terça-feira, 4 de outubro de 2016

Iccata, a grega


'Iccata, a grega'
óleo sobre tela
40cm por 50cm
2001 - 2016
ZMB

Quando este ano decidi melhorar esta pintura,
retirei alguma inspiração num quadro de Eduardo Nery
e depois também em 'O livro dos seres imaginários' de Borges
onde descobri que, na Grécia, as esfínges são aladas.
Como o Egipto foi governado pela Grécia, resolvi colocar asas na minha esfínge. 



quadro de Eduardo Nery:


Iccata começou por ser uma felina egípcia que se transformou numa esfínge.
A ideia do chapéu é retirada do livro e filme 'A insustentável leveza do ser'.
O chapéu de Iccata é o chapéu de Sabina. 
Iccata começou por ser a Sabina com quem eu via filmes em vídeo e falávamos sobre literatura.
Era e, apesar de com ela não ter mais contacto, deve ser ainda muito bonita apesar da idade.
Na altura tentava conquistá-la com o intelecto. Era correspondido ao nível platónico.
Éramos amigos sem a parte sexual, embora certamente pensássemos nisso quando,
por exemplo, ela vinha e eu lhe mostrava o que escrevia e lhe cozinhava um esparguete com costeleta
e ela se lembrava também de malmequeres oferecidos.
Mais tarde, tentei a minha sorte sexual. 
Ela repeliu-me sem qualquer explicação pronunciada, dizendo apenas «não desapareças»
E eu desapareci sem lho dizer e voei sobre o oceano para uma nova experiência de trabalho,
mais tarde vim a saber que ela telefonara para casa de meus pais, enviara emails com cartas,
parecia que afinal eu lhe fazia falta.
Como Iccata nunca foi minha de verdade transformei-a num mistério egípcio, 
uma espécie de musa que transformei em deusa 
quando a minha condição psicológica atingiu um ponto crítico.
Nessa altura, tentei que a memória que tinha do passado pudesse voltar ao tempo presente,
pensei que podia «matar» um amor antigo com outra mulher não nova mas antiga, 
apegando-me à sensação de bem-estar que havia tido com Iccata no passado.
Fiz o que ela me havia feito: escrevi-lhe cartas e emails que foram correspondidos,
chegámos a fazer planos de viagem.
Tudo foi interrompido porque paralelamente fui internado uma nova vez
e entrei em depressão pós-internamento.
Durante anos não nos vimos. Depois voltámos a ver-nos.
Ela continuava bonita mas eu senti que já não a acompanhava,
ela falava-me de escritores croatas e eu nada sabia, nada tinha para contar.
Depois, as palavras trocadas tornaram-se raras.
E eu tive um momento desagradável: 
despeitado por as suas respostas já não terem a rapidez de antigamente, 
escrevi-lhe umas palavras desagradáveis às quais ela respondeu com a sua firmeza.

A distância de segurança que ela introduziu entre nós mantém-se até aos dias de hoje,
não há simplesmente contacto.
O meu erro foi pensar que Iccata era uma cristalização do passado, 
esqueci-me que as pessoas evoluem e fazem escolhas,
ela fez a escolha de me ignorar, não foi a primeira mulher a fazer-me o mesmo.
Da minha parte, não pretendo pedir mais desculpas a pessoas 
que já não querem mais a minha presença.
Cheguei à conclusão que não preciso mais de mendigar carinho ou atenção.

Fica este quadro como memória.

(fotografia de época)



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