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Penso que a tendência automática para perpetuar os trabalhos sem sentido se deve, no fundo, simplesmente ao medo que as massas populares inspiram. A plebe -- pensam uns -- e formada por uma espécie animal tão vil que se torna perigosa se tiver tempo para isso; o melhor é conservar os seus membros permanentemente ocupados, de modo a não terem ocasião para pensar. Qualquer rico capaz de um mínimo de honestidade, se o interrogarmos acerca da melhoria das condições do trabalho, dirá mais ou menos o seguinte:
«Sabemos que a pobreza não é agradável; de facto, trata-se de um mundo tão afastado do nosso que chegamos a ter um certo prazer quando pensamos no horror que é ser pobre. Mas não podem esperar que façamos seja o que for para modificar as coisas. Lamentamos as classes inferiores como temos pena de um gato tinhoso, mas lutaremos implacavelmente contra qualquer melhoria das suas condições de existência. Achamos que é muito mais seguro que as coisas continuem a ser como são. É uma situação que nos convém, e não vamos correr o risco de deixar os pobres com uma hora suplementar de liberdade por dia. Por isso, meus irmãos, uma vez que tendes de suar para nós podermos pagar as nossas viagens a Itália, suai e ide para o inferno.»
Esta atitude é característica, sobretudo, das pessoas inteligentes e mais ou menos ilustradas; encontraremos a argumentação acima exposta, com pequenas variantes, em centenas de ensaios. Acontece, por outro lado, que são muito poucas as pessoas instruídas que têm menos, por exemplo, do que quatrocentas libras anuais; naturalmente, por isso, é do lado dos ricos que essas pessoas tendem a colocar-se, imaginando que qualquer liberdade concedida aos pobres é uma ameaça à sua própria liberdade. Supondo que a única alternativa para o estado de coisas actual é não se sabe que sinistra utopia marxista, as pessoas cultas preferem que tudo continue na mesma. É provável que não gostem especialmente dos ricos, mas supõem que mesmo o mais vulgar dos ricos é um inimigo menos perigoso dos seus prazeres do que o pobre, e assim defendem aquele contra este. É o medo de uma plebe sobre a qual projectaram todos os perigos imagináveis a razão que torna quase todos os espíritos cultos conservadores nas suas ideias e atitudes.
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George Orwell em
Na penúria em Paris e em Londres, páginas 111 - 112
Tradução de Miguel Serras Pereira
Edição Relógio d'água
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