domingo, 4 de junho de 2023

Diálogos soltos

 




1.

-- Pai, olha a última do Marlon... na Segunda cheguei quinze minutos antes da hora, o autocarro não demorou, cheguei lá, fiz as contas e o Marlon diz-me: «venha comigo ao quarto 10, falta arranjar a sanefa, o quarto não pode esta noite ser alugado.» Eu disse: «Posso fazer alguma coisa?» Ele respondeu: «A patroa diz que não quer que o senhor suba sozinho a escada» Não disse nada, subimos ao quarto 10 e eu vi e não percebi bem o problema, ele disse: «Agora não tenho tempo.» E foi-se embora à hora certa, nem mais um minuto!

O meu pai sorri, eu continuo: -- Ele é como o nosso vizinho André, faz tudo como se fosse pelo livro oficial, não trabalha nem mais um minuto, o patrão disse: «Ele já não deve fazer mais as suas folgas, é muito extraviado.» Eu perguntei ao patrão: «E quem me vai substituir?» Não sei», disse ele. Tásaver pai, Quando eu estava a ensinar o serviço ao Marlon, ele perguntou quanto ia ganhar, eu disse que não sabia nem sabia quantas horas ele ia trabalhar, ele perguntou «mil euros?», eu sorri e disse não, que os nossos salários são baixos, «mas se trabalhares bem... tem emprego aqui para toda a vida», foi o que eu lhe disse. Ora ele não trabalha bem, pai. Na função pública eles picam o ponto, mas no privado quem é que às vezes não faz mais cinco minutos mesmo que não os receba, e o patrão disse que o problema da sanefa foi ele que o arranjou, então não ficava e com a minha ajuda resolvia o problema do quarto que ficaria pronto a ser, se fosse preciso, alugado...

-- Pois é, filho.


2.

-- Filho, agora que a tua amiga vai embora... vais ficar mais sozinho.

-- É, vou, vou sentir a sua falta, ela foi o meu ansiolítico estes anos todos.

-- Tens de arranjar outra.

-- Aqui na zona é difícil, o Porto é longe, já não tenho paciência, eu depois resolvo.


3.

-- Estou a pensar trabalhar até ao fim do ano, pai, se o fizer, bato o recorde de permanência numa empresa, na artevinis estive dois anos.

O meu pai não diz nada mas não concorda com a minha decisão.

-- Pai, eu não vou ter descendentes, o dinheiro do banco vai todo para o Estado, não quero trabalhar até morrer, quero ainda viver.

-- Podes sempre pôr alguém como segundo titular da conta.

-- É, eu vou saber o dia em que me vou e uma semana antes altero os titulares da conta, vai no batalha!

-- Mas porque queres vir-te embora?

-- Não sirvo para chefe, não gosto de mandar em ninguém, gosto de mandar em mim e em mais ninguém, não tenho de me virar para os meus colegas e mandá-los trabalhar!

-- Se o patrão te considera chefe, é sinal de que confia no teu trabalho.

-- Pai, eu não gosto de ser escravo, mas por um objectivo aceito temporariamente ser escravo, mas esse tempo está a acabar, já não tenho nem vou para o trabalho com a mesma vontade, quero fazer outras coisas.


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