sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Eu como António Gancho


 «Eu como António Gancho»

óleo sobre tela

60cm por 45cm

2022

ZMB



ILLUSTRAZIONE

Faço um poema e nasce uma cidade

invento o conteúdo geográfico das coisas.

Escrevo um nome e nasce Dublin

porque Dublin escrevi.

Se onde ponho um traço nasce uma via de ferro

então é um comboio em direcção a Roma.

Faço uma cidade e vejo-me um néon

ponho um anúncio e nasce cigaretta.

O italiano compõe o soar da palavra

eu dou uma entoação ao segredo do fim

Se há um horizonte para divulgar o Sol

há uma expectação para divulgar o coração

Se há um moinho para os lados de Perpignan

há Daudet a repousar o Sol numa cadeira

Se há Avignon, uma festa, a França, a Península Itálica,

Burgos e todas as catedrais espanholas

há uma cidade cheia de Sol a compor a direcção

Se o mar fica no fim

Lisboa fica ao pé de Lisboa fica súbito

como se o Tejo fosse um braço decepado

e um cacilheiro total o pano de uma bandeira

Pensa-se no rumor tribal que inunda todas as ruas

faz-se um boulevard duma avenida nossa

põe-se Lautréamont a inventar um prédio.

Há a loucura a iundar a parede

o relógio que

se primeiro bateu na cabeça de Poe

bate depois no sangue feito do conto

divulgado no livro

Lê-se o fígado do poeta no álcool derramado

sobre o desmaio de Ligeia

se esta tem as mãos ebúrneas nasce âmbar

nas mãos brancas duma conceição tripartida.

Ah, se onde ponho a imaginação nasce um lírio

derramem-me a história duma amante sobre a cabeça

pois sou o amante duma perversão absoluta.

Não rasgues o sentido do ombro aí onde tens o tatu do destino

e aí onde só a virgindade do teu androceu malino

pode factar a dimensão do totem a inundar de carácter

todo o céu africano.

Ah, nasça-me um árabe de luz com seu corpo moreno

contradizendo a logia

nasça-lhe uma idade de rosto sua idade gidiana

para compor a tenda com precaução indefinida.

Reveja-se o jeep inglês de Lawrence

que inundava o deserto duma celtidade absoluta,

o zénite solar sobre o bico da tenda.

Só a imagem dum rio pode dar ao poema

toda esta noção geográfica que o poema não tem.

Bramaputra

se nasceres no papel vou dizer à ondina do gnomo

que a floresta não constrói.

Ponho uma fonte a cantar na cabeça do gnomo

e o gnomo surge e nasce

como o ícone divulgado.

É rica a mitologia germana

para dar um sentido ao godo que de chifres na cabeça

usa um segredo quotidiano pendular

que é o pulso esquerdo de uma fêmea.

Põe-se-lhe a data

e o poema nasce

rubicundo

como a ponta dum lápis

que escrevesse no registo

o nome macho dum bebé.

I achieve

I finalize

eu acabo

eu finalizo.

É o poema terminado.



António Gancho


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