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Hoje de manhã em Tintus Rius, onze horas nas instalações da empresa A-:
«Estou sob contrato há 18 meses, o contrato foi renovado automaticamente por mais seis meses. Só por extinção do posto de trabalho me podem agora legalmente despedir.»
Civilizadamente o acordo chega: «Vai gozar o seu restante período de férias e volta ao serviço dia seis.»
Quando saio da reunião por volta do meio-dia, dou por mim a pensar que o mais provável é cumprir os próximos seis meses e o contrato, a termo certo, não ser mais renovado, pois não aceitei a transferência para a empresa C-. É possível igualmente que me encostem a varrer o chão durante esse período, algo que cumprirei com rigor. Não lhes quero dar desculpas para despedimento selvagem. Tenho contas de escravo para pagar, sou um escravo não sou um patrão, não me posso dar ao luxo de ser sempre insolente perante a gerência mesmo quando tenho razão, e vendo o lado positivo... Estas quase duas semanas-extra de férias vão-me dar tempo de me organizar, de encontrar um quarto mais barato e que me garanta uma cozinha. Nesta pensão onde estou é insustentável ficar a longo prazo. Toda esta história dos quarenta e nove koans em Derza se iniciou neste caderno de capa preta a partir do momento em que eu previ um momento de possível apocalipse: «adiei o desemprego, adiarei a queda na rua!»
Caminho agora para a paragem e, antes de decidir em que autocarro e destino entrar, ligo para o número da Sandra com quem tinha apalavrado um quarto. Uma contrariedade surge: os outros ocupantes da casa querem conhecer-me. Digo a Sandra: «É natural que assim seja mas deixaram-me todo este tempo pendurado na promessa de um quarto que pode já não ser certo.»
Ela dá-me o contacto telefónico dos outros residentes, desligo e entro no autocarro para o centro da cidade e, enquanto olho a paisagem, penso: «quero ver se ainda esta tarde resolvo o assunto, estou ansioso e em caso de resposta definitiva e negativa tenho de procurar alternativas. Esta tarde os meus planos não passam por fumar, hoje não haverá lazer. Tenho telefonemas para fazer, anúncios para pesquisar.»
As consequências de esta tarde não ter havido nem lazer nem ócio fazem-se sentir agora à meia-noite, em noite de insónia ouço Virgin Prunes.
Muitas vezes fiz listas de bandas, álbuns a comprar, as melhores músicas para ouvir em modo aleatório nos auscultadores enquanto pedalava, eram tempos em que ignorava o perigo de me alhear no trânsito, era um jovem sem medo e com bicicleta. Nesta altura cheguei a considerar Van Der Graaf como a melhor banda dos anos setenta, Sonic Youth dos oitenta e Coil dos noventa. Hoje pela sua substância psicológica Virgin Prunes é a melhor banda de sempre: «O here we go, round and round again, down the memory lane.»
Agora em noite de insónia ouço Virgin Prunes. A insónia – um produto da ansiedade, não durmo porque estou ansioso, estou ansioso porque amanhã vou ver um quarto-sala mobilado com acesso a cozinha e máquina de lavar por duzentos e trinta euros, água e luz incluído. Vou tentar baixar o preço mas se gostar, aceito de qualquer maneira.
Estou ansioso porque as coisas correram mal, a Sandra vai deixar o quarto e o seu quarto ficaria para mim, foi o que estava apalavrado, mas agora a Célia e o Raimundo parece que precisam da autorização da prima... foda-se podiam ter dito mais cedo!
Quarto riscado da lista, hoje em dia as listas que faço já não são de discos mas listas de quartos para alugar.
Tem o seu quê de piada suburbana. Ora vejamos, falei com o Joaquim e esse quarto já está ocupado. Vi outro quarto por cento e oitenta euros mais água e luz mas não me agradou, muito pequeno. Hum, se amanhã não correr bem, bem... se amanhã às onze em Coñejo Latino não correr bem continuo aqui na pensão até ao fim do mês, não me posso deixar cair em pensamentos negativos, não tenho agora que pensar no que fazer após um apocalipse que, se eu pensar positivo pode nunca ocorrer o negativo mas nem tudo depende de mim, se eu pensar positivo... se eu contar carneiros adormeço agora e daqui a algumas horas já estou a morar num palácio! Ah, quando andava de bicicleta tinha pouco dinheiro para listas de compras e hoje se não tivesse o dinheiro possível de dezoito meses de trabalho, a ganhar o salário mínimo, estava a morar na rua em cima de cartão, é nisso que tenho de pensar para adormecer, não preciso de pensar agora que não sobreviveria se fosse um sem-abrigo, afinal consegui segurar o trabalho por mais seis meses, nem tudo é mau na minha vida.
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Claudio Mur
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