quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Cranioclast



'Vanorum Mare'
Cranioclast
From 'Cris Con Tala' (1987)
Label ADN

Dentro da música industrial-ambiental,
os Cranioclast são das melhores bandas que conheço.
Muito bons também a nivel gráfico.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Reconhece o teu buda

-- Então Rui, teve alguma ideia para decorar a caixa?
-- Sim professora. Trouxe um buda! Até pensei numa frase-chave.
-- Qual?
-- Reconhece o teu buda. Porque o buda está dentro de nós.
-- Boa. Vamos forrar a caixa e o buda com gesso. Porque é preciso cuidar...
-- Sim. Podemos reconhecer as coisas mas, se não tratarmos delas, as coisas estragam-se. Fiz este desenho para decorar o fundo da caixa: um homem a pescar, a contemplar com paciência...
-- Gosto.




sábado, 26 de dezembro de 2015

O fósforo e a açucena vermelha

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O espírito olhou para fora da água, que se agitou e saltou em ondas alterosas; estas precipitaram-se no abismo, cujas fauces negras se abriram, ansiosas de as engolir. Como vencedor triunfante, o rochedo de granito elevou a sua cabeça coroada de picos, protegendo o vale, até que o sol o acolheu no seu seio maternal, rodeando-o com os seus raios, como se fossem braços ardentes, e aquecendo-o e iluminando-o. Então, milhares de germes, que dormiam um sono profundo debaixo da areia, despertaram, estenderam as folhinhas e os talos para saudar a mãe e, como meninos alegres que brincassem numa pradaria, fizeram surgir os seus botões, que, por fim, se abriram, acariciados pela mãe e cobertos de mil matizes, qual deles o mais belo. No centro do vale ergueu-se uma colina negra, que se movia como o peito de um homem agitado por malignas paixões. Do abismo subiam as emanações, reunindo-se em massas enormes e esforçando-se por ocultar o rosto da mãe; mas, então, rebentou a tormenta, que as afastou dali, e, quando o raio límpido voltou a iluminar a colina negra, brotou dela uma açucena vermelha, que abriu as folhas como lábios dispostos a receber o beijo da mãe. No vale surgiu uma luzinha brilhante: era o jovem Fósforo, e, ao vê-lo, a açucena exclamou, cheia de ansiedade:
-- Sê meu para sempre, formoso jovem. amo-te, e morreria se me abandonasses.
O jovem respondeu:
-- Serei teu, linda flor, mas terás de abandonar o teu pai e a tua mãe, como uma filha bastarda; não voltarás a ver os teus amigos, quererás ser maior e mais forte do que tudo o que te alegra e enche de regozijo agora. O entusiasmo que enche o teu ser servir-te-á de tormento e de martírio, pois o pecado dá origem a outros pecados, e a grande alegria que acende a chispa que lanço sobre ti é a dor sem esperança em que te sumirás, para renasceres com uma forma estranha. Essa chispa é o pensamento!
-- Ai! -- exclamou a açucena. -- Não poderei ser tua com o ardor que me abrasa? Poderei amar-te mais ainda e contemplar-te, se me aniquilas?
Beijou Fósforo, e, como que penetrada pela sua luz, viu-se rodeada de chamas, das quais saiu um novo ser, que não tardou muito em movimentar-se pelo vale, sem se preocupar com os camaradas jovens nem com o jovem amante. Este lamentava o seu amor perdido, pois continuava a amar a açucena no vale solitário, e os rochedos de granito inclinavam as cabeças, comparticipando nos lamentos do jovem.
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,páginas 31-32
"O vaso de ouro"
E.T.A. Hoffmann [1776-1822]
em 'Grandes contos da literatura universal -- Hoffmann'
Edição Ediclube 1990


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015


(não sei o nome do autor do desenho)

Endrominando um sobrinho

-- Tio, também vou receber uma prenda tua?
-- Vais! O pai natal telefonou esta semana ao tio e deu-me um presente para te dar...
-- Qual é o nº do pai natal?
-- Não sei, ele ligou de nº privado...

sábado, 19 de dezembro de 2015

Cais da Alfândega, Porto

Junto ao rio, 
atrás do parque de estacionamento.


aguarela sobre desenho impresso a laser
ZMB
2015

 desenho a caneta preta em 2013
colorido com pastel e cera em 2015
ZMB

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Heliotrópios, malmequeres, Olho Que Tudo Vê:
bolor em cartas que não chegam ao destino,
em cartas que perdeste o interesse em escrever

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Foi para o seu quarto: uma carta em cima da mesa saltou-lhe à vista. "Ah, de Tánia!" pensou, e ficou alegre; mas a carta era da aldeia, do pai. Litvínov quebrou o selo grande e duro e começou a ler... Mas um odor forte, muito agradável e conhecido chegou-lhe às narinas. Virou-se e viu, num copo de água, à janela, um grande ramo de heliotrópios frescos. Litvínov curvou-se sobre as flores um pouco espantado, tocou-lhe, cheirou-as... Lembravam-lhe qualquer coisa, qualquer coisa muito remota... mas não sabia o quê. Chamou o criado e perguntou-lhe donde tinham vindo as flores? O homem respondeu que tinham sido trazidas por uma senhora que não quis deixar o nome mas disse que ele. "Herr Zluitenhof," saberia pelas próprias flores quem ela era. Litvínov de novo pareceu recordar... Perguntou ao criado que aspecto tinha a senhora. O homem explicou que era alta e bem vestida e que usava um véu sobre o rosto.
"Provavelmente, uma condessa russa," acrescentou.
"Porque pensa isso?" perguntou Litvínov.
"Deu-me dois florins," respondeu o criado, rindo.
Litvínov mandou-o embora e durante algum tempo ficou a pensar em frente da janela; por fim, no entanto, desistiu e começou de novo a ler a carta da aldeia. O pai despejava os seus habituais queixumes, garantia que ninguém queria trigo nem dado, que os servos tinham perdido todo o respeito, e que o fim do mundo não devia tardar. "Podes acreditar," escrevia entre outras coisas, "que fizeram mau olhado ao meu cocheiro, o pequeno calmuque, lembras-te? Certamente teria morrido e eu ficaria sem cocheiro, mas algumas pessoas bondosas aconselharam-me a mandar o doente a Ryazan, a um padre que é um ás a curar casos destes, e realmente pô-lo bom, e em confirmação disso envio a carta do padre, como prova." Litvínov leu o documento com muito interesse. Nele se afirmava que "o servo doméstico Nikanór Dmítriev estava doente de uma doença inacessível à medicina e que essa doença era devida a gente má; mas a causa era ele próprio, Nikanór, por não ter cumprido uma promessa feita a certa rapariga e por isso ela, por meio de outras pessoas, tornou-o incapaz para tudo, e se eu não o ajudasse pereceria sem dúvida como um verme miserável; mas, confiando no Olho Que Tudo Vê, vim em auxílio da sua vida; e como o consegui é um segredo; e Vossa Execelência que diga a essa rapariga que não volte a fazer essas coisas más e até será bom ameaçá-la para que não possa fazer nada malévolo contra ele."
Litvínov meditou algum tempo sobre este documento; trouxera até ele, das estepes remotas, a escuridão cega da vida bolorenta, e pareceu-lhe estranho que estivesse a ler aquela carta precisamente em Baden.
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, página 63-65
"Fumo"
Turguiënev
Tradução Manuel de Seabra
Edição Editorial Futura, 1974

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Quando soube do trágico fim do seu apaixonado,
suicidou-se, comendo uma pizza industrial.

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Enquanto comíamos perguntei a Marie, como é que o criado podia ser empregado num café antes de morrer, se era marinheiro. Mas ela não se perturbou com tão pouco:
-- Era, evidentemente, durante as licensas. Uma vez em terra, vinha ver a amante, que lá trabalhava. E, por amor, servia com ela os copinhos de vinho branco e os cafés cremes. O amor faz fazer grandes coisas. E a amante, que foi feito dela?
Quando soube do trágico fim do seu apaixonado, suicidou-se, comendo uma pizza industrial.
Em seguida Marie quis saber como viviam as pessoas em Moscovo, uma vez que acabava de me atribuir a nacionalidade russa. Disse-lhe que ela própria também devia saber, visto que era minha filha. Então inventou uma nova história, de dormir em pé:
-- Não, nós não morávamos contigo. Fomos raptados por saltimbancos, Jean e eu, quando éramos ainda bebés. Vivemos em caravanas, percorremos a Europa e a Ásia, mendigámos, cantámos, dançámos em circos. Os nossos pais adoptivos obrigavam-nos mesmo a roubar dinheiro e coisas nas lojas.
-- Quando desobedecíamos, castigavam-nos com crueldade: Jean tinha de dormir no trapézio voador e eu na jaula do tigre. Felizmente o tigre era muito amável; mas tinha pesadelos e rugia toda a noite: isso acordava-me em sobressalto. Quando me levantava pela manhã, não tinha dormido o suficiente.
-- Tu, durante esse tempo, tu corrias o mundo à nossa procura. Ias todas as noites ao circo -- um circo novo em cada noite -- e andavas pelos bastidores para interrogar todas as crianças que encontravas. Mas possivelmente olhavas sobretudo para as artistas... Foi só hoje que nos reencontrámos.
Marie falava muito depressa, com uma espécie de convicção antecipada. De repente a excitação passou-lhe. Reflectiu um momento, subitamente sonhadora, depois terminou com tristeza:
-- E ainda não temos a certeza de nos termos encontrado. Possivelmente não somos nós, nem tão pouco tu...
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, páginas 67-69
"Djinn"
Alain Robbe-Grillet
Edição Livros do Brasil

sábado, 12 de dezembro de 2015

Espaço T

Agora sou um utente do Espaço T (http://www.espacot.pt)
Para quem não conhecer é uma associação que presta apoio psico-social
a camadas desprotegidas da população.
O Espaço T existe há mais de vinte anos no Porto.
Podem ler a sua missão declarada aqui.
Eu vou frequentar cinco horas semanais num atelier de desenho e pintura.
Este foi o meu primeiro trabalho: 
caneta preta, marcador e pastel sobre papel A3


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Filtrando sucessivamente as escamas do real até ficar somente o que não se vê.

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O Escritor sonhava pensando que o sonho é invisível. Que Rafaela fazia com os seres o que sua mãe fizera com a pintura. Filtrando sucessivamente as escamas do real até ficar somente o que não se vê. E ser a parte obscura aquela onde estalamos os dedos, chamar o fogo e o gelo, e depois o fogo derreter o gelo e a água apagar o fogo. Não se trata de desumanizar a arte, trata-se de lhe dar um canal propício para o que já somos sem saber. Pintar o corpo único já se torna inócuo, diria ela levitando, tens vários corpos em cima da mesa e se não os vês é porque estás a mudar de pele, a serpente zanga-se contigo e por isso vem tanta gente perguntar-me o significado dos meus versos. No fundo querem circular mas falham os pés, são assim as pessoas e as artes malabares. Eram respostas como estas, entre o cínico e o genuinamente interessado, que faziam da mãe de Rafaela o centro da sala onde não havia centro. Menos luz.
O Escritor parou. O livro continuava a ser escrito. Pensou em Rafaela e no que ela se tornava, feita de homens azuis e bruxas, de uma Criança que morria criança, de um Homem Azul que noutro dia visitei e ainda sabe disparates que me fazem sorrir, de uma velha que era feita de todas as lições que não cabem nos dedos de uma mão agrafada só por dentro. O Escritor pensou que o seu amor podia abarcar o lago maior. Rafaela tornava-se uma base de dados dos seres que nos respiram perto, os mortos acabados de morrer e que Maria amparava na sua morna temperatura; e os que o Escritor fazia coincidir nas páginas de um livro que o obrigavam a escrever. Maria,a branca, nem ela imune ao triste comércio das sombras, o desvario tolo dos comandos que agora ordenham o mundo como uma vaca que nós todos conhecemos e tratamos.
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, página 112
"A resistência dos materiais"
Rui Costa
Edição exodus, Jan 2008



«Uploaded for my mother. :)», says the Wizard of Ass

sábado, 5 de dezembro de 2015

A dança do fogo


'Fire dance'
técnica mista sobre papel
59,4cm por 42cm
terminado em 2015
ZMB

referencia este (em baixo )desenho de 2008
que por sua vez referencia este trabalho de 1995/1996,
um dos meus primeiros: http://zmb-mur.blogspot.pt/2014/05/fire-dance.html

Fire dance

Em Miragaia, Porto


Largo de Artur Arcos
Porto, Novembro 2015
Mural da autoria de Daniel Eime

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Trompete @ São Domingos


'Trompete @ São Domingos'
óleo sobre tela
60cm por 70cm
2015
ZMB

Eu tenho estado a fazer esta série de quadros sobre artistas de rua
baseado em fotografias, que vou tirando com o telemóvel, a artistas 
que pela sua presença regular se têm transformado aos meus olhos
quase em ex-libris desta polis onde vivo.
Neste o caso o quadro (sempre apenas a representação duma realidade) tem por modelo
a ampliação de uma secção de fotografia em que a única oportunidade de a tirar
foi a contra-luz, E assim, o que posso afirmar é o músico pintado
não se assemelhar à realidade.
Este quadro representa assim uma ficção baseada numa realidade.

Mas para dar ênfase ao músico como persona viva e real contarei uma história real:
Para quem não conhece a zona da Ribeira no Porrto pode ficar a saber
que a paisagem é dominada pelos tabuleiros superior e inferior da ponte Luiz I.
Ao nivel do solo, existe uma rua-passeio de trezentos metros que termina na ponte.
Ao se observar com regularidade o movimento das gentes a caminhar, 
repara-se também no movmento das esplanadas e das lojas turísticas que fecham o dia.
Por volta das oito da noite um músico tocando melodias tradicionais começa
geralmente o seu espectáculo para os clientes do seu restaurante.
É assim todos os fins de semana,
até que um dia o som de um trompete invade triunfante o ar deste anfiteatro natural.
Toda a gente o ouve amplificado mas ninguém o identifica, ninguém
sabe donde vem o som, até o músico com o seu cavaquinho na esplanada
olha impaciente por alguém lhe roubar o protagonismo: afinal ele quer começar
a sua actuação e aquele som do trompete...
«rai'sme partam, mas donde vem este trompete» pergunta,
e eu rio-me e toda a gente se ri até o próprio músico se ri
quando descobrimos que o local donde o trompetista triunfa é a ponte,
lá bem no alto do tabuleiro superior da ponte, a mais de cem metros de altura
Magistral.