domingo, 10 de novembro de 2024

O elefante

 A Teodora sentia-se muito bem instalada no salão restaurnte do hotel de luxo. A Elli, de quem aquela fazia as vezes de elefante, escrevia cartas, onde contava que estava a ter uma vida regalada.

As criadas do restaurante deitavam a sopa nos pratos.

Isselstein e Hopfner surgiram aos pulos e a conversa animou; tenho tão pouca capacidade na arte de me saber expressar como um miúdo!

Ão-ão! Quem fez este barulho?

O nosso Hopfner, que deixava o olhar deslizar em torno da silhueta de Teodora.

Esta estremeceu, mas, na sua qualidade de elefante, manteve-se provisoriamente em silêncio. Os elefantes têm a arte de estabelecer relações. Para si próprios não têm em mira nenhum objectivo. Teodora não passava de uma espécie de apêndice.

Voltemos então a Hopfner, que gostava de dizer: «Deus me livre!» E também aqui me assemelho mais uma vez a um miúdo, porque não domino a arte de imitar.

Os desejos de Isselstein centravam-se cada vez mais na Elli, a qual não estava a notar nada do interesse de Hopfner pelo elefante.

Panorâmica da discreta natureza alpina e um novo «ão-ão» de Hopfner.

A correspondência era cada vez mais animada.

«Porque é que não diz nada?», implorou Hopfner. O belo seio dela agitou-se. A incapacidade de fazer prosa elegante apresenta as suas desculpas.

Ele prosseguiu: «Será que acha impensável que a tomem a sério?»

«Tenho de me habituar primeiro a essa ideia.»

«Não suporto mais continuar a ficar privado de um sim dito por esses lábios tão queridos.»

Ela fixou nele o olhar; ele compreendeu a resposta.

Isselstein e Elli encontraram-se também um ao outro; os quatro regressaram ao local de onde haviam vindo.

O papá não queria nada com o Isselstein, estava a contar com o Hopfner, que lhe fez saber da sua predilecção pelos elefantes.

Wally, a mãe, achou propícia a ocasião para fazer sobressair o seu sobressalto. Elli defendeu com sucesso a causa do seu Isselstein. Teodora espantou-os a todos. Verificar que um fenómeno acessório pode ter quem o deseje era para todos uma novidade absoluta.

Os pais deram-se por satisfeitos. A Elli ficou abraçada ao seu eleito, que continuava, como dantes, a chamar-se Isselstein.

Hopfner não fez mais ouvir o seu «ão-ão» nem, também, o seu «Deus me livre!» Fez uma coisa muito mais significativa.

Declarou à Teodora: «Tu agora és minha, mas eu nem consigo ainda acreditar que isso é verdade.»

«Eu tão-pouco! Somos os dois muito parecidos nisso de não-conseguir-acreditar-ainda-que-tudo-isto-seja-possível.»

O Cupido aconselhou-os a beijarem-se.

Hopfner levou ainda algum tempo a fazer tentativas até que conseguiu executar a sua obra e ambos confundiram os seus hálitos em ternas audácias até que o menino à boca de cena fez correr o pano.



Robert Walser

página 116 - 117

em A Rosa

edição Relógio d'Água

tradução de Leopoldina Almeida



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