Há coisas das quais me arrependo. Estando mentalmente estabilizado é-me difícil hoje aceitar alguns erros do passado. Estive doente e isso tira apenas alguma culpa. Quando uma pessoa está louca mesmo que seja ateia, essa pessoa sente-se omnipotente, em ligação directa com o mundo, sente-se criador de opinião pública, sente-se deus e reage como se fosse dono do mundo, como se fosse deus e se deus é fascista o louco torna-se fascista e todo o fascista é violento. A minha violência mostrou-se nas palavras que expeli contra os mais próximos de mim: pai, mãe, irmãs e cunhados; mas também contra antigos amigos e antigas namoradas. Os únicos que ficaram foram a família, os restantes desapareceram, tem a doença culpa do que eu fiz ou a doença revelou a minha maldade?
Vem tudo isto a propósito de me estar a lembrar que uma vez um amigo ao telefone disse-me que a sua mãe tinha morrido e eu, parece-me hoje, caguei de alto nos pêsames inflingindo mal ao meu amigo e, anos mais tarde num ataque virulento meu contra ele eu escrevi online: tu mataste a tua mãe!
Lembro-me disto porque são hoje os tempos em que sinto que a minha mãe está a entrar nos últimos anos de vida devido aos diabetes e a um avc que teve há uns anos e cujas sequelas começam a aparecer, e eu penso que estou a contribuir para o seu fim, agora que voltei para casa. Ela ouve mal e temos de lhe falar alto, temos de lhe dizer que agora somos nós que temos de tratar dela e não ser ela que trata de mim. Quando eu morava longe de casa, quase não sabia do que se passava. Voltei para a casa familiar e foi como se o menino tivesse voltado ao berço. A minha mãe torna-se quase chata, ainda estou a mastigar o almoço e já me está a sugerir comer um figo, uma fatia de melão, um cacho de uvas, comer, comer, comer, sempre a preocupação com que o filho coma porque enquanto esteve longe, o filho não comeu. E agora, a mãe vem carregada com sacos da frutaria para que o filho coma e como o filho não come, come ela para a fruta não apodrecer e ir para o lixo. Come ela, a fruta tem açúcar e aumentam os diabetes, o sol do meio-dia, os problemas da ciática, o saco das compras fizeram com que, em duas semanas, a minha mãe tivesse caído duas vezes na rua. Por sorte, não partiu nenhuum osso, hoje na urgência fizeram-lhe exames, disseram-lhe que os diabetes estão descontrolados, a minha mãe confessou que a médica de família na última consulta lhe dissera para parar com a medicação anti-diabética com o argumento de que os diabetes da minha mãe estão controlados.
Eu respondi: -- Mãe, é como a minha medicação anti-psicótica. Eu estou bem porque tomo a medicação. Se não tomar pioro. A tua médica procedeu mal.
E estamos nisto, e a culpa é de quem? Do doente, do médico ou da doença?
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