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-- Foi quando eu tirei o blusão que ele saiu disparado.
-- E você ficou fazendo lá?
-- Ora fiquei vendo televisão.
-- Claro que ele gosta ainda de ti, apesar do que ele te fez, tu teres-te oferecido para o acompanhar à cirurgia marcada no hospital tocou nele fundo, ele pensou: apesar de ela só ter ido embora porque eu mandei, mesmo assim ela pensa em me ajudar...
-- Noto aí nas suas palavras um certo ciúme...
-- Ciúme não, eu sei qual o seu trabalho, você gosta de ajudar os idosos e você não esquece quem cuidou de si nestes dois anos.
-- Ele não cuidou de mim.
-- Cuidou sim, você viveu lá, partilharam tudo, você abandonou os antigos amigos que só queriam brincar na areia e você fez isso por causa dele. Agora também sei que ele te pôs fora a meio da noite e você ficou na paragem do metro até eu atender de manhã a tua chamada, e da segunda vez te deu um prazo de quinze dias para sair, já foi mais humano, quinze dias é um minimo, já se consegue um pouco de ar para respirar, e você disse: fizeste uma vez, fizeste duas e agora não há volta a dar, e é por isso que ele te liga a chatear, é porque é casmurro e só vê em frente, ele diz apesar de tudo o que fiz e quando não bebes és uma santa, mas ele sabe, ele não consegue admitir que não respeitou a tua dignidade e te deixou de pijama e chinelos na rua às quatro da manhã, é como diz a canção: os homens só gostam da mulher depois de as mandarem embora, onde está a minha sopa, a minha cantadora de novidades, a minha cerveja, a minha saudade?
-- Ah já te falei que podia estar hoje no Japão casada, ele falava e eu não entendia uma grama, mas a minha mãe não deixou...
-- E que ia você fazer no Japão, tu lá não tinhas com quem falar.
-- Ora aprendia...
-- E depois ele chateava-se contigo e fazia de ti sushi, pegava nesta bela perna e pendurava no talho.
-- Puxa, você parece a minha mãe! Já te contei que tive um namorado filipino.
-- Contaste-me dum coreano...
-- Mas também tive um filipino.
-- É, eu também vou agora falar dos meus amores. Já te contei daquela que apareceu lá no cais?, senhora de vison de setenta anos na cédula, a dizer que sabia de um sítio onde eu podia expor de graça, e eu claro fiquei logo interessado, e lá fui com ela a pé, meia hora a subir o monte e ela a dizer: quando me levares a passear, e depois chegámos lá, e apresentou-me o filho com umas trombas que me disse: são cinquenta euros por semana, e eu tomei nota, pedi para me escreverem o telefone no papel, e despedi-me, apertei-lhe a mão, saí, deitei o papel fora e nunca mais a vi.
-- Olha pois devia ter aceitado.
-- Para quê, para ela me bancar como vocês dizem, para ter jantar pago, umas bebidas e um charros de graça, talvez até renda de apartamento para a madame me visitar? Se ainda fosse bonita e da minha idade, ela me bancava e eu bancava ela.
-- Então quer dizer que para o Acá eu fui um troféu.
-- Sabes que foste o que os portugueses chamam de a brasileira, o estereótipo sabes, para muitos de nós vocês só servem para a limpeza ou para a cama. E tu és mais nova, quase filha, os velhos gostam de novidade, mas as velhas também, olha o caso que te contei, ela queria me enganar...
-- Virge!
-- E ainda não te contei da doida nossa amiga, essa queria roubar-me de ti, engraçado que só me compra quadros quando eu digo que estou chateado contigo e que não temos falado, olha este último que continua aqui, pagou e ainda não o veio buscar nem sei morada para enviar, essa é rica, não dá valor ao dinheiro, não precisa de trabalhar, anda por aí, não estás lembrada do filme que ela fez quando ela nos conheceu?, interrompeu a sessão de poesia para falar connosco, fez-se nossa amiga, disse que me ia organizar uma exposição de aguarelas e tal, e depois quando uma vez nós já não nos víamos ela comprou-me um quadro, até parece que só compra quando nós não estamos juntos, é para me comprar, até dançou para mim...
-- E dançou bem? Você gostou?
-- De nada, bocejei, ela fez cara feia e depois trouxe-me a casa, cheio de sono e de seca, ainda tentei que ela entrasse, mas ela fugiu, viu que eu não me sentia atraído por ela. Não és só tu que tens ou tiveste pretendentes.
-- Muito você me conta.
-- Agora vou fazer este, foi o nosso amigo que arranjou, é bom.
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Claudio Mur
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