com medo de ser internado rasgou a carta...

      ( vejo que leste o meu comentário no Ouriquense :)
      , se calhar, não passo de um moralista solitário. que sei eu senão o que as pessoas me dizem em conversa ou nos livros? )

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  2. "que sei eu senão o que as pessoas me dizem em conversa ou nos livros?" -

    nem isso eu sei, mas fico a pensar, desde que não me seja apresentado como solução ou verdade. as verdades existirão algures incógnitas entre os silêncios (das pessoas) e as vidas das pessoas.

    a bondade ou generosidade que assiste a cada um de nós - a frutificar será assim, por entre o silêncio e a vida ;)

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    1. o Kant deu cabo de tudo quando disse que tudo é relativo e o Einstein postulou a relatividade, andamos há um século a tentar provar que até a verdade é relativa, cada um tem a sua e só quando se encontram almas gémeas, ou quase, é que se chega a um consenso sobre a verdade das coisas.
      só aí com quem é bondoso e generoso connosco, comigo, é que eu tento ser bondoso e generoso, (é raro dar a outra face a um chapo que me dêem e aí não sou cristão) mas fico sempre a pensar: porque não acertei, porque não aproveitei a segunda oportunidade, porque não me arrependi e desperdicei a ajuda? e depois digo: se o tivesse feito hoje era um gigante com pés de barro e zurzido pelas moscas :D

      De modo que hoje falo contigo, contente por ter alguém que me ature as palavras e, mesmo que não tenha nada a ver com o que estamos a dizer, também quero partilhar contigo o que me chegou hoje via postal e estou agora a ouvir:
      https://youtu.be/7XcAB9t3cVA

      Boa noite sista!

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