quinta-feira, 18 de abril de 2024

Boicotar as multinacionais, comprar no vizinho, não dar dinheiro ao capital

Tenho a voz repleta de mortos.
Amontoam-se em mim, sou um cemitério.
Tenho a voz repleta de medo.
Entre mortos e medo nada mais resta da vida.
Os jornais fuzilam-me ao pequeno-almoço 
e o pão sabe a escárnio.
O mundo é um álbum necrófilo 
que folheio página a página.
Entre rostos de órfãos 
e fachadas de hospitais 
os dias deixam detritos como impressões digitais.

O que devo fazer?

Héctor Yánover 
em "Por alguma razão, antologia de poesia argentina", página 64

Tradução de Hugo Miguel Santos 
Edição Contracapa


quarta-feira, 17 de abril de 2024

Cegos sem alma

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A festa continuava desconjuntada. Até naquele pátio das traseiras a cair aos bocados havia zonas de gueto e zonas de Malibu e Beverly Hills. Por exemplo, os mais bem-vestidos, os que tinham roupa de marca, agrupavam-se. Cada qual reconhecia os seus congéneres, e não se mostrava minimamente inclinado a misturar-se. Admirei-me de alguns deles se terem disposto a vir a um gueto de Venice. Talvez achassem que era chique. Está claro que o que metia mais nojo era o facto de a parte correspondente aos ricos e famosos ser correspondente, por natureza, a cabras e filhos-da-mãe imbecis. Ou então enriqueciam à custa da estupidez do público em geral. Tinham simplesmente tido a sorte de lhes cair uma fortuna do céu. A maioria era completamente desprovida de talento, uns cegos sem alma, não passavam de montes de esterco ambulantes, mas, aos olhos do público, eram uns deuses, belos e venerados. O mau gosto cria muito mais milionários que o bom gosto. No final, tudo se resume a quem conquista mais votos. Em terra de toupeiras, a toupeira é rei. Então, alguém merecia alguma coisa? Ninguém merecia nada...

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Charles Bukowski em «Hollywood» página 131

edição Alfaguara