domingo, 31 de dezembro de 2023

A NOITE DO MEU BEM - Dolores Duran, Estrella Morente, Tom Zé



Hoje eu quero a rosa mais linda que houver E a primeira estrela que vier Para enfeitar a noite do meu bem Hoje eu quero paz de criança dormindo E abandono de flores se abrindo Para enfeitar a noite do meu bem Quero a alegria de um barco voltando Quero ternura de irmãos se encontrando Para enfeitar a noite do meu bem Ah! eu quero o amor, o amor mais profundo Eu quero toda beleza do mundo Para enfeitar a noite do meu bem Ah! como este bem demorou a chegar Eu já nem sei se terei no olhar Toda pureza que eu quero lhe dar









Dark Love Songs

 


"Song To The Siren" - This Mortal Coil, 1983. Long afloat on shipless oceans I did all my best to smile 'Til your singing eyes and fingers Drew me loving to your isle And you sang: "Sail to me, sail to me, let me enfold you Here I am, here I am waiting to hold you" Did I dream you dreamed about me? Were you hare when I was fox Now my foolish boat is leaning Broken lovelorn on your rocks For you sing: "Touch me not, touch me not, come back tomorrow O my heart, O my heart shies from the sorrow" I'm as puzzled as the new born child I'm as troubled as the tide: Should I stand amid the breakers Or should I lie with death my bride? Hear me sing: "Swim to me, swim to me, let me enfold you Here I am, here I am, waiting to hold you"





Now you see why I'm not scared to die I saw a vision of an angel of the world lay down and die The earth is full of ghosts now Ghosts that sweat and ghosts that cry Instead of peace just stop and cease A final end, a sweet release Language of love is language of liars The flames of all love become funeral pyres Smoke gets in your eyes and grown men cry I see young men led to an early grave and old men pray to die The earth is full of ghosts now Ghosts that sweat and ghosts that cry Instead of peace just stop and cease A final end, a sweet release The shipwreck to the shore From the client to the whore From the shadow to the sun From the bullet to the gun The earth is full of ghosts now Ghosts that sweat and ghosts that cry Instead of peace just stop and cease A final end, a sweet release The moment you discover that your killer is your lover I kill all that I love, I just destroy what I become The earth is full of ghosts now Ghosts that sweat and ghosts that cry Instead of peace just stop and cease A final end, a sweet release


quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Apresento-vos um velho defunto e careta chamado Sousa

"

 O golpe

Descobri na minha prima uma atenção e uma disponibilidade para comigo falar. Com ela, consigo falar sem receio da minha vida e na minha família foi a primeira a saber que a Raíssa e eu tínhamos já desde o ano passado planos para vivermos juntos. Descobri igualmente que ela gosta de ler os meus textos, até agradeceu eu dar a conhecer a minha vida aos demais. Para ela é importante que o primo esteja bem mentalmente e que esteja seguro e bem acompanhado. Não julga o meu comportamento mas dá a sua opinião e faz as perguntas que acha necessárias à compreensão do que eu lhe conto.

Diz-me ela acerca das minhas férias com a Raíssa:

Continuas bem na companhia da tua amiga. E também ela está a adaptar-se a uma nova forma de vida. Curiosos os episódios provocadores dos dois homens com a tua Raíssa na estação. O povo do Porto ou é muito desbocado ou a beleza dessa menina deslumbra de tal modo que, em vez de receber uns belos piropos e elogios, acolhe propostas deselegantes e mal intencionadas?

Enfim, primo, muitas coisas giram ao contrário e muitos doidos constroem uma cidade. Continua com a tua escrita e vai dando notícias, ok?

Beijinhos e saúde

Eu respondo-lhe que a minha amiga tem muito carisma e que os palhaços destas bandas gostam de comprar o carisma.

Esta troca de palavras seria impossível com os meus pais ou as minhas irmãs, já os meus cunhados olhariam de lado, tossiriam, tiravam mais um bife grelhado da travessa para o prato e talvez pusessem um pouco de molho em cima. Isto ou diriam de gás o que lhes vai na alma porque, quando se trata de desconsiderar o familiar que não foi humilde quando o quiseram ajudar sem ele pedir, dizem sem filtros:

— O que se pode esperar de uma sopeira? É burra!

Pois é minha prima leitora, tu que me ouves de bom coração e que eu não quero perder como amiga de sangue, tu de quem ocasionais leitoras dos meus textos disseram seres tu uma heroína e me aconselharam a manter por ti o carinho que não fui capaz de manter com elas, a ti digo: este familiar que disse a frase em cima referia-se à minha antiga companheira. Ele foi naquele momento a voz da minha família, apenas a minha irmã lhe disse para não falar assim. Eu fiz cara feia e calei-me. Já me tinha separado há dois ou três anos dessa minha companheira, e já não havia honra a defender, eles nunca gostaram dela mas faziam todos jogo duplo: quando eu me chateava com ela e apanhava o autocarro para vir dormir em minha casa, quando chegava a casa já toda a gente sabia da chatice, nunca deram importância aos meus sentimentos, para eles eu era apenas o irmão, cunhado e filho que tinha saído de um internamento psiquiátrico e que conhecera uma mulher, com a qual renegava a sua própria família pois vivia mais em casa dela que na sua, e a quem tratava mal. Como ela chorava muito e chorava porque pedia e eu dizia que não dava, porque não queria ou não podia, ela chorava e dizia que eu não gostava dela e que tinha outra, era nesta altura que eu me vinha embora para casa da mamã e do papá, e chegava e a mamã já sabia de tudo, já tinha até prometido dar à minha companheira o que ela me tinha pedido a mim. Era este o jogo-duplo: iam fazendo caridade com ela porque eu era mau com ela ao que parece, fazia-a chorar e três mulheres na minha casa não gostavam de ver uma mulher chorar, eu sabia que a estavam a estragar, a dar-lhe mimo e a fazer-lhe ver que a preguiça compensa, tanto é que deixou de trabalhar e foi relaxando a procura de nova ocupação, se eu não lhe dava a minha mãe dava por mim porque ela dizia-lhe «ai dona eu gosto muito do seu filho». As minhas irmãs tinham-lhe tirado a pinta e só não mo diziam por causa da solidariedade feminina e para os meus cunhados ela era apenas uma sopeira que de facto gostava de mim. Quer dizer, amou-me nos primeiros meses e eu amei-a e, depois, quando vieram as contas para pagar e eu começo a ter de arranjar um emprego e acabo a perdê-lo porque ela me liga a cada cinco minutos se eu não atender a sua chamada em local de trabalho... é natural que eu comece a gostar menos dela e a olhá-la de um modo diferente, para ela eu tenho logo outra saia de roda. E começa o loop: zanga, autocarro, casa da mamã, conversa com a mãe anunciando o fim, duas semanas de intervalo, saudades, ela que sabe como me cativar cativa-me, casa da companheira, cama e paz feita.

Foi assim durante alguns anos, eu às vezes chegava a pensar que a única coisa de bom que o Estaline fez foi fazer planeamento a cinco anos, dizia eu rindo para mim: Estou num plano quinquenal com a Sanea, e ou vai ou racha.

Rachou porque a Sanea se tornou estúpida. Ela nunca foi burra. Ela era uma mulher activa, sabia trabalhar, era mulher oficial de limpeza em várias empresas de trabalho temporário, fazia umas horas aqui num banco, ali num escritório, acolá numa escola. Desleixou-se porque achou que não precisava, ou eu ou a minha minha dava-lhe, só precisava do pitch certo de voz e da lágrima pronta. Acontece que a minha mãe se fartou, a minha mãe começou a ver que não era o seu próprio filho que procedia mal e negou-lhe, a Sanea, ajuda. Ela passou-se dos carretos e insultou toda a minha família. E eu só tive uma coisa a fazer: saí do quarto que partilhava com a Sanea nessa tarde e liguei ao meu pai, pedi-lhe que mudasse o número de telefone da minha mãe e que eu ia arranjar um novo quarto para mim, a Sanea seria passado para mim. Demorei três dias a deixar Sanea para sempre: eu defendo as mulheres que amo mas se elas não me respeitam ou faltam ao respeito à minha mãe e restante família só porque se lembram... isso é o fim de tudo.

Serve tudo isto para comparar o passado com o presente e digo-te prima, para que eu próprio me estruture e, ao escrever, vá pensando no assunto e comece a tirar conclusões e futuras acções. Não o escrevo para me queixar e passar o problema para quem me lê, já não quero matar o leitor, quero procurar o caminho escrevendo-lhe os sobressaltos, as pedras nas quais tropeço, os autocarros nos quais entro, às vezes está-se na paragem e entra-se distraído no primeiro que aparece e, mesmo indo dar ao local errado na hora errada, consigo tirar prazer do amor que conheci nessa viagem. Foi assim com Sanea, é assim com a Raíssa com a qual viajo de vacanças neste momento. É Domingo à tarde. Raíssa vai sair para ir à Vendana falar com o Cá sobre a venda do carro que ele lhe ofereceu. Ela quer vender o carro porque quer voltar para o Brasil. Tem falado com a mãe pela videochamada e esta disse-lhe que conhece uma pessoa num hospital lá na terra dela que lhe arranja um lugar de assistente de enfermagem.

— É tudo o que eu quero, voltar para o pé da minha família, arranjar um emprego na área que gosto, renovar a carta de condução, vou dizer àquele estrupício que quero vender o carro porque ele, Cá, nem me deu tempo de o conduzir porque a minha carta de condução precisa de ser renovada, e eu sei o que ele passou para me oferecer o carro, mas ele fez-me mal, e ainda agora, quando fala comigo, fala sempre com um tijolo na mão.

— Ele fala assim mas ele ainda gosta de ti.

Digo eu e venho para o meu quarto. Raíssa tem o hábito de comer na cama. Sou eu que cozinho para os dois e como sozinho na sala. Ela está ocupada a usufruir da minha internet e a ver o seu filme de terror em dobragem de voz brasileira, às vezes nem sabe o nome dos filmes, e as vozes são irreais, os filmes não ficam atrás, terror ou suspense e tudo o que meta medo e crime, já vi com ela um tubarão de cinco cabeças abocanhar os veraneantes num iate, e se não tivesse visto as cinco cabeças do tubarão não imaginaria que algum guionista o pudesse inventar. Por isso como sozinho e ela quando tem fome, levanta-se e vai aquecer o taparuere, volta para a cama e come. Depois volta ao filme, ou ao face ou ao jogo de telemóvel. Não tenho televisão para ela ver a tevê brasileira mas ela vê tudo online. E eu como sozinho e começo nestas vacanças a sentir alguma frustração: afinal estou a viver na mesma casa com uma mulher, que abriguei num momento em que ela não tinha onde dormir, e ela só dorme, come, fuma, vê computador ou telemóvel, nem novo emprego procura e comigo pouco fala! Tem uma lista de números há duas semanas em cima da mesa de cabeceira, números para ligar para emprego e ligou uma vez e disseram-lhe que só no dia seguinte lhe davam a resposta e no dia seguinte não lhe deram resposta nenhuma e os outros números continuam sem ser marcados há duas semanas porque ela está indignada porque a doutora da empresa não lhe respondeu? E os dias passam e ela sem ser activa, fazendo durar o dia, dourar a pílula, amanhã, não me pressione, olhe, quero fazer o anúncio de venda do carro, quero imprimir este leãozinho, ponho o ano, e em baixo: Vende-se, mais o número para me ligarem.

Eu penso: atão, tu vais pôr o carro que o Cá te deu à venda, vais retirar o carro da garagem dele e colocá-lo junto ao café que ele frequenta com um cartão dizendo Vende-se. Um carro sem seguro. Boa sorte e boa lata a tua, penso eu, mas tu precisas de dinheiro para a viagem de avião, eu compreendo, bem dizes tu que a tua mãe está a fazer das tripas coração para falar com o prefeito lá do sítio e ele te pagar a viagem de regresso, mas tu tens que esquecer enviar a televisão e o sistema de som que te ficou do divórcio com o imperador, só em correio gastavas um balúrdio, tens ao menos a caixa da televisão?

— Eu arranjo, me acompanhas ao metro?

— Sim, vê se trazes uma mala com mais roupa, aqui em casa cabe mais uma mala, a outra roupa que falta metes nas duas malas que tens e combinas com a Fa, pois ela disse que as guardava lá no sótão do trabalho dela.

— Tá ok.

Despeço-me dela e venho para casa. Hoje estou com vontade de pintar. Comecei um novo quadro baseado num desenho ao qual chamei de Al Capone. Este desenho foi um desafio que me fizeram há anos, prova-me que sabes desenhar e desenha o Al Capone. Eu desenhei, mostrei e fui recompensado com uma pedra de ganza da boa, gostaram do desenho e, não o querendo comprar, deram-me ganza e pagaram-me o café, reconheceram desta maneira o meu valor nesse desenho. Neste desenho que estou a transpor para tela. Para o Al Capone de chapéu, fumando charuto e bebendo uísque, para o vice que lhe lê as notícias no jornal, para o homem dos livros que lhe faz as contas e as regista e também para aquele que conta o dinheiro.

Com tudo isto, vou pensando: logo à noite, ligo à minha mãe para ela tentar saber porque razão a Raíssa só está a receber setenta e quatro euros de rsi, mesmo não tendo bens e vivendo de favor em casa do Cá que a acolheu na Vendana após o divórcio, e agora comigo porque ele fartou-se de ela não lhe dar cona, e eu a acolhi.

— É como te digo, mãe, eu acolhi-a por caridade, ela estava para ficar na rua, e eu já a conheço há mais de quatro anos, e ela é minha amiga, carinhosa, não me grita, dá-me alegria.

— Ela sabe fazer pataniscas?

— Sabe sabe, minto eu mas digo a seguir a verdade: olha hoje Domingo, estivemos a fazer limpeza, a casa agora está um brinco, o senhorio aumentou-nos a renda em sessenta euros e quem cozinha arroz para um cozinha para dois, quem come dois pedaços de frango come só um...

— Não é bem assim mas tu é que sabes. Eu amanhã de manhã ligo para uma colega da segurança social, dou os dados dela e tento saber o porquê e se ela pode reclamar para vir receber o valor normal de rsi: os 189 euros ou lá quanto é...

— Está bem mãe, obrigado, depois se for preciso ela ir falar com alguém à segurança social, se for preciso, eu vou mesmo com ela.

— Está bem, até amanhã.

— Até amanhã mãe.

Desligo e Raíssa fala:

— Que é isso das pataniscas, que é isso?

— É como rissol, é bacalhau em vez de carne e com ovo e farinha.

— Mas eu não sei fazer isso não!

— Eu disse isso a ela, mas nem sei porque ela se lembrou das pataniscas, ela não te conhece, deve ser a desconfiança de mãe com nora.

E venho para o meu quarto, estou aborrecido com Raíssa, porque ela não pôs anúncio de Vende-se Carro nenhum quando foi esta tarde à Vendana, não trouxe mala nenhuma de casa do Cá, esteve de conversa furada em troca de galhardetes, ele disse que ela era uma tristeza e ainda lhe ofereceu um maço de cigarros fajuto. Para complicar a minha disposição, ela pediu-me para comprar ganza para ela e não quis comprar a meias comigo, deu-me um charro e eu disse: isto fuma-se e depois não há mais.

Mas não disse nada, fumei o seu presente e deitei-me a dormir.

De manhã, acordo e vou levantar dinheiro e compro a minha dose. Venho para casa. Ela continua a dormir. São duas da tarde. A minha mãe liga.

Diz que falou com a colega, que lhe disse que ela está a receber normalmente e que o seu processo está a ser gerido pela assistente social na Rua da Esperança, nº 87, e que não é possível fazer marcação por causa da Covid, mais vale irem lá directamente informarem-se, toma nota do nome da assistente social, olha que fecha às quatro!

— Está bem, obrigado mãe, mas o que é isso de receber normal? É normal isso de só receber setenta e quatro euros?

— A minha colega não deu pormenores, aponta o nome.

— Está bem mãe, obrigado.

Desligo. Raíssa continua a dormir. Não me apetece pintar, tenho de ir comprar mortalhas, tenho de ir ao talho, decido ir à Rua da Esperança fazer uma marcação para a Raíssa lá ir nos próximos dias. Estou-me a sentir um nabo, eu a trabalhar para ela e ela a dormir. E o que ela me é?, apenas uma amiga, já me deu cama mas há muito que isso passou para segundo plano, é certo que agora não me dá nada, nem eu peço. Gosto da sua companhia aqui em casa, ela distrai-me dos problemas com os vizinhos aqui na ilha. Mas vê só: tu a trabalhar para ela e ela a dormir. Vou lá e venho e ela a dormir.

Chego à Rua da Esperança às três e meia. Falo com a segurança, pergunto-lhe se é possível fazer uma marcação para uma amiga por causa do rsi, digo-lhe que a minha mãe já trabalhou na SS e que me conseguiu fazer saber o nome da assistente social da Raíssa e quando ela poderia vir falar com ela para perguntar os seus porquês e reclamar pelo aumento da prestação social. Ela dá-me os números de telefone directos mas diz que a telefonista está de férias, diz que a Raíssa pode vir cá na próxima Segunda, o dia em que a assistente retorna de férias.

Eu agradeço e venho-me embora mais contente. Agora só falta comprar mortalhas no sítio habitual.

Depois de sair da tabacaria e quase a chegar ao talho, a minha mãe telefona-me, diz-me que uma colega da SS lhe ligou a propósito de um socorrido da minha mãe na paróquia, porque a minha mãe embora reformada da SS faz trabalho social de apoio ao pobres da paróquia e, às vezes, as técnicas da Segurança Social telefonam-lhe, a minha mãe faz a ponte entre a SS e os pobres, agiliza pagamentos de rendas e de água e luz, vales de compras e outros apoios. Diz-me ela enquanto eu caminho para o talho:

— Essa colega estava a pedir-me um favor e eu voltei a falar sobre o caso da tua amiga, ela disse-me que a colega de manhã também lhe podia ter dito mas que não viu com cuidado a informação. Sim senhora, está a morar na rua tal na Vendana mas está a receber o valor correcto desde Fevereiro. E como ela mudou a morada para lá, o seu processo já não está na assistente da Rua da Esperança, ela está agora sem assistente social atribuída, por causa das complicações da covid, ela mais dia menos dia recebe uma convocatória.

— Mãe, como ela se divorciou em Dezembro... e depois mudou a morada para a Vendana, é possível que ela esteja a receber em duas contas diferentes, só pela hipótese de a conta ainda estar conjunta com o ex-marido, por erro do sistema informático ou coisa qualquer do género?

— Não, esta colega com quem eu falei agora à tarde diz que não, ela recebe certo desde Fevereiro. Agora tu vê lá, já foste enganado no passado...

— Obrigado mãe, eu resolvo.

Desligo e continuo o caminho para o talho. Chego à porta. Pergunto se posso e dizem para eu entrar. Peço dois frangos cortados aos bocadinhos. Pago cinco euros e cinquenta. Caminho para casa a pensar: então, ela enganou-me este tempo todo, mostrou o papel em como recebia setenta e quatro mas esse papel tem a data de Novembro. E ela fez a reclamação e recebe o valor correcto desde Fevereiro. Enganou o Cá que desconfiava que ela recebia mais do que o que dizia, mostrou-lhe o papel para provar e a mim disse-me que só me podia dar trinta euros para ajuda da renda, e eu a bancar comida, tabaco, cerveja uma vez por semana porque ela tem bebido pouco, e mais ganza, e a ajudá-la a escrever a reclamação para a multa do transporte público... e ela a receber cento e oitenta e nove, com dinheiro para pagar vinte euros de passe social de transporte público e não ter mais problemas com os fiscais, quando chegar a casa vou confrontá-la!

Digo-lhe tudo isto e mais, digo-lhe: — Eu não te pedi vida de cama, só te pedi alegria, companhia e sinceridade e tu mentiste-me, pedi-te quarenta euros por causa do aumento de renda e tu disseste que só podias dar trinta, e eu perdoei-te as dívidas anteriores, não te cobro nada pela água e a luz e tu afinal estás a receber a totalidade, não há nada a reclamar na SS. No próximo dia 23, vais-me dar sessenta euros de renda mais dez para a água e a luz. Concordas?

— Então eu vou ver se arranjo um sítio para eu me ficar.

— Pois vê se arranjas, e vê se arranjas antes de o senhorio aparecer. Podes sempre dar-me mais quarenta por este mês que passou e eu passo um pano no assunto e esqueço tudo, e no dia 23 pagas os setenta, tu só entendes a lei da bala!

Como ela não responde e continua no jogo decidida a ignorar o problema, pensando que eu mudo de ideias e não irei fazer um acto de descaridade, venho para o meu quarto e desligo o hotspot de internet. Assim, ela sem o jogo no telemóvel, sem o filme no computador e sem televisão para assistir, fuma um cigarro, fuma dois e começa a achar a situação pouco confortável, enquanto eu volto ao quadro do Al Capone para pintar um pouco mais e fazer um compasso de espera, ela acaba por dizer:

— Ainda comigo ao multibanco.

Saímos, ela na caixa do banco retira a consulta de movimentos, tem um saldo de dezoito euros e nos dez movimentos registados no papel, verifica-se que gastou quase duzentos euros.

— Como vês tens saldo.

— Eu nunca fiz uma consulta destas, não sabia...

— E não reparavas no dinheiro que levantavas?, pensas que caía do céu?

— Eu apenas levantava.

Eu nada digo. A Sanea era estúpida mas não burra. A Raíssa é burra e não estúpida. Ou tentou enrolar-me ou então é mesmo inocente. Deve mesmo ter pensado que o dinheiro lhe crescia na conta como no tempo do marido imperador e em que o banco tinha um fundo sem fim.

Ela agora diz que vai à Vendana falar com o Cá.

— Não tragas mala nenhuma. Quero uma resposta às minhas condições até amanhã à noite.

Ela não responde e dirige-se para a estação de metro e eu venho para casa. Venho procurar na internet novo alojamento para mim. Estou farto. A renda tornou-se cara. Preciso de novas pessoas. Antes fosse ela estar a mentir e saber que recebia já a totalidade do rsi, e não ser uma inocente que levanta dinheiro sem saber donde ele nasce, sem dar valor ao dinheiro e só se preocupar com alguma coisa a meio do mês, às vezes ao fim da primeira semana, quando a nascente seca por excesso de vasilhame enchido. Antes ela fosse mentirosa e não burra que não sabe a quantas anda. Ando eu a tentar ajudar uma pessoa, a tentar levantá-la do chão e todo o esforço é para nada, é em vão.

Mas uma questão fica: eu sempre disse aos vizinhos e ao Giuliani que a Raíssa era e é apenas minha amiga e nem lhes disse, apenas o senhorio sabe, que ela está há mais de um mês a viver de facto aqui, e apesar de não haver cama e ela ser uma amiga pela qual tenho carinho e alguma amizade e companheirismo de jornadas de diversão à noite... perco-me... tudo isto pensado não sei no que prefiro acreditar, se ela sabia e deu o golpe ou se foi apenas sempre burra e inocente. Se ela fosse simplesmente mentirosa, aí eu tinha algo que odiar. Se for apenas uma gaja a ficar lélé, aqui eu começo a ter desamor e a desprezar.

Quando venho da estação de metro onde a deixei, no caminho encontro o Nuno. Ele vem na minha direcção junto com um jovem da sua idade, devem vir da praia porque vêm em tronco nu. Ao cruzar-me com eles, olho-o nos olhos e digo:

— Atão Nuno, estás bom?

— Ah olá tu és o Sousa não és?

— Sim sou eu. Então está tudo bem?

— Sim olha tenho uma filha, deixa-me mostrar-te a foto. Tem três meses. Vives aqui?

— Sim, moro perto. E tu?

— Moro com o meu pai aqui perto no bairro, ele está tão chatinho...

— Mas ele está bem?

— Sim, fez um transplante renal.

— Olha tudo de bom para vocês e diz ao teu pai que está tudo bem entre nós.

— Sim, tu tinhas umas questões com ele...

— Mas é passado, diz-lhe que está tudo bem, abraço.

— Aperta aí!

Despeço-me do Nuno e ao chegar a casa são sete da tarde, ponho a tocar no computador uma lenda do funana: Bitori de Cabo Verde. Fumo um charro. Penso em Raíssa e no que fazer com ela se ela não aceitar as minhas condições e ao mesmo tempo não sair daqui, ser essa a resposta que ela me vai dar amanhã, porque já sei que ela não vem dormir a casa, ela não gostou das minhas palavras e no entanto acredito que ela me compreende, foi a nossa segunda discussão em mais de um mês de convívio, na primeira acusei-a de ser como eu: um bicho do mato e que era natural que eu agora estivesse mudado, afinal deixei de ser o amigo Ru com quem ela vinha divertir-se bebendo, fumando, ouvindo música e esquecendo primeiro o imperador e depois o Cá. Eu deixei de ser esse amigo colorido chamado Ru para voltar a ser o salvador de mulheres perdidas e abandonadas chamado Sousa, o Sousa que resgatou Sanea da violência doméstica, o Sousa que abriga Raíssa. Se ela quiser ficar sem aceitar os meus termos eu forço a saída daqui. Digo ao senhorio e saio quando arranjar sítio para mim e ela sai comigo mas não vai comigo. Dir-lhe-ei adeus.

Vou jantar e depois tomo um café, passo mais de uma hora a procurar na net quartos, ligo para dois dos mais baratos, dizem-me que já estão alugados, a três outros envio mensagem com pedido de informação por email.

É só esperar. Fumo mais um charro, saio para o café e ela telefona-me às nove da noite estou eu já no café a ver um filme do Dirty Harry:

— Olá

— Olá

— Olhe, está ficando tarde para eu entrar em casa, a Fa me ligou, vou até lá.

— Como correu na Vendana?

— O mesmo, continua tudo igual.

— Onde vais dormir hoje.

— Não sei. Amanhã eu te ligo.

Digo está bem e desligo.

O Te fala-me que a bófia fez o café na semana passada. Entraram três paisanos e perguntaram à empregada se ele, T com cadastro mas limpo actualmente, vende droga no café. O Te diz que a empregada disse-lhes que não se apercebera de nada, mas nada disse ao Te, informou a patroa e foi ela que disse ao Te.

— Eles andam aí, andam a estudar os locais, andam investigar as pessoas, mesmo a mim que tento hoje ajudar toda a gente e quando precisei ninguém me ajudou.

— Tens razão Te. Olha vou até casa, boa noite.

Ao chegar a casa, reparo que não tenho sono. Decido escrever uma carta por email à minha prima, estruturando a história deste período de férias e o clímax a que se chegou. Quando termino, revejo rapidamente, altero algumas coisas elucidando aqui e ali e envio. Ainda assim, o sono não chega. É agora uma da manhã. Ponho na rádio clássica mas uso a rádio online porque o meu rádio-leitor de cedês avariou e agora só posso ouvir rádio pela net e cedês no leitor do computador. Vejo as notícias dos jornais online. Ouço um programa de jazz e decido ler para ganhar sono, vou buscar à estante a antologia do Roger Wolfe. Folheio-o e decido ler alguns poemas e gravar a récita. É o que faço depois de preparar um café na cozinha e comer uma torrada com manteiga.

Roger Wolfe merece atenção dos leitores, é uma voz contemporânea e diz coisas verdadeiramente importantes no dia-a-dia de um ser desviante.

Quando acabo de ler alguns poemas da antologia, fumo um charro, o último porque me vem o sono. São quatro da manhã.

Acordo por volta do meio-dia. Faço um café enquanto faço a barba, almoço o resto do jantar de ontem, arroz de atum, descanso deitado como Napoleão quando perdeu a guerra, descanso e fumo um charro, ouço um elpê de Philip Jeck, são três da tarde e Raíssa liga:

— Oi, vou já praí, vou só tomar um café.

— Quando tiveres perto dá um toque que eu vou à estação falar contigo.

— Está bem.

Ponho em equação o modo e as palavras que vamos conversar. Ela acaba por dar o toque. Eu saio ao seu encontro. Quando ela chega, eu pergunto:

— Já tomou café?

— Já.

— Então novidades?

— Fiquei na Sandra esta noite.

— A tua amiga que tem as duas filhas e gere aquele bar onde fomos uma vez?

— Sim essa, mas ela já não tem o bar. Separou-se do gajo.

— Atão o que faz agora?

— Nada, toma conta das crianças. Eu vim só para buscar as minhas malas. Vamos para casa.

— Está bem, toma atenção a uma coisa, a minha mãe soube que tu já não estás nas mãos da assistente da Rua da Esperança, neste momento não tens assistente mas o teu processo já está na delegação da Vendana, toma atenção ao correio em casa do Cá, porque em breve vais receber uma convocatória.

— Ok, eu só estou chateada contigo porque tu pensas que eu te menti.

— Antes mentisses, antes tivesses tentado dar o golpe. Assim odiava-te. Assim só te tenho desamor. Tu dinamitaste tudo ao seres inocente, ao gastar sem saber quanto te depositam, gastar gastar...

— Eu sempre fui assim.

— E tu tinhas dinheiro para o passe do metro, e apanhaste uma multa e foste obrigada a escrever uma carta de tentativa de perdão, não precisavas de nada disto.

— Eu sei, agora pronto.

— Vou-te dizer o que vou dizer ao senhorio, vou-lhe mentir e dizer que arranjaste emprego em Lisboa, um contrato de seis meses num lar de idosos, e que tu decidiste ir porque é a tua área profissional, e vais para lá para ganhar dinheiro e voltares para o Brasil. Assim, ele não precisa de saber da nossa miséria e pode mesmo voltar a repor a renda no valor original. Não sei, vou tentar.

— Sabes que a Fa mudou de ideias? Afinal já não me deixa pôr lá as malas. Mudou de ideia.

— Pois, ela queria que tu fizesses programa no bar de alterne dela, sacar camparis de vinte e cinco euros ao cliente, com percentagens divididas entre vocês as duas, ela queria te explorar.

— Pois, eu começo a ver quem tenho. A ti não levo a mal. Você me ajudou.

— Olha, vê lá se na Sandra te comportas bem. Para dar certo de uma vez contigo. Eu ajudo-te a levar as malas de volta ao metro.

— Está bem. Sabe que ontem acabei por não apanhar o metro na estação e caminhei para a estação seguinte. Tava lá um gajo que me viu, passou um metro e não entrou, passaram dois e nada, sempre a olhar para mim. Então, eu saí pelas escadas do outro lado e vim embora.

— Era outro palerma a fazer-se ao pisco...

— Era masé um xisnove para me delatar.

— Atão, tu voltaste a passar à minha porta, no caminho para a estação seguinte?

— Sim. Bem, adeus.

— Tchau.

"

anonim@s do século xxiii



sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Pinóquios, cenouras, burros e malas Luís Vitinho


Pinóquios, cenouras, burros e malas Luís Vitinho

óleo sobre aglomerado de madeira,

60.5cm por 90.5cm,

2023 ZMB


A ideóloga gerência do

Partido dos Desadaptados da Sociedade do Consumo (PDSC)

deseja a todos os seus visitantes uma diabólica quadra

deixando-vos com a certeza de que no Inferno

pelo menos não faz frio

e está cheio de mulheres que inspiram sonho e desejo de o concretizar com elas

além de que no céu

no meio de tanta nuvem a gente sentiria a falta de quem nos fizesse

cócigas na barriguinha.



quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Apátrida e faminto

 


''

Devorei cidades e casas. Armadilhado pela torpeza das emoções e sentimentos
destruí vidas e recusei o futuro. Alimentei a ansiedade e o ódio.
Apátrida e faminto
troquei as giestas pelos sapais, o suão pela maresia. E seria tudo, outra vez.
''
Jorge Fallorca em Longe do Mundo, edição frenesi 2004

domingo, 17 de dezembro de 2023

Chullage - Já não dá (Saímos para a rua) (2012)(LETRA)

Só cartas com contas que já passaram o prazo, Ainda não fiz compras do mês e o puto não percebe o atraso, O telefone sempre a tocar é a divida do automóvel, A sala esta vazia, já desisti do sofá e do móvel, um filho pra alimentar e outro na barriga já se mexe o seguro do carro esta a chegar e este mês nem paguei a creche já cortei com o café vou cortar com os nits agarrado a jornais a meter currículos em sites só pra voltar a ouvir que a vaga já foi preenchida levar as mãos à cabeça pensar pôr termo á vida já pondero imigrar pra França ou Angola ou flashar entrar num banco e aponta-los uma pistola tornou-se um luxo ir jantar levar a dama ao cinema só falo por sms tornou-se luxo um telefonema e a quem recorrer se os bros tão todos na mesma pragados na rua à procura de algum esquema só vejo casas com placas de leilão ou de venda e a minha vai pelo mesmo andar que eu já não aguento esta renda e governo não dá as famlias mas dá aos bancos bué pinlin mais tarde ou mais cedo dás com um broda a dormir no banco dum jardim e querem que um gajo mendigue pela merda dum subsidio parado na segurança social onde o funcionário quase agride-o e de repente o povo ta perder o raciocínio e admiram o aumento de assaltos e assassínios o pior é que nós e que sofremos com os assaltos e assassínios que esses filhos da puta estão protegidos escondidos nos seus condomínios os verdadeiros assaltantes entram no banco na maior e saem com as mãos no bolso do fato e o dinheiro desviado pra um off-shore não é atoa que estão a construir mais cadeias não é atoa que reforçam policias pra nos matar à tareia é que isto já esteve muito marado mas isto nunca esteve assim o people esta revoltado eles têm medo dum motim endividei-me pra pagar propinas e um certificado ter uma licenciatura pra ficar desempregado ou acabar num call center ou caixa de supermercado a trabalhar a recibos verdes com 500 euros de ordenado e no meio disto tudo ainda sou privilegiado porque a maioria do meu peoples ta no muro encostado quem estava em Espanha voltou acabou o el dorado e arranjar um visto pra Angola ta a ficar complicado foderam esta merda toda e é sempre e o povo é sacrificado no proximo 25 de Abril quero ver alguém enforcado eles choram pelas ações perdidas no PSI 20 meu people aqui chora pela refeição seguinte e mostram-nos pessoas na porta do BPP a reclamar meu peoples já fazem fila na porta do banco alimentar já não voto, porque o voto não dá voto na matéria política perdeu a seriedade e duvido que recupere-a

sábado, 16 de dezembro de 2023

Tuíte mendicante

 Um amigo, hoje, perguntou-me:

-- Então, tens coçado muito os tomates?

-- Eh pá, eles incharam de uma maneira tal que ganharam crosta de sangue, não tens aí vinte euros que dispenses para a pomada?

-- Mamões! Não querem fazer nenhum!

-- Prontos!, eu prometo que o troco não o gasto em freiras...

-- Gatuno! Bandido! Não és de aqui, vou chamar o sapo.

-- Espera... deixa-me acabar. Eu gastarei o teu troco numa vela que entregarei à bruxa para ela me dizer o número da lotaria. 

-- E dás-mo?

-- Claro!

-- Quem é amigo quem é? Deves precisar de dólares, toma lá cem cêntimos.

-- Obrigadinho, que o cão te pague!

E depois entredentes: -- Nem prá sopa dá, deve querer que eu coçe os tomates dele, grande amigo este, ai!


Tuíte os tomates da vida laboral

 Se trabalhar

Tenho dinheiro para ir ao cinema

Mas não tenho tempo para ir ao cinema

e os tomates nem vê-los.

Se não trabalhar

Não tenho dinheiro para ir ao cinema

Mas tenho tempo para pintar ler e ouvir música

e coçar os tomates.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Tuíte musical

 I dare to say:

For a stranger to the German world of musical language

If Einstuerzende Neubauten became and are a musical institution

Then Cranioclast are Germany's best kept secret

domingo, 3 de dezembro de 2023

Very much looking forward to their next brand new LP, yammi!

 


Apresentando Lila Mia em voz e circuit bending
acompanhada de um power trio de baixo, bateria e clarinet
chamado de The Trip Dogs, Valha-me Cão

-- Eu até comprava mas não sei o estilo...
-- É um estilo muito à frente, tão à frente que ainda não foi definido.
-- Ainda assim, gosto do aspecto soberano da vocalista mas o trio Valha-me Cão?!, só vejo dois cães.
-- É porque o clarinetista se identifica como cão actualmente, está num processo de transformação de identidade, temos precedente, não é nada de novo.
-- Qual precedente?
-- Nunca ouviste falar do gatolobo da Nova Zelândia?
-- Ó valha-me cão!, estás a delirar...
-- Nunca ouviste falar do tilacino, está em extinção ou mesmo extinto, mas há fotos de há um século e são mais reais como um unicórnio do nóddi.
-- Quando sai o álbum?
-- Surprise!!


domingo, 26 de novembro de 2023

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Quando o grande senhor passa


Um provérbio etíope diz: "Quando o grande senhor passa, o sábio camponês faz uma profunda vénia e peida silenciosamente."

Francesco Codello
em "Nem obedecer nem comandar"

Edição Barricada de Livros 2023

 

Mãezinha mai linda na exposição colectiva Portreto de la animo

sábado, 11 de novembro de 2023

15% de desconto nos batidos da cerelac

 Ontem, o Oliveira deu-me uma ideia, da qual tenho neste momento o oportunidade de dizer que já está em execução and ready to ship:

Introduza o código #Paga2Copitos e terá 15% de desconto num tijolo encadernado de edição numerada e limitada. Entrega imediata. Ideal para mandar às trombas do ex-namorado quando não se quer estragar o conjunto de copos lalique ou a cerâmica vista alegre. E para que não restem dúvidas da seriedade da edição, ampliam-se aqui as letras miudinhas:

Oferecer este objecto a ex-namoradas é ineficaz e nada apropriado e consentâneo, pela simples razão que as ex-namoradas não têm trombas porque não são elefantes a não ser na imaginação do poeta, que imagina uma companheira para o homem-elefante do Lynch. Às ex-namoradas deve-se oferecer uma camélia acompanhada dum cartão personalizado e manuscrito dizendo: 

Eternamente teu. Não desistas. O futuro está próximo.


Tuíte diplomata

 Parece que um hospital psiquiátrico em Gaza foi bombardeado. Estava cheio de perigosos terroristas.

Também eram terroristas os 40 bebés que por falta de combustível ficaram sem oxigénio e morreram.

Eu, quando vejo na tv um miúdo palestiniano cheio de sangue na pele, gritar chorando que as bombas lhe mataram a família toda, desde o avô à irmã bebé, eu pergunto: Que futuro tem este miúdo a não ser ficar louco e vingar os seus?

Porque a questão é mesmo esta: Qual futuro? Louco ou terrorista?

Esta consequência tem uma causa que os judaicos-cristãos preferem ignorar.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Pinóquios, burros, cenouras e malas Luis Vitinho


 «Pinóquios, burros, cenouras e malas Luis Vitinho»,

desenho A2 a grafite, marcador de preto permanente e canetas (ball point pens) Bic,

ZMB 2023

sábado, 4 de novembro de 2023

Muslimgauze - The Rape Of Palestine (1988) [LP]


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Para escrever
um poema que não seja político
devo escutar os pássaros.
Mas para escutar os pássaros
é preciso que cesse o bombardeio.
''
Marwan Markhoul

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Estou em casa.
Ouço Muslimgauze e
uma pequena sequência sonora
faz-me olhar para a porta
pensando que alguém estará a bater.
Então olho e não vejo movimento.
A cortina está silenciosa.
Então não estão a bater.
À minha porta não estão a bater.
Mas nas portas e janelas de Gaza [Janeiro 2009],
nos telhados de uma cidade de refugiados
estão a bater bombas cirúrgicas de fósforo branco.
Numa semana morreram 500 pessoas.
Os judeus deveriam lembrar
a realidade nazi que viveram
e fazer mea culpa com os palestinianos.
Talvez seja uma das razões pela qual
o Irão nega o holocausto de seis milhões de judeus.
''
Claudio Mur



Eu voto no Guterres

Guterres é decente e humano.
Marcelo é indecente e inhumano.

domingo, 29 de outubro de 2023

O Holocausto ''invisível''

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Sob domínio Nazi, todos aqueles que pudessem constituir uma ameaça à ordem do Estado alemão viram então o seu destino reservado a um fim de extermínio, numa ''maquinaria'' estatal excepcionalmente oleada e organizada para esta finalidade, retirando o máximo de eficácia e de rendimento do trabalho, das posses e da vida das pessoas, antes da sua morte. Se, para a ''questão judaica'', o nazismo tinha um plano concreto, para a ''questão cigana'', não havia algum em específico, mas apenas a ''necessidade'' ideológica de os eliminar. Foram visados somente no enquadramento das Leis de Nuremberga, em 1935, que englobavam as Leis para a Protecção do Sangue e Honra Alemães e a Lei da Cidadania do Reich, onde, entre outros decretos racistas, tornaram ofensa-crime o casamento e a união sexual entre pessoas ciganas e não-ciganas.

Tratou-se, nesta medida, de um genocídio tão organizado quanto desorganizado. Decorreu em diferentes intensidades e velocidades de acordo com as decisões das regiões e dos países ocupados. Por exemplo, algumas regiões dependiam da sobre-exploração da mão de obra cigana para a produção agrícola e não estavam dispostas a abrir mão da sua ''mais-valia''. Para além disto, inicialmente, não havia uma distinção racial concreta ou coerente dos vários grupos ciganos, pois, apesar de alguns já serem oficialmente considerados alemães arianos por parte do Estado, por já se encontrarem no país já há alguns séculos e não casarem com grupos exteriores, estes acabavam por sofrer o mesmo destino do que os restantes grupos, já que se encontravam à mercê das decisões das chefias locais das várias polícias que os capturavam. Ainda assim, apesar desta aparente desorganização, havia campos de concentração reservados apenas aos ciganos ou campos que incluíam secções dentre dos mesmos para as famílias, como o caso do ''Campo Cigano'' do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau II. Após ordem de Heinrich Himmler, a partir de 16 de Dezembro de 1942, foi para este campo que todos os ciganos capturados ou detidos nos vários campos de concentração dos países ocupados, passaram a ser deportados para serem exterminados.

A escala e a dimensão dos campos de concentração eram grotescamente impressionantes e constituíam autênticas fábricas de morte. A título de ilustração desta magnitude -- a dado momento, para os Nazis, o problema não residia na forma em como poderiam exterminar milhões de pessoas em pouco tempo, mas em como lidar com os seus corpos. Apesar dos fuzilamentos ou dos assassinatos em massa por envenenamento com o fumo de tubos de escape para veículos (muitas vezes ainda antes de serem deportados para os campos) e do contínuo funcionamento das câmeras de gás e dos crematórios, as mortes mais comuns nos campos ciganos deviam-se à subnutrição e às doenças. Eram miseráveis as condições das pessoas nas barracas ou casernas onde se acumulavam centenas, dormindo nuas ou com um tecido apenas, sujeitas ao frio e à chuva. A este tratamento bárbaro, acrescenta-se a esterilização em massa de dezenas de milhares de mulheres e homens, assim como a realização de experiências com crianças gémeas e testes de estirilização através da ingestão forçada de água salgada ou da redução da sua temperatura corporal.

Mas ao longo de todo este massacre houve sempre uma forte resistência e resiliência por parte dos ciganos. Muitos daqueles que se encontravam em países ocupados, fugiram e migraram em massa para outros países e muitos outros juntaram-se a movimentos de resistência. O dia 16 de Maio de 1944 é o maior exemplo da sua resiliência. Conhecido como ''O Dia da Resistência Roma'', este dia ficou marcado pelo esforço heróico das famílias que se encontravam no ''Campo Cigano'' em Auschwitz-Birkenau II, ao obrigarem as SS a suspenderem a operação de desmantelamento e de liquidação do campo. Uns dias antes, alguns teriam ouvido rumores acerca da data da operação das SS e da sua finalidade e espalharam a notícia entre si. Assim, os seis mil que se encontravam no campo preveniram-se, ignorando as ordens para saírem das casernas e barricando-se nelas, munidos de todo o tipo de ferramentas, enxadas, talheres, pregos e instrumentos para se defenderem dos agentes armados com metralhadoras. A resistência foi tão forte que as SS foram forçadas a recuar e a abandonar o ''Campo Cigano'' durante três meses. Durante este período, no entanto, foi-lhes negado qualquer tipo de alimento.

Assim, durante a noite de 2 de Agosto do mesmo ano, conhecida como ''A Noite dos Ciganos'' ou como Samudaripen, genocídio em romanô, a operação foi restabelecida e o campo foi desmantelado com o esmagamento total da resistência. Nessa mesma noite, um total de 2986 pessoas foram enviadas para as câmeras de gás e incineradas num dos crematórios e numa vala junto ao seu exterior, devido ao seu elevado número. Apenas poucas centenas foram poupadas por ainda se encontrarem aptas para o trabalho.

Durante todo este período do Holocausto, dos quarenta mil ciganos registados na Alemanha e na Áustria, vinte cinco mil foram assassinados. Não é certo o número total de ciganos executados ao longo destes anos, pois muitos nunca chegaram a ser identificados ou registados aquando da sua entrada nos campos de concentração e a maioria foi executada ainda antes de chegar aos campos. No entanto, estima-se que o número se encontre entre meio milhão e um milhão de pessoas.

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página 28 - 32

em «Conhece-me antes de me odiares, Notas sobre a História e Cultura Cigana»

de Bruno Gonçalves

edição Ribaltambição -- Associação para a Igualdade de Género nas Comunidades Ciganas, Junho de 2023


sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Livros, laranjas e copos de água

 Há dias no Asa de Mosca, o meu amigo Oliveira e um colega dele falavam de colecções inteiras de livros que são vendidas quase ao desbarato pelos herdeiros de alguém a alfarrábios, que pouco dão pelos livros e depois, alguns desses livros aparecem no mercado ao preço inatingível de um copo de água em Gaza.

Eu meti a colher e disse: -- O Krauss na VS custa 22 euros mas tem oitocentas páginas, já um livro da Barco Bêbado custa quase 20 e às vezes nem 100 páginas tem. Por muito que os autores e o conteúdo seja bom, quem é que pode? É como um Anti-Édipo ou um Stirner a 30 euros. Quem é que pode? Mas olha, comprei este Corso a quinze euros à pouco na Livraria Utopia há meia hora, estava a um preço aceitável.

Eu já não sei o que eles disseram mas eu continuei, agora num lamento que vem sendo aprimorado à medida que envelheço: -- É como os meus livros... quando morrer vai tudo para o contentor, os meus sobrinhos não lêem!

Responde o Oliveira de rajada: -- Olha!, faz um filho!

Eu surpreendido acordo do sonho onde vivo e a sorrir aparvalhado digo como o Marques Pentes do Portugalex «aqui chegados» apenas duas palavras: -- Olha, fazer um filho para ter quem leia os meus livros?!

Eu sei que foram mais de duas palavras o que disse mas foram as únicas que verbalizei, fiquei a pensar em muitas razões: ter dinheiro para cuidar do filho, comida, vestuário, calçado, escola, tempos livres, dinheiro; encontrar a nossa cara-metade certa, etc. Não disse nada. O Oliveira acabou por se virar para o colega e dizer: -- Olha, o meu filho já vai comigo para as feiras e até gostou de andar lá no meio dos livros.

Eu fico contente por ele mas também observo que a ex-mulher lhe está a foder a cabeça. Quem tem razão não faço ideia, mas fico contente por ele ter um filho que gosta do pai. Eu só muito tarde aprendi a gostar do meu, e quando foi a altura de ter filhos pensei: -- Vou fazer um filho que não vai gostar de mim?, olha os filhos do Toninho que não querem saber dele...

Entretanto, os dias vão passando e hoje, ao almoço, descobri que há uma conspiração na minha cozinha perpretada pela minha mãe e pelo meu pai, uma conspiração para eu comer fruta, hoje uma laranja, ontem uma banana ou uma ameixa ou uma pera Conferência, hoje disse-me minha mãe: 

-- A laranja faz bem ao teu catarro...

O meu pai acrescentou: -- Sim, tem Vitamina C...

Eu ri-me, pensei cinco laranjas custam 3 euros, agora vou ser obrigado a comer uma laranja, tou tramado, virei-me para eles e disse: -- Tenho 50 anos mas para vocês hei-de ser sempre bebé, agora até me enganam, só falta voltar à fala do antigamente: olha o peixinho, olha o aviãozinho...

O meu pai sorri, não diz nada e descasca uma maçã Starking. A minha mãe que ainda não terminou o conduto, mexe com o garfo no prato, olha sem compreender a guerra na tv, e pensativa acaba a dizer:

-- Eu lembro-me de uma vez teres dito, olha mãe agora tenho uma namorada logo vou estar com ela...

-- Quem, que namorada era essa, como se chamava?

-- Lembras-te da Sheila?

-- Ah, a Sheila... ela não chegou a ser minha namorada, eu pedi-lhe namoro mas ela não aceitou, foi no quinto ou sexto ano, os recreios eram separados, rapazes para um lado e raparigas para o outro, com uma cancela a dvidir os recreios, nós encontramo-nos na cancela, eu fiz o pedido, ela sorriu, disse que ia pensar, mas depois disse-me que não...

-- Olha, disse o meu pai, devias ter pedido namoro à Maria João, ela gostava de ti, os avós dela também...

-- E eu gostava dela, mas aí o problema era que quem gostava de mim era a colega de carteira da Maria João, era uma espécie de telenovela Morangos...

O meu pai ri-se. É bom ver o meu pai rir-se e por isso eu continuo na palhaçada:

-- É eheheh, era eu e o António na carteira da frente, o António era um míudo gordinho de S. Gemil para onde eu fui uma vez à tarde jogar computador e não fui mais vezes porque eu não tinha jeito para jogar, lembras-te pai de ouvir falar dos Spectrum?, os jogos entravam por cassete, ainda não havia sequer disquetes, era preciso ter paciência de chinês, porque é que pensas que os maiores programadores do mundo são quase todos asiáticos, indianos, paquistaneses, chineses e quem mais for...?, é porque têm paciência de chinês para aturar a máquina. O António era um paz de alma, ninguém se metia com ele, e na carteira atrás da nossa estava a Maria João e a colega, já nem sei o nome dela, e ela metia-se comigo e eu dizia está qu'eta!, ora ia lá pedir namoro à Maria João ao lado dela...

-- Ela gostava de ti...

-- Olha então gostavam as duas de mim... é!, daqui a pouco vão dizer que eu era um playboy... tá bem... nunca gostei de telenovelas.

Para terminar o almoço, comi uma laranja do Allgharb.



segunda-feira, 23 de outubro de 2023

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Ontem morreram dois. O jornalista chamou-lhe «alvos». Balas contra pedras. É essa a moral dos israelitas.

 O meu pai diz que os jornalistas mentem e repetem as notícias e, na altura do almoço ou jantar, sempre que a tv passa uma reportagem sobre a Palestina ele diz que é falso, é de ontem, já deu, é invenção e muda de canal. Dias há em que não me importo, afinal moro em sua casa. Mas noutros dias, como ontem, disse:

-- É, dizes que já deu e não queres ver e mudas de canal, mas eu que só vejo tv e as notícias quando estou aqui na cozinha acabo por não conseguir ver. Ora, tu dizes que já deu e não queres ver mais, mas a verdade é que já viste, ainda há duas horas às seis da tarde estavas a ver as notícias da guerra...

E mudei para o canal 1 e vi.

Vi um grupo de palestinianos na Cisjordania a atirar pedras numa estrada longa onde ao fundo estava o que parecia ser uma espécie de chaimite militar israelita. As pedras nem a metade do caminho chegavam, quanto mais aleijar algum soldado israelita. A reportagem continuava, o locutor dizia e eu via uma mulher palestiniana vestida de negro a trazer pedras que pareciam bocados de brita do alcatrão de estradas, via-se um carro pertos deles a arder, e lá longe a chaimite israelita. Os seis ou sete palestinianos continuavama atirar pedras e depois, antes de terminar a reportagem, o locutor disse mais ou menos isto «os jovens atiram pedras, os serviços médicos estão a postos, dois tiros acertam no alvo.» A reportagem termina com a porta de uma ambulância a fechar-se.

Relato duro e seco.

Hoje, ao almoço, vi um jovem adulto israelita dizer qualquer coisa assim: «Ah, o hospital... não fomos nós, nós temos moral, nós não atacamos hospitais.»

Virei-me para o meu pai e disse: 

-- Grande moral, ontem deu os palestinianos a atirar pedras e a receberem balas. É essa a moral dos israelitas. Um palestiniano atira uma pedra a um carro blindado e o israelita faz pontaria à cabeça e mata um palestiniano. Ontem morreram dois. O jornalista chamou-lhe «alvos». Balas contra pedras. É essa a moral dos israelitas. É a lei arbitrária do mais forte.

Na II Guerra Mundial, o judeu escritor Bruno Schulz foi morto a tiro numa rua do Gueto de Varsóvia, por um nazi que teve cíumes doutro nazi que protegia de algum modo o Bruno Schulz.


Vejo muitas semelhanças nos métodos nazis e nos métodos israelitas. Os israelitas deviam deixar de invocar o Holocausto e o anti-semitismo, porque estão a provocar um genocídio semelhante ao nazi.

Diz na Bíblia: Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.

Os israelitas esqueceram-se disso. São os senhores do mundo. E os cristãos defendem os judeus mesmo sabendo que foram os judeus que entregaram Cristo para este ser enforcado pelos Romanos. É esta a cegueira dos Cristãos. Além disso, há muito palestiniano que é cristão e nós chamamos-lhe de terrorista na mesma.

Quanto ao Islão, a única coisa que se aproveita é a música, a poesia sufi e o haxixe. O resto é ditadura.


Não há nada como ser ateu.


terça-feira, 17 de outubro de 2023

Sobre Israel e o Hamas

"

 Os métodos do Hamas são fascistas e terroristas

os métodos de Israel são fascistas e terroristas

mas ambos ganharam as eleições e é isso que é trágico

os dois lados advogam pura e simplesmente a morte do oponente

não admitem diálogo

Esta guerra é entre dois fascistas

e quem sofre é o povo (mais o palestiniano porque não tem poder ou o delegou mal quando votou


"

a minha opinião, a de Rui Lourenço, a opinião de ZMB e de Claudio Mur também

domingo, 15 de outubro de 2023

Um poema de Roger Wolfe

 AS AUTORIDADES LITERÁRIAS AVISAM:

SER FELIZ PREJUDICA SERIAMENTE A SAÚDE

Cheguei a acreditar que a felicidade

não é assunto para os seres humanos

Félix Grande


Alguns -- por incrível que pareça nestes tempos --

ainda se iniciam nos copos

por influência dos poetas simbolistas.

Outros -- de modo igualmente incrível --

acabam a chutar heroína

porque múmias como William Burroughs

bradavam aos quatro ventos que o faziam.

Por motivos semelhantes

negaste sempre a felicidade,

que como se sabe

é um assunto muito mal visto

entre as mentes pensantes deste curral [de moinas, padrecos rabis e moinantes].

Até que a felicidade te caíu em cima 

como um prato de sopa

que alguém te entornasse no colo.

Que diabos era isto?

Não estava programado.

Era um novo contratempo;

uma autêntica vergonha.

Como, em menino, mijar a cama

ou fazê-lo nas cuecas.

Tremendo embaraço.

Quem poderia livrar-te desta?

Mas a felicidade insistiu em agitar-se dentro de ti;

percorria-te de alto a baixo

como um fluxo de seiva electrizante.

E ocorreram-te ideias deveras bizarras:

abandonar tudo,

[bombardear Gaza e os dois milhões que as mentes pensantes chamam terroristas]

desatar a correr saltando gritos de alegria,

pintar a manta [e deitar cimento para dentro dos poços de água na Cisjordânia]

e mergulhar de cabeça na vida.

[e alegrar-me de por cada judeu morto morrerem cem palestinianos.]


Ficaste sem pinga de sangue.


Os filhos-da-puta [dos apoiantes da causa palestiniana] tinham esvaziado a piscina.


Roger Wolfe em «Fazer o trabalho sujo», edição Língua Morta

com [] de ZMB