domingo, 13 de maio de 2018

A dialéctica materialista aplicada às argolas de livros impressos

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«Pois é, Giuliani» dizia-lhe eu «tu preferes dar o dinheiro a ganhar ao dono da loja de fotocópias em vez de a quem te ajudou a fazer o livro. Foi por isso que quando tu te queixaste à frente dele que precisavas de mim para imprimir o livro, eu disse que agora o ficheiro estava nas mãos do Paulo e já não precisavas mais de mim nem da pen...»
«Sim, o que vês de mal nisso? Não me queixei, eu disse a verdade, porque estás a falar assim?», diz Giuliani.
«Sim de facto disseste uma verdade, não é mentira nenhuma, mas agora já não precisas de mim, vais à loja, falas com ele e ele imprime-te os livros, mas olha que ele é ladrão...»
E expliquei ao Giuliani que da primeira vez que ele me deu os trinta euros para eu imprimir dez livros dizendo-me para ficar com o troco e eu fui lá negociar o preço ele levou vinte e seis euros por doze livros, «vou-vos fazer um preço de amigo para vos ajudar a ganhar dinheiro e a ter dinheiro nos bolsos», disse-me ele, «da segunda vez levei-te lá e ele levou vinte e nove pelos doze mas baixou para vinte e oito porque era o dinheiro que tu tinhas, e agora desta vez que lá fui e tu me disseste para lhe dar os trinta euros por doze exemplares como agradecimento pelo seu trabalho e disseste para eu ficar com dois para mim...», continuei eu a dizer « eu pensei: imprimo dez, prescindo das duas cópias que não consigo vender e fico com os trocos, ou seja, três ou quatro euros.
«Mas sabes, Giuliani, quanto ele me ia fazer pelos dez exemplares?, ele ia-me levar vinte oito euros por dez livros! É de ladrão: da primeira vez leva vinte e seis por doze, da segunda leva vinte e nove por doze mas faz o desconto para vinte e oito e da terceira vez porque tu lhe prometeste trinta por doze e eu só queria fazer dez... ele ia-me levar vinte e oito por dez, diz lá se ele não é ladrão, além disso ele é hipócrita, diz que nos está a ajudar e  cada vez leva mais dinheiro, pelo que eu lhe disse que afinal de contas o preço de custo unitário de doze livros a trinta euros compensava em relação aos dez por vinte e oito, e prescindi de ganhar dois euros e dei-lhe os trinta euros, percebes Giuliani?, eu não me borro por dois euros, repara que acabei por só te ficar com um dos dois exemplares, eu nem os meus livros de desenhos consigo vender facilmente, quanto mais o teu livro de poemas... Por isso te digo, não era melhor estares dependente de mim do que do Paulo? Quem te garante que ele não tem um amigo que vende livros e tos imprime e os vende sem tu saberes e sem alguma vez receberes qualquer cêntimo, eu nunca faria isso, eu não ando na vida para explorar os meus amigos...»
«Oh, eu disse tudo isto porque tu disseste que ele era boa pessoa...», defende-se o Giuliani.
«Sim, ele ao início era fixe, enquanto ele imprimia e encadernava nós estávamos a conversar, e cada um falou da vida passada de cada um e falei de ti, que és um poeta um pouco nas margens mas já não um marginal semântico, que vivias com dificuldades económicas mas que tens muito valor, que começaste a escrever poesia de intervenção ainda antes do Vinte e Cinco de Abril, e também que não te soubeste cuidar. Mas isto foi ao início, olha mais um pormenor: ele ao início estava a levar um euro e vinte e cinco pelas argolas e agora já as fazia por um euro e cinquenta e cinco, ora em dez argolas, já são três euros a mais. E não é só isso, ele não gosta das pessoas como nós...»
«Sim eu sei, ele é um pouco matarruano»
«É, ele ainda há dias estava a falar mal dos ciganos, a dizer que recebem o rendimento mínimo e não querem trabalhar, ele se soubesse que aqui todos nós nenhum de nós trabalha para um patrão, e portanto, no sentido cigano, também não trabalhamos e ainda recebemos prestações sociais de invalidez ou erre-esse-is... ah outra coisa, nunca lhe digas que fumas ganza, ele disse um dia que não dava dinheiro para a droga, eu por mim nunca mais lá vou, vou começar a ir a outra papelaria pagar as minhas contas.»
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Claudio Mur

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