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Depois desta borrasca, conjurada graças ao carácter firme da condessa, os dois espósos viveram assim-assim, com a pensão de reforma, a qual, graças à recomendação do general Bubna, não se fez esperar.
Por um feliz acaso, havia já (...)
Essa coragem ridícula a que se dá o nome de resignação, a coragem do tolo que se deixa enforcar sem um protesto, não estava nos hábitos da condessa. Furiosa com a morte do marido, queria que Limercati, esse jovem rico, seu íntimo amigo, se lembrasse também de ir viajar pela Suiça, e desse um tiro ou uma bofetada ao assassino do conde Pietranera.
Limercati achou o projecto perfeitamente ridículo, e a condessa deu conta de que o desprezo matara nela o amor. Redobrou de atenções para com Limercati; queria torná-lo mais apaixonado, e em seguida abandoná-lo e levá-lo ao desespero. Para tornar este plano de vingança compreensível em França, direi que em Milão, terra muito afastada da nossa, ainda há quem, por amor, possa sentir-se desesperado. A condessa que, nos seus trajes de luto, eclipsava todas as rivais, deixou-se galantear pelos jovens de mais elevada posição, e um deles, o conde N.., que sempre dissera achar Limercati pouco digno, pela sua afectação e falta de espírito, duma mulher superior como era a condessa, ficou loucamente apaixonado por ela. A condessa escreveu a Limercati:
«Quer ser uma vez na vida um homem de espírito? Faça de conta que nunca me conheceu. Subscrevo-me, talvez com certo desprezo, sua muito humilde criada -- Gina Pietranera».
Quando recebeu este bilhete, Limercati partiu para um dos seus castelos; o seu amor exaltou-se, ficou meio doido e falou em dar um tiro nos miolos, coisa que não está nos costumes dos países que têm inferno.
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páginas 31 - 32
'A cartuxa de Parma'
Stendhal
tradução de Adolfo Casais Monteiro
edição Editorial Inova 1974
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