Hoje, escrevo a esta hora da manhã porque estou sem sono, recebi no autocarro há meia hora um telefonema do meu último vizinho em Derza, ele perguntando como fazia eu para pagar a conta da luz, expliquei e aproveitei para lhe perguntar por um quadro em pano cru: O Aprendiz, não o encontro comigo aqui e talvez o tenha deixado lá na mudança, ele confirmou que eu o deixei mas não garante que ele, quadro, ainda exista, após a minha saída o quarto recebeu obras e agora está ocupado por um casal de activistas trans, ele disse que ia ver e que depois informa, tentei saber de um burrofone Nokia que também me falta mas ele não se recorda.
Enfim, se não me avisaram até agora, e já passaram quase dois meses, que lá deixei um quadro na parede, também deram sumiço no burrofone que já funcionava mal nem tinha cartão sim, mas tinha mensagens e números de telefone e era ainda um gravador de áudio, dava jeito não o ter perdido, ocorre-me que ainda não verifiquei todos os bolsos dos vários sacos de viagem, quem dera que lá estivesse, talvez sim talvez não, senão mais um dano colateral da década em Derza, a saber: um minidisk, uma máquina fotográfica, um caderno A4 inteiro com desenhos a pastel, um computador, tudo roubado, e agora, mais um telemóvel e um quadro em pano cru, roubado ou desaparecido: kill yr ídolos, rob them, mata os ídolos e rouba-lhes a glória, era a juventude e a sua ideia, quando novo alguém até me contou que apalpou os guizos do Burroughs velho em A'dam quando ele lá ia abastecer. Agora, mais velho, verifico que já me estou tornando um ídolo, ou pelo menos um trouxa com alguns valores mobiliários apetecíveis para serem esmifrados, sinal dos tempos: de miúdo de rua a tio na mata: mudei mesmo de vida.
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Claudio Mur
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