'
Loucamente
Somente disparo a partir do céu
Não me peças dedicação
Não me peças amor
Nada posso dar
Apenas a paixão
Ó tu, rainha inexistente, mulher invisível, esfinge grega
Advogada do inferno.
«Inferno, o inferno de um lírico.»
Onde estás? Advogada do diabo
Fazes-me falta.
Dormirei contigo quando ambos o desejarmos
Abraçar-te-ei suavemente quando dissermos adeus
Porque não és a única que desejo
Mas uma das poucas.
Suavemente
Loucamente, ao abandono eu somente disparo a partir do céu.
O desejo terminar-se-á na mortal
Na mortal e nocturna gradação de sombra.
[O desejo] queimar-se-á na escura sombra da noite
Noite que começa, que
Chega lenta e ansiosa.
Eu ansioso por hoje não te ver.
Porque hoje não tenho o prazer de te
Ver aqui comigo.
Vermos o brilho das estrelas, contarmos as estrelas
Contar histórias, histórias que abraçam e encantam.
Cantar refrões de amor e ódio porque
Cantar refrões de desespero apenas porque
Não podemos estar juntos e Ser este momento em que
Estou fechado sobre mim próprio e fora do mundo lá fora.
Então eu somente disparo a partir deste céu loucamente
Fechando-me em copas de silêncio quando penso na tua mão calma
Sonhando ao longo do corredor sonhos teus
Falando contigo em sonhos
Tornando louco como quando a Kim Gordon canta
Desapertando-te o vestido
Volta após volta
Até que o mundo se torne nada mais
Ou até que o mundo se volte e se movimente
Numa parte afastada da mente
Para um pequeno ponto no horizonte
Para um círculo de mania: lamber e sugar
Até que a carne viva arda
Quando o meu coração se abala e pergunta:
«-- Quererás ainda assim ser minha?
Eu brilharei por nós.»
Loucamente…
Eu somente disparo a partir do céu e ouço baterias metálicas
e infernos a tremer
Loucamente
Eu somente disparo a partir de lágrimas de estrelas rosadas no céu
e ouço baterias metálicas e sinos a tremer
por ti
'
Claudio Mur
terça-feira, 30 de agosto de 2016
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
domingo, 28 de agosto de 2016
Operação Flores -- Dia 23 (final)
O que é bom acaba.
A Operação Flores -- nome de código para a minha exposição/ venda de aguarelas -- terminou.
Hoje de tarde, por volta da 16h30m desloquei-me para o local habitual
e, mal comecei a colocar as aguarelas na porta devoluta,
um músico interrompeu a sua actuação para me dizer que
a polícia municipal apareceu e falou com quem estava a expor nas paredes da rua
e mandou retirar todas estas bancas, de colegas como eu.
Não falaram comigo porque eu, hoje de manhã, fiz gazeta e não apareci,
mas hoje à tarde terminei, por estes motivos, a Operação Flores.
Resta fazer o balanço:
Tinha pensado fazer o mínimo para pagar um ou dois discos que queria comprar
mas acabei por fazer quase o equivalente da renda do quarto.
Portanto, correu bem, vou viver melhor em Setembro.
E depois não é só isso: o contacto com as pessoas que paravam para ver e falar comigo,
os sorrisos, os cumprimentos de «bom trabalho, parabéns!»...
tudo isto vale mais que o pecúlio obtido por 23 dias de trabalho,
faz bem à alma, quero dizer.
Deixo em baixo, uma imagem que um fotógrafo brasileiro, meu novo amigo online e comprador,
me enviou no acto de lhe vender uma aguarela.
Parece que é ilegal, a autoridade não deixa...
-- Olha deixa lá foi bom enquanto durou!
sábado, 27 de agosto de 2016
Um fadinho em aguarela
tamanho A4 sobre papel
2016
ZMB
A partir do desenho realizado no restaurante O Mal Cozinhado em 2014,
pintei este ano esta aguarela, o traço preto é impresso a laser.
Também realizei este quadro a óleo sobre tela
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Vista a partir do miradouro da Vitória no Porto
É um local com uma boa vista.
Também se pode ver, em baixo na parede da Rua da Vitória,
um graffiti de Hazul (por baixo da placa de nome de rua)
e ao seu lado esquerdo (direito para quem vê) um outro graffiti
do qual não fixei o autor.
Caminhavam formados dois a dois para a capela, à oração da manhã. Depois cada um ia para a sua oficina ou para a aula de estudo.
'
Disseram-lhe depois que a mãe morrera, e a sua vida mudou. Nunca mais foi visto no sítio nem tornou a levar ao velho o Notícias, todas as manhãs. Dormia nas escadas, de manhã vendia os jornais, o resto do dia passava-o nas ruas, sentado pelos bancos das praças, dormitando canalhamente ao sol. E a suavidade de génio, a doçura implume dos seus olhos derivaram numa rispidez, numa malícia de garoto.
Entre os da sua idade começou a ter predomínio; era o das partidas subtis, o que comandava as troças que o bando fazia aos velhos, o que ia gritar nas escadas, o que armava intrigas, desenvolvia contendas, e nos magotes repartia socos e pontapés, no meio da grita e das risadas dos taberneiros. Durante dois anos viveu esta boémia das ruas, tripudiando no meio ínfimo a sua turbulência e a sua alegria. Às vezes, tinha fome: ia pedir nas ruas escuras, com o barrete na mão, a quem passava. E o seu coração sofria todos os maus modos e todas as humilhações sem rebeldia. Nesta senda privou com os incorrigíveis, conheceu os mendigos, os gatunos e as velhas de capote verde, sem meias, que esmolam nos adros das igrejas, em lamentações dolorosas. Uma vez a polícia entrou numa casa da malta, na véspera de uma parada, e varreu quanto lá achou para a prisão. Os pequenos foram metidos na Casa de Correcção e os gatunos no Limoeiro, por contas antigas. Sentiu duramente o cárcere, e sinceramente chorou a vadiagem dos antigos dias, em que o seu pé vivo, forte e ágil, pisara livremente as ruas em corridas ruidosas, em pândegas de boa marca. Na reclusão, os seus dias medidos por ocupações sujeitas a uma tabela e a um horário foram enlutados no tédio e no sentimento da própria inutilidade: levantava-se antes do nascer o Sol com os demais companheiros estremunhados, tiritando do frio que ao longo dos corredores se esfuziava cantando: um sino batia horas acima das abóbadas, e o eco ondulava de cela em cela, como um soluço de uma alma penitente, a quem não perdoam; pelas profundas janela do antigo convento, pedaços de céu faziam manchas lúcidas de espiritualidade inefável, em que o olhar dos pupilos se dilatava com grandes tristezas de oprimdos. Caminhavam formados dois a dois para a capela, à oração da manhã. Depois cada um ia para a sua oficina ou para a aula de estudo. Os rudes prefeitos passavam lúgubres, lívidos e cheios de consumpção, e os seus olhos ferozes corriam sobre as cabeças humildes dos rapazes, curvados sobre os livros ou sobre os trabalhos de oficina. Aos domingos ouviam missa: uma charanga tocava no pátio e os jornais convidavam o público a ir ver o colégio, louvando os desvelos do director e proclamando os resultados da instituição beneficiente. Ali tomou ele próprio, aprendendo a ter asseio, correcção e aprumo; aos dezoito o Ferreira tomou-o para aprendiz; era já uma pessoa cheia de si própria, estatura vantajada, completamente formada, que passara incorruptível no meio viciado do hospício, resistindo aos vícios mórbidos e fatais da caserna, e salvo, numa palavra, da ociosidade e do desprezo de si mesmo.
'
´página 59-61
"A Ruiva"
Fialho de Almeida
no volume Contos
Edição Livros de bolso Europa-América
Disseram-lhe depois que a mãe morrera, e a sua vida mudou. Nunca mais foi visto no sítio nem tornou a levar ao velho o Notícias, todas as manhãs. Dormia nas escadas, de manhã vendia os jornais, o resto do dia passava-o nas ruas, sentado pelos bancos das praças, dormitando canalhamente ao sol. E a suavidade de génio, a doçura implume dos seus olhos derivaram numa rispidez, numa malícia de garoto.
Entre os da sua idade começou a ter predomínio; era o das partidas subtis, o que comandava as troças que o bando fazia aos velhos, o que ia gritar nas escadas, o que armava intrigas, desenvolvia contendas, e nos magotes repartia socos e pontapés, no meio da grita e das risadas dos taberneiros. Durante dois anos viveu esta boémia das ruas, tripudiando no meio ínfimo a sua turbulência e a sua alegria. Às vezes, tinha fome: ia pedir nas ruas escuras, com o barrete na mão, a quem passava. E o seu coração sofria todos os maus modos e todas as humilhações sem rebeldia. Nesta senda privou com os incorrigíveis, conheceu os mendigos, os gatunos e as velhas de capote verde, sem meias, que esmolam nos adros das igrejas, em lamentações dolorosas. Uma vez a polícia entrou numa casa da malta, na véspera de uma parada, e varreu quanto lá achou para a prisão. Os pequenos foram metidos na Casa de Correcção e os gatunos no Limoeiro, por contas antigas. Sentiu duramente o cárcere, e sinceramente chorou a vadiagem dos antigos dias, em que o seu pé vivo, forte e ágil, pisara livremente as ruas em corridas ruidosas, em pândegas de boa marca. Na reclusão, os seus dias medidos por ocupações sujeitas a uma tabela e a um horário foram enlutados no tédio e no sentimento da própria inutilidade: levantava-se antes do nascer o Sol com os demais companheiros estremunhados, tiritando do frio que ao longo dos corredores se esfuziava cantando: um sino batia horas acima das abóbadas, e o eco ondulava de cela em cela, como um soluço de uma alma penitente, a quem não perdoam; pelas profundas janela do antigo convento, pedaços de céu faziam manchas lúcidas de espiritualidade inefável, em que o olhar dos pupilos se dilatava com grandes tristezas de oprimdos. Caminhavam formados dois a dois para a capela, à oração da manhã. Depois cada um ia para a sua oficina ou para a aula de estudo. Os rudes prefeitos passavam lúgubres, lívidos e cheios de consumpção, e os seus olhos ferozes corriam sobre as cabeças humildes dos rapazes, curvados sobre os livros ou sobre os trabalhos de oficina. Aos domingos ouviam missa: uma charanga tocava no pátio e os jornais convidavam o público a ir ver o colégio, louvando os desvelos do director e proclamando os resultados da instituição beneficiente. Ali tomou ele próprio, aprendendo a ter asseio, correcção e aprumo; aos dezoito o Ferreira tomou-o para aprendiz; era já uma pessoa cheia de si própria, estatura vantajada, completamente formada, que passara incorruptível no meio viciado do hospício, resistindo aos vícios mórbidos e fatais da caserna, e salvo, numa palavra, da ociosidade e do desprezo de si mesmo.
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´página 59-61
"A Ruiva"
Fialho de Almeida
no volume Contos
Edição Livros de bolso Europa-América
terça-feira, 23 de agosto de 2016
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
sábado, 20 de agosto de 2016
quinta-feira, 18 de agosto de 2016
Em nome da sacrossanta honra da raça, sem pensarem no facto de que, na cama, também é preciso amor, jogo e brincadeiras
'
O banquete do casamento realizou-se no restaurante Na Cidade de Amesterdão, e de novo via que era verdade que todos bebiam, também, à minha saúde, mas tudo rodava à volta de Lisa e eu comecei a sentir-me cada vez mais relegado para o papel dum mais ou menos suportado, é verdade que ariano mas sempre pequenote checo, embora tivesse cabelo amarelo clarinho, ao peito uma faixa e, na anca, a condecoração em forma de estrela dourada. Todavia, não deixei transparecer nada e, como se não visse, sorria, até me fazia bem pensar que era o marido de uma mulher tão célebre, que todos os oficiais, certamente solteiros, pretenderiam ou poderiam pretender, mas nenhum a conquistara, e tinha sido eu quem a tinha encantado, provavelmente estes soldados não sabiam fazer mais nada senão saltar para cima da mulher, na cama, com botas e tudo, em nome da sacrossanta honra da raça, sem pensarem no facto de que, na cama, também é preciso amor, jogo e brincadeiras, e isso sabia-o eu, que o tinha descoberto, por instinto, há muito tempo, no Éden, quando ornamentei a barriguinha da putinha nua com margaridas e pétalas de azália... e depois, há dois anos, também a barriga desta alemã consciente, desta comandante das enfermeiras militares, desta alta funcionária do partido. Por isso, entre toda esta gente, ninguem conseguiria imaginar aquilo que eu estava a ver: nua e deitada de costas, vou pondo à volta do seu ventre os raminhos verdes de abeto, que ela recebe como uma homenagem, talvez mesmo como homenagem mais valiosa do que aquela em que o magistrado nos apertava, aos dois, as mãos através da bandeira vermelha e nos lamentava porque não podíamos morrer os dois na luta pela Nova Europa, pelo novo homem nacional-socialista. Lisa, vendo que eu sorria, que tinha aceitado o jogo a que tinha sido condenado por aquela cerimónia, pegou no copo e piscou-me o olho, cúmplice, perante os convidados um pouco atónitos com a solenidade desta cerimónia, eu peguei também no meu copo e levantei-me para ficar ainda maior: estávamos de pé, face a face, levantando os nossos copos, os oficiais olhavam e, para verem melhor, arregalavam os olhos, examinavam-nos como se estivéssemos num interrogatório; Lisa riu da mesma maneira como ria quando estávamos juntos, na cama, quando a tratava com cortesia francesa: olhámos um para o outro, como se ela estivesse nua e eu também, e vi a névoa branca que cobria novamente os seus olhos, um olhar turvo que as mulheres têm no momento do abandono, aquele momento em que as mulheres caem mas não é desmaio, em que deitam fora os últimos obstáculos e abrem o caminho para que aconteça tudo o que no momento for oportuno, em que se abre um mundo diferente, o mundo dos jogos amorosos e das carícias... e assim, beijou-me longamente, à frente de todos, eu fechei os olhos, segurávamos os copos com champanhe enquanto nos beijávamos longamente, o vinho escorria devagarinho, sobre a toalha, dos nossos copos inclinados, e todos os convidados se calaram; a partir daquele momento estavam todos como que perplexos, observavam-me com olhos diferentes, até me examinavam atentamente e neste exame verificaram que com o sangue eslavo o sangue germânico goza muito mais do que só com o sangue alemão, e em poucas horas eu tornei-me, é verdade que estrangeiro, mas um estrangeiro que todos, com uma ligeira inveja ou raiva, estimam, mesmo as mulheres me olhavam e como que percrutavam o que provavelmente eu poderia fazer na cama, e com elas. Imaginando, sem dúvida, que eu era capaz de uns jogos especiais ou diabólicos, suspiravam docemente, reviravam os olhos e começaram a conversar, embora me enganasse nos artigos der, die, das eu conversei com todas estas mulheres que, com aquele horrível alemão delas, tiveram que falar comigo devagar, como na primária, a pronunciar lentamente os seus discursos, deliciavam-se com as minhas respostas e chegaram à conclusão que os meus erros de gramática eram um encanto que as fazia rir, que lhes transmitia o sortilégio das planícies eslavas, de bétulas e prados... mas todos os militares, tanto da Wehrmacht como das SS, todos ficaram insensíveis comigo, quase zangados, todos entenderam muito bem como conquistei Lisa, a bela loura que à honra e sangue alemães tinha preferido o amor sensual e belo... contra o qual eles, embora cheios de cruzes de guerra conquistadas nas campanhas da Polónia e da França, eram impotentes...
'
, página 138-140
"Eu que servi o Rei de Inglaterra"
Bohumil Hrabal
Tradução de Ludmila Dismanová
Edições Afrontamento
O banquete do casamento realizou-se no restaurante Na Cidade de Amesterdão, e de novo via que era verdade que todos bebiam, também, à minha saúde, mas tudo rodava à volta de Lisa e eu comecei a sentir-me cada vez mais relegado para o papel dum mais ou menos suportado, é verdade que ariano mas sempre pequenote checo, embora tivesse cabelo amarelo clarinho, ao peito uma faixa e, na anca, a condecoração em forma de estrela dourada. Todavia, não deixei transparecer nada e, como se não visse, sorria, até me fazia bem pensar que era o marido de uma mulher tão célebre, que todos os oficiais, certamente solteiros, pretenderiam ou poderiam pretender, mas nenhum a conquistara, e tinha sido eu quem a tinha encantado, provavelmente estes soldados não sabiam fazer mais nada senão saltar para cima da mulher, na cama, com botas e tudo, em nome da sacrossanta honra da raça, sem pensarem no facto de que, na cama, também é preciso amor, jogo e brincadeiras, e isso sabia-o eu, que o tinha descoberto, por instinto, há muito tempo, no Éden, quando ornamentei a barriguinha da putinha nua com margaridas e pétalas de azália... e depois, há dois anos, também a barriga desta alemã consciente, desta comandante das enfermeiras militares, desta alta funcionária do partido. Por isso, entre toda esta gente, ninguem conseguiria imaginar aquilo que eu estava a ver: nua e deitada de costas, vou pondo à volta do seu ventre os raminhos verdes de abeto, que ela recebe como uma homenagem, talvez mesmo como homenagem mais valiosa do que aquela em que o magistrado nos apertava, aos dois, as mãos através da bandeira vermelha e nos lamentava porque não podíamos morrer os dois na luta pela Nova Europa, pelo novo homem nacional-socialista. Lisa, vendo que eu sorria, que tinha aceitado o jogo a que tinha sido condenado por aquela cerimónia, pegou no copo e piscou-me o olho, cúmplice, perante os convidados um pouco atónitos com a solenidade desta cerimónia, eu peguei também no meu copo e levantei-me para ficar ainda maior: estávamos de pé, face a face, levantando os nossos copos, os oficiais olhavam e, para verem melhor, arregalavam os olhos, examinavam-nos como se estivéssemos num interrogatório; Lisa riu da mesma maneira como ria quando estávamos juntos, na cama, quando a tratava com cortesia francesa: olhámos um para o outro, como se ela estivesse nua e eu também, e vi a névoa branca que cobria novamente os seus olhos, um olhar turvo que as mulheres têm no momento do abandono, aquele momento em que as mulheres caem mas não é desmaio, em que deitam fora os últimos obstáculos e abrem o caminho para que aconteça tudo o que no momento for oportuno, em que se abre um mundo diferente, o mundo dos jogos amorosos e das carícias... e assim, beijou-me longamente, à frente de todos, eu fechei os olhos, segurávamos os copos com champanhe enquanto nos beijávamos longamente, o vinho escorria devagarinho, sobre a toalha, dos nossos copos inclinados, e todos os convidados se calaram; a partir daquele momento estavam todos como que perplexos, observavam-me com olhos diferentes, até me examinavam atentamente e neste exame verificaram que com o sangue eslavo o sangue germânico goza muito mais do que só com o sangue alemão, e em poucas horas eu tornei-me, é verdade que estrangeiro, mas um estrangeiro que todos, com uma ligeira inveja ou raiva, estimam, mesmo as mulheres me olhavam e como que percrutavam o que provavelmente eu poderia fazer na cama, e com elas. Imaginando, sem dúvida, que eu era capaz de uns jogos especiais ou diabólicos, suspiravam docemente, reviravam os olhos e começaram a conversar, embora me enganasse nos artigos der, die, das eu conversei com todas estas mulheres que, com aquele horrível alemão delas, tiveram que falar comigo devagar, como na primária, a pronunciar lentamente os seus discursos, deliciavam-se com as minhas respostas e chegaram à conclusão que os meus erros de gramática eram um encanto que as fazia rir, que lhes transmitia o sortilégio das planícies eslavas, de bétulas e prados... mas todos os militares, tanto da Wehrmacht como das SS, todos ficaram insensíveis comigo, quase zangados, todos entenderam muito bem como conquistei Lisa, a bela loura que à honra e sangue alemães tinha preferido o amor sensual e belo... contra o qual eles, embora cheios de cruzes de guerra conquistadas nas campanhas da Polónia e da França, eram impotentes...
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, página 138-140
"Eu que servi o Rei de Inglaterra"
Bohumil Hrabal
Tradução de Ludmila Dismanová
Edições Afrontamento
terça-feira, 16 de agosto de 2016
A voz de François Testory
A primeira vez que ouvi a sua voz foi, nos anos 90, num album de Von Magnet,
numa música chamada 'Sur-realista',
e na realidade pensei que era uma gaja a cantar, uma bela voz de gaja.
Dois ou três anos mais tarde, assisti na tv a excerptos de um filme de Franco Zeffirelli
onde aparecia um 'castrato' e sua voz.
https://en.wikipedia.org/wiki/Castrato
A bem dizer, nada sei sobre a vida por detrás desta voz,
nem isso me interessa particularmente,
mas na música pop é raro uma voz masculina assim e, além desta, só conheço a voz do Antony,
que agora se apresenta com o nome de Anohni.
A bem dizer, nada sei sobre a vida por detrás desta voz,
nem isso me interessa particularmente,
mas na música pop é raro uma voz masculina assim e, além desta, só conheço a voz do Antony,
que agora se apresenta com o nome de Anohni.
Mas só num album de Coil já no novo milénio
conheci o homem e o seu nome por detras da bela voz.
Ele participou no último concerto desta banda, realizado em Dublin 2004,
e, após a morte de John Balance, Sleazy Christopherson editou e remisturou a música
para o album póstumo chamado 'Aple of Naples'.
A música chama-se Going Up
o original está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ztdatfUEW94
ao vivo em Dublin:
domingo, 14 de agosto de 2016
Operação Flores -- dia 12 (tarde)
Hoje, só trabalhei de tarde
mas correu bem.
Tenho a declarar que, entre outros eventos,
ganhei uma refeição de pasta de graça no Rossi Ristorante situado a 30km de Bruxelas,
propriedade do senhor Rossi que, com a sua mulher chinesa,
comprou a aguarela em baixo.
Também tiraram fotografias, disseram que a aguarela era para a casa deles.
Kum Kleopatra Kum - Into the crypt, by Sleep Chamber
Track VII and VIII from Sleep Chamber on the release 'Stolen Sleep'
https://www.discogs.com/Sleepchamber-...
"Mummies robbed ov their sleep. Sacred dreams interrupted. Holy dimensions disturbed. Whom so ever awakens these sacrosanct sleep chambers, seal their fate to thee underworld"
Anubus 23
sábado, 13 de agosto de 2016
O pintor e a sua obra
ZMB, fotografado com o seu burrofone
pelo, também pintor, Manuel Feliz
12 Agosto 2016
Rua das Flores, Porto, Porto
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
Operação Flores -- dia 10 (manhã)
Hoje, de manhã, na Rua das Flores aproximou-se de mim um senhor
que, ao ver os meus trabalhos na janela devoluta, me perguntou,
primeiro, se eu era português; depois, se eu podia avaliar umas folhas pintadas.
Ele disse que tinham sido feitas por miúdos
e eu reparei que tinham todas um mesmo tema:
pinturas a guache mostrando um mar e um barquinho.
Como eu virava as folhas e dizia que não queria comprar,
ele falou que estava a pensar em 20 cêntimos cada folha,
eu resmunguei, ele disse dois euros por todas as folhas, eram à vontade umas quinze.
Acabei por lhe dizer: 20 cêntimos nem dá para a tinta,
porque não faz como eu e vem para a rua e tenta vender,
eu diria 2 euros por cada folha.
(eu disse este valor porque ele queria ainda menos,
e as folhas não eram propriamente umas grandes obras de arte,
se não valeriam certamente mais)
Não garanto -- continuei -- que tenha sorte
mas pode sempre tentar.
E podia ter dito o que um outro pintor,
que um dia destes parou para falar comigo, me disse:
em Portugal não há um culto da pintura,
não se vê, como noutros países, os cafés e bares com obras de arte na parede.
A maioria dos pintores em Portugal dá aulas para ganhar a vida
embora também seja certo que alguns já atingiram um nível de reconhecimento
que os faz ter avenças com galerias ou vender quadros por dezenas de milhar.
Eu, pelo meu lado, sigo o meu caminho, apesar de me sentir um proscrito
devido, não só mas também, ao meu modo de ser.
Mas vou continuando, vou sendo livre o mais possível.
E gostando da minha ocupação actual.
(em baixo, 3 pastéis de artistas na Ribeira, Porto)
E gostando da minha ocupação actual.
(em baixo, 3 pastéis de artistas na Ribeira, Porto)
quinta-feira, 11 de agosto de 2016
Vou contar a história toda, tim tim por tim tim, e que se foda o tintin
'
A vida de uma pessoa, que recebe o rendimento mínimo, é triste. Mas por estranho que possa parecer, o Mancha tinha agora alguma esperança. Mudara-se para um quarto numa casa arrendada pela dona Luzia. O quarto era minúsculo, nem sete metros quadrados teria, mas o Mancha estava feliz, era finalmente o seu quarto, não era uma vulgar pensão disfarçada de casa de respeito e hóspedes, cuja senhoria estava sempre à espera do dia de pagamento da renda para poder encomendar o almoço take-away, parecia passar fome três semanas durante o mês mas quando o Mancha desembolsava cento e cinquenta palhaços, no dia um, até vinho havia. Além disso, estava sempre a tentar pôr o Mancha fora do quarto e da casa, fosse com o pretexto de fazer a limpeza, fosse com medo que o Mancha roubasse, na realidade a dona Zelda era uma somítica e dona de uma hipocrisia nojenta, não tinha qualquer respeito pelo Mancha. O Mancha reparou que a dona Luzia era diferente, tinha vindo da aldeia para trabalhar na cidade, sabia o que era usar as mãos para trabalhar, não se limitava a contar o dinheiro e a destrocá-lo, dizia:
-- Senhor Mancha, aqui tem uma cozinha, para usar o fogão fala com o Juvenal, a botija de gás é dele, mas o mais importante é que esta é a vossa casa, aqui ninguém vos incomoda, nem eu venho cá acima espiar-vos, custa-me a subir os quatro andares.
O Mancha pensou: «Ela leu os meus pensamentos, sabe como a Zelda é falsa e cheia de aparência, filha e neta de negreiros, só tenho é que caber aqui dentro, o quarto é tão pequeno, bem, posso levar algumas coisas de volta para Tintus Rius, os meus pais não me fecharam a porta.»
A primeira coisa que fez foi café numa cafeteira, o café à faroeste no fogão eléctrico era agora história, uma história com seis meses que dá para encher vinte páginas com letra tamanho onze, vinte páginas até chegar o Juvenal a casa e o Mancha lhe oferecer cinco euros para partilhar o gás, ele aceita e informa-o sobre a casa, entre outras coisas diz-lhe para não deixar comida no frigorífico, diz que o Correia, às vezes, quando chega janado a altas horas da manhã, não perdoa e abre o frigorífico para comer: -- Ficas avisado.
O Mancha é, geralmente, um gajo dado à solidariedade: ele, que é maluco, sente-se solidário com todos os desgraçados do mundo que vai conhecendo. E responde por impulso deste modo:
-- Ah ok, obrigado por me dizeres. Eu conheço o Correia…
-- Conheces o Correia de onde? -- pergunta o Juvenal com voz grossa.
-- Daqui, de Derza, não sei o que faz…
-- Pois não queiras saber, toma cuidado apenas.
Mas a coisa correu mal. O Mancha teve um banho de realidade. Deu pela falta da máquina fotográfica e do minidisc. E logo no dia em que, dir-se-ia, tentava ensinar a missa ao padre e dizer ao Correia que, ao fundo da rua, havia uma cantina social onde podia almoçar de graça, dir-se-ia, pois ele era residente de nascença na zona e sabia-o, claro que sabia e o Mancha sabia que ele sabia, mas disse-o como se fosse um conselho, uma filantrópica boa-accão, uma caridade, o Mancha achava que se devia fazer o bem porque também lhe faziam o bem a ele. O Correia negou o furto, o Juvenal também desconfiou, numa discussão a três o Mancha ironizou que teria sido mais valioso, para a futura venda no bairro das lagartas, se também lhe tivessem levado o carregador e «carregaste ao menos o minidisc?, aquilo não tem bateria, não vale nada assim!» «não, não tenho carregador para aquilo…»
Ao ouvir o vocábulo «aquilo», o Mancha bloqueou, como podia o Correia dizer «aquilo»?, se não tivesse visto o minidisc, quando muito diria «isso». O Mancha teve aqui a prova imaterial, mas não soube recuperar os objectos roubados, afinal eles já não estavam em casa, só desfazendo o Correia à pancada, mas isso só lhe traria problemas com os gunas da zona, esses de quem o Mancha se gostava de pensar amigo de, a dona Luzia pô-lo-ia na rua, os vales do rendimento mínimo não chegariam mais à sua mão, ficaria na merda mais uma vez, ir à polícia fazer queixa exigia pagar a taxa de abertura de processo de averiguações, além disso não tinha facturas dos equipamentos para provar a pertença. Não iria dar em nada. O Mancha bloqueou, a discussão ficou-se por ali, umas noites mais tarde ouviu-os falar e o Juvenal perguntava pela verdade ao Correia, e este só dizia: «O gajo é polícia, se eu perco o quarto por causa daquele filho-da-puta…». O Mancha compreendeu que não havia nada a fazer. Aquele Correia era um gajo que se pudesse vendia a mãe por uma linha de branca mais um caneco de crack. «O teu dia chegará e eu ouvirei falar de ti. És pedra morta a partir de hoje.»
Assim, o Mancha engoliu em seco, afinal estavam a privá-lo das suas ferramentas de trabalho, o Mancha fazia música usando fontes sonoras como, por exemplo, gravações de campo, e gravava tudo, até instrumentos convencionais, com o minidisc. Ficara sem ele. A Sony já não fabrica mais, o comércio de minidiscs usados só funciona em leilões online de valor proibitivo.
O Mancha engoliu em seco e foi à jukebox beber um pirata de cerveja, até o Sancho, com quem o Mancha nunca mais falara, parecia saber do caso, aliás toda a gente parecia falar baixinho sobre o caso.
Estava a passar o futebol ao fim da tarde, Mancha sentiu uma vontade enorme de esquecer este roubo e todas as ofensas que lhe tinham sido feitas, hoje ele sabe, tem consciência, mas, na altura, ainda não compreendera que também ele sente quase afecto pelos seus ofensores, uma versão lusa do síndrome de Estocolmo, fazia-lhe mal, a cabeça doía-lhe de angústia e resolveu aproximar-se do Sancho e pedir-lhe desculpa por ter vomitado em cima dele, e, esquecendo-se que há muito tempo a conta fora saldada com um sopapo e que mais nada havia a parlare, fê-lo com quase lágrimas nos olhos. O Sancho não conseguiu com o espanto evitar e, ao lhe apertar a mão, riu-se dele. O Mancha reparou tarde no erro. O Sancho, se antes pensava que o Mancha era um duro, agora sabia que o Mancha não passava dum cobardolas. O Mancha veio para casa a pensar: «O defeito é meu, eu dou tudo ao início e depois vou retirando abruptamente, as pessoas, a princípio, tentam chular-me, depois, desprezam-me, faço tudo ao contrário dos outros, não tenho amigos, não há compatibildade possível entre mim e este tipo de pessoas, o mundo não tem amigos para me oferecer, não tenho com quem falar, não vale a pena ligar a ninguém, nem ao secretário da empresa, esse queria pôr-me a render para ele, vender droga para ele, ele que recebeu umas massas e comprou mais um topo de gama e agora quer escravizar um miserável a receber o rsi, demorei tanto tempo a perceber que não posso querer ser amigo de ladrões, mas eu vou fodê-los, vou contar a história toda, tim tim por tim tim, e que se foda o tintin, além do mais é uma história em que apenas alguém tenta com força acreditar, servirá como prova caso não mais seja visto, e se ele aparecer para fazer perguntas chatérrimas eu dir-lhe-ei apenas: fizeste-te passar por polícia e roubaste-me a ganza mas não passas de uma personagem de série b e, para o comprovar, vou queimar a folha onde vens descrito e tu desaparecerás no fumo e nas cinzas, será aí que te rirás pela última vez e deixar-me-ás, então, em paz com a certeza de eu ser um tolo que não diz coisa com coisa. Poderei então seguir a minha vida e encontrar finalmente uma pintassilgo de nome Sofia.»
'
Claudio Mur
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Hoje, de manhã, ao meu lado
Não vendi nada, hoje de manhã,
mas foram momentos bem passados.
A música estava excelente: sons metálicos ajudando à reflexão, à meditação.
Agora descanso, em casa, e preparo-me para fazer um café.
Daqui a meia-hora estou na rua outra vez para o turno da tarde.
Apareça quem quiser ou puder.
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
Quem diria que o António Ouriço, depois de morto, havia de arregimentar toda aquela fúria!
'
Novamente, conforme os aguaceiros iam minguando, começavam a reunir-se no largo, à boa vida, e de bem má catadura, os coitados, os sem-trabalho, os maltrapilhos, os pedintões; e vinham com eles acompadrar-se homens válidos e enxutos de vergonha, operários, camponeses, pastores, os mesmos de onde agora, uns de ganga, outros de bombazina, ou de saragoça e com jaquetas listradas, aldeãs, patriarcais, gente em barda, amaltesada, excitada. Uma atmosfera de segredo, de conjura, amordaçava as vozes iradas, mas falavam alto os olhos cúmplices, acirrados pelas espingardas da Guarda. Ali, ali mesmo, debaixo daqueles balcões amaldiçoados do hotel, ali não havia nada a fazer. Ali não. E, no entanto, lá para meio da tarde, fora por uma unha negra que eles não haviam arrebentado aquelas janelas à pedrada. Já tinham mesmo a boca cheia de gritos. E houveram de os engolir. Até parecia que a Guarda lhes adivinhara os propósitos. Mas o Teté agora tivera uma ideia. Uma ideia bem diferente! E essa ideia de brasa, de desforra, correra, entrara, como o vento bravo, nas casas em sossego, nas vendas aguardentadas, e, mais viva do que a chuva, no largo enxaboucado, prurira, incendiara, os bons e os maus, mansos e assanhadiços, diligentes e calões, mancebos imberbes e pais de família, saídos dos seus temores, servos pacíficos que, a sós, os mais dos dias, antes se amagariam e se deixariam malhar, por mor de filhos e cadilhos. Mas a febre subira de repente. E estavam arrimados uns aos outros, todos, naquela hora, irmanados numa contagiosa cólera surda e crescente. Vinte, trinta homens ao corrente da coisa, não convinha que fosse além dessa conta. Minuto a minuto, «Arre! cuidam os gajos que a gente somos de merda!», os nervos crispavam-se, as veias doíam, a chusma destemperada não podia com a espera. quem diria que o António Ouriço, depois de morto -- excogitava o tio Romualdo --, havia de arregimentar toda aquela fúria!
Quando escurejasse a noite, assim que ela abafasse a vila, de vez -- então seria tempo. Até lá era mister aguardar com cautela. Com muita cautela.
'
, página 52-53
"Margem esquerda"
Urbano Tavares Rodrigues
na colecção de novelas entitulada "As aves da madrugada"
edição Livraria Bertrand 1959
Novamente, conforme os aguaceiros iam minguando, começavam a reunir-se no largo, à boa vida, e de bem má catadura, os coitados, os sem-trabalho, os maltrapilhos, os pedintões; e vinham com eles acompadrar-se homens válidos e enxutos de vergonha, operários, camponeses, pastores, os mesmos de onde agora, uns de ganga, outros de bombazina, ou de saragoça e com jaquetas listradas, aldeãs, patriarcais, gente em barda, amaltesada, excitada. Uma atmosfera de segredo, de conjura, amordaçava as vozes iradas, mas falavam alto os olhos cúmplices, acirrados pelas espingardas da Guarda. Ali, ali mesmo, debaixo daqueles balcões amaldiçoados do hotel, ali não havia nada a fazer. Ali não. E, no entanto, lá para meio da tarde, fora por uma unha negra que eles não haviam arrebentado aquelas janelas à pedrada. Já tinham mesmo a boca cheia de gritos. E houveram de os engolir. Até parecia que a Guarda lhes adivinhara os propósitos. Mas o Teté agora tivera uma ideia. Uma ideia bem diferente! E essa ideia de brasa, de desforra, correra, entrara, como o vento bravo, nas casas em sossego, nas vendas aguardentadas, e, mais viva do que a chuva, no largo enxaboucado, prurira, incendiara, os bons e os maus, mansos e assanhadiços, diligentes e calões, mancebos imberbes e pais de família, saídos dos seus temores, servos pacíficos que, a sós, os mais dos dias, antes se amagariam e se deixariam malhar, por mor de filhos e cadilhos. Mas a febre subira de repente. E estavam arrimados uns aos outros, todos, naquela hora, irmanados numa contagiosa cólera surda e crescente. Vinte, trinta homens ao corrente da coisa, não convinha que fosse além dessa conta. Minuto a minuto, «Arre! cuidam os gajos que a gente somos de merda!», os nervos crispavam-se, as veias doíam, a chusma destemperada não podia com a espera. quem diria que o António Ouriço, depois de morto -- excogitava o tio Romualdo --, havia de arregimentar toda aquela fúria!
Quando escurejasse a noite, assim que ela abafasse a vila, de vez -- então seria tempo. Até lá era mister aguardar com cautela. Com muita cautela.
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, página 52-53
"Margem esquerda"
Urbano Tavares Rodrigues
na colecção de novelas entitulada "As aves da madrugada"
edição Livraria Bertrand 1959
domingo, 7 de agosto de 2016
Operação Flores -- Dia 5 (tarde)
Três mulheres artistas desenhadas com lápis de pastel seco
Em papel A4
À venda, cada folha por 20 smiles
Juntamente com as aguarelas. estou
na Rua das Flores, Porto, Portugal
(a caminho da Ribeira),
quase todos os dias em dois turnos:
o da hora de almoço a partir das 11h30m
e o de fim-de-tarde a partir das 17h.
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
quinta-feira, 4 de agosto de 2016
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Com ambas as emoções a arrepanharem-me o coração e fazendo que o meu sangue esfriasse e, simultaneamentte, corresse tumultuosamente
'
Já havia lido romances marítimos em que apareciam frequentemente mulheres isoladas em navios repletos de homens; mas só nessa altura compreendi que nunca me havia apercebido do significado mais profundo de tal situação -- na qual os escritores insistiam tanto e a qual exploravam tão completamente. Eis o que se verificava agora e eis que eu deparava com essa mesma situação. Para que ela fosse o mais vital possível, bastava apenas que a mulher em causa fosse Maud Brewster, que me encantava agora pessoalmente como me encantara com as suas obras.
Não se poderia imaginar alguém que estivesse mais deslocado do seu ambiente. Era uma criatura delicada, etérea, débil e flexível. de movimentos lento e graciosos. Nunca me dava a impressão de caminhar, ou, pelo menos, de caminhar como os comuns mortais. Possuía extrema ligeireza e movia-se com certa fluidez indefinível, aproximando-se das pessoa como um floco de neve que paira no ar ou como uma ave de asas silenciosas.
(...)
Fazia contraste marcado com Wolf Larsen. Cada um nada era do que o outro era, era tudo o que o outro não era. Uma manhã, vi-os caminhar juntos pelo convés e comparei-os aos extremos opostos da escada da evolução -- um, a culminância de toda a selvajaria, a outra, o produto acabado da civilização mais refinada. É certo que Wolf Larsen possuía intelecto fora do comum, mas dirigido apenas para o exercício dos seus instintos selvagens e fazendo dele um selvagem ainda maior. Era explendidamente musculado, forte, e, embora caminhasse com a certeza e resolução do homem físico, nada havia de pesado no seu andar. A selva e a selvajaria espreitavam no elevar e baixar dos seus pés. Tinha passos de gato e era ágil e forte, sempre forte. Comparava-o a um grande tigre, a um animal de façanhas e de presa. Assemelhava-se a isso, e o clarão que eu já observara nos olhos de leopardos enjaulados e de outros predadores da selva.
Porém, naquele dia, ao vê-los caminhar para cá e para lá, notei que foi ela quem interrompeu o passeio. Vieram até onde me encontrava, à entrada da escada. Embora ela não o denunciasse por qualquer indício exterior, pressenti que estava muito perturbada. Fez um comentário ocioso, olhando para mim, e riu-se com bastante à vontade, mas notei que voltava involuntariamente os olhos para ele, como que fascinada; depois baixou-os, mas não suficientemente depressa para ocultar o terror que os enchia.
Foi nos olhos dele que vi a causa da perturbação dela.
(...)
O terror dela invadiu-me e, naquele momento de medo -- o mais terrível medo que um homem pode ter -- compreendi que ela me era querida, de forma inexprimível. A conciência de que a amava dominou-me juntamente com o terror e, com ambas as emoções a arrepanharem-me o coração e fazendo que o meu sangue esfriasse e, simultaneamentte, corresse tumultuosamente, senti-me arrastado por um poder exterior a mim e para além de mim e notei que os meus olhos tornavam a incidir sobre os de Wolf Larsen, contra minha vontade. Mas ele recompusera-se. A cor dourada e as luzes brilhantes haviam desaparecido. Quando se curvou com brusquidão, para se retirar, já tinha os olhos novamente frios, cinzentos e brilhantes.
-- Tenho medo -- segredou ela, tremendo. -- Tenho tanto medo!
'
, páginas 184-186
"O lobo do mar"
Jack London
Edição Livros de bolso Europa-América
Já havia lido romances marítimos em que apareciam frequentemente mulheres isoladas em navios repletos de homens; mas só nessa altura compreendi que nunca me havia apercebido do significado mais profundo de tal situação -- na qual os escritores insistiam tanto e a qual exploravam tão completamente. Eis o que se verificava agora e eis que eu deparava com essa mesma situação. Para que ela fosse o mais vital possível, bastava apenas que a mulher em causa fosse Maud Brewster, que me encantava agora pessoalmente como me encantara com as suas obras.
Não se poderia imaginar alguém que estivesse mais deslocado do seu ambiente. Era uma criatura delicada, etérea, débil e flexível. de movimentos lento e graciosos. Nunca me dava a impressão de caminhar, ou, pelo menos, de caminhar como os comuns mortais. Possuía extrema ligeireza e movia-se com certa fluidez indefinível, aproximando-se das pessoa como um floco de neve que paira no ar ou como uma ave de asas silenciosas.
(...)
Fazia contraste marcado com Wolf Larsen. Cada um nada era do que o outro era, era tudo o que o outro não era. Uma manhã, vi-os caminhar juntos pelo convés e comparei-os aos extremos opostos da escada da evolução -- um, a culminância de toda a selvajaria, a outra, o produto acabado da civilização mais refinada. É certo que Wolf Larsen possuía intelecto fora do comum, mas dirigido apenas para o exercício dos seus instintos selvagens e fazendo dele um selvagem ainda maior. Era explendidamente musculado, forte, e, embora caminhasse com a certeza e resolução do homem físico, nada havia de pesado no seu andar. A selva e a selvajaria espreitavam no elevar e baixar dos seus pés. Tinha passos de gato e era ágil e forte, sempre forte. Comparava-o a um grande tigre, a um animal de façanhas e de presa. Assemelhava-se a isso, e o clarão que eu já observara nos olhos de leopardos enjaulados e de outros predadores da selva.
Porém, naquele dia, ao vê-los caminhar para cá e para lá, notei que foi ela quem interrompeu o passeio. Vieram até onde me encontrava, à entrada da escada. Embora ela não o denunciasse por qualquer indício exterior, pressenti que estava muito perturbada. Fez um comentário ocioso, olhando para mim, e riu-se com bastante à vontade, mas notei que voltava involuntariamente os olhos para ele, como que fascinada; depois baixou-os, mas não suficientemente depressa para ocultar o terror que os enchia.
Foi nos olhos dele que vi a causa da perturbação dela.
(...)
O terror dela invadiu-me e, naquele momento de medo -- o mais terrível medo que um homem pode ter -- compreendi que ela me era querida, de forma inexprimível. A conciência de que a amava dominou-me juntamente com o terror e, com ambas as emoções a arrepanharem-me o coração e fazendo que o meu sangue esfriasse e, simultaneamentte, corresse tumultuosamente, senti-me arrastado por um poder exterior a mim e para além de mim e notei que os meus olhos tornavam a incidir sobre os de Wolf Larsen, contra minha vontade. Mas ele recompusera-se. A cor dourada e as luzes brilhantes haviam desaparecido. Quando se curvou com brusquidão, para se retirar, já tinha os olhos novamente frios, cinzentos e brilhantes.
-- Tenho medo -- segredou ela, tremendo. -- Tenho tanto medo!
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, páginas 184-186
"O lobo do mar"
Jack London
Edição Livros de bolso Europa-América
Circo por miúdos, uma oficina da Nuvem Voadora
circo por miúdos - experimentar e descobrir as artes do circo from nuvem voadora on Vimeo.
nuvem voadora
nuvem voadora
clown, street theatre,circus, performance, music, cinema
clown, street theatre,circus, performance, music, cinema
CIRCO por MIÚDOS - experimentar e descobrir as artes do circo. na semana passada estivemos no AgitÁgueda com Circo por Miúdos. Circo por Miúdos é uma oficina itinerante de formação de artes do circo. Nesta actividade, as crianças, e também os seus pais, têm a oportunidade de experimentar e descobrir diferentes técnicas circenses: o trapézio, o malabarismo, o monociclo, o equilibrismo, a acrobacia, entre outras. #circopormiudos #nuvemvoadora #circo
(via LinkedIn)
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
Trio São Petersburgo
'Trio São Petersburgo'
óleo sobre tela
65cm por 81cm
2016
ZMB
Com este trabalho termino a série de óleos sobre 'Artistas de rua'
Haveria muitos mais artistas para pintar
mas estes foram aqueles de que mais gostei.
Vem agora a parte dificil:
aparecer uma galeria que aceite promover este meu trabalho.
Vamos ver como o futuro corre,
para terminar o projecto faltam só os pasteis
mas estes, juntamente com as aguarelas,
pretendo vendê-los eu próprio na rua.
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