A minha amiga e eu, nós temos uma piada interna que consiste em chamar de inteligente alguém que faz algo que nós consideramos errado ou absurdo e que não podemos mudar. Então, a rir dizemos: Ená, saíste-me cá um inteligente!
Foi então natural que eu tivesse respondido do fundo do coração à dona Alexandra ontem, quando ela me perguntou se tinha compreendido todos os recados e eu disse que sim e ela retorquiu: Também você é inteligente, não é?, que inteligente é o que costuma chamar aos ótarios. Disse-o olhando para a agenda na secretária e depois ao olhar para ela, vi-lhe a cara de desagrado como se a tivesse ofendido, e ela retorquiu: Não se considera inteligente?
-- Não, considero-me mediano, há pessoas muito mais inteligentes que eu.
-- Também há muitos burros.
-- Sim, mas eu não sou nem melhor nem pior, sou mediano.
***
Inseri este breve apontamento em cima e mal sabia eu quando ele aconteceu que se haveria de ligar intuitivamente com o livro de ensaios de Benjamim Fondane que a VS editou.
Ainda só li o prefácio e o ensaio A segunda-feira existencial, mas li-os duas vezes para tentar e conseguir compreender o pensamento de Fondane bem como para o enquadrar em mim, para ver como ele justifica e predetermina as minhas acções, para descobrir a genealogia que adopto.
Ele diz completando Andre Gide: Não tem graça jogar num mundo onde toda a gente faz batota, começando por mim próprio.
Ele diz comentando Rimbaud: Se todos são uns porcos, eu que afirmo isto sou um porco também.
Diz que todo o Mal no Mundo: a guerra, a fome, etc, vem do facto de uns se acharem melhores do que os outros e com, é certo, esforço, propaganda, arregimentarem multidões em torno de uma ideia superior para eles e alguns dos seus, condenando todos os restantes ao sofrimento e ao estranhamento, dividindo o mundo em Uns e Outros, Bem e Mal, quando no fundo cada lado pensa o mesmo e quer aniquilar o outro querendo ser só Um. A bem de uma Totalidade aniquilam a Diferença.
Democracia e Ditadura tentam anular-se uma à outra, tornar-se uma só. E no fim, levam à destruição do mundo. E para o homem comum, tudo isto é incompreensível, não se compreende com em nome de um Bem comum superior para toda a Humanidade, os dois lados se matem um ao outro, e milhões de cidadãos escravos ovelhas soldados novos e velhos homens mulheres e crianças lutem ingloriamente e morram por um ideal absurdo que deixaram de compreender.
Camus afirmava que era necessário nascer um Sísifo que fosse feliz, e que o trabalho absurdo de todos os dias fosse uma luta, fosse em si mesmo a finalidade, o objectivo e a razão de Ser, sendo esses os Valores num mundo desprezando A religião.
Hegel disse que as guerras eram necessárias e que mesmo cansados do trabalho, os camponeses conseguiam divertir-se ao Domingo e ser feliz, resignando-se ao mundo ser como é.
Nietzche disse no amor fati, que devemos aceitar o absurdo do mundo como um acto de fé, irmos alegres para a fogueira.
Fondane também não apresenta soluções, diz apenas o óbvio: ele, tal como eu que escrevo, tal como todo o cidadão e não cidadão, tal como todo o político e aspirante a político, perdemos o direito à nossa responsabilidade, porque não temos a humildade de admitir que na maior parte das vezes erramos com consquências nefastas (Guerra, o Mal).
Fondane é nihilista e diz apocalipticamente que estamos nas mãos de Deus e que de nós será dado o testemunho de um grito, um poema, fé ou suicídio.
Não há mais esperança neste mundo. A maior parte da gente nem repara nisso, vai-se andando simplesmente, como a cegonha com o pescoço dentro do saco das compras.
Sem comentários:
Enviar um comentário