Andam a ligar-me constantemente destes dois números:
225075100
223405800
A primeira vez atendi: silêncio na linha, desliguei.
A segunda vez atendi: silêncio na linha, esperei, uma voz falou, nem sequer sabiam para quem estavam a ligar, disseram que era da Meo, disse-lhes logo que não estava interessado e que já tinha dito que não queria ser incomodado pela Meo através do telefonema de desgraçados que precisam de ganhar dinheiro e que se sujeitam por um miserável e precário salário a incomodar pessoas por telefone em nome de uma empresa. desliguei.
Mas a Meo não desiste, experimenta um número novo e liga de novo. penso que a Meo já foi alvo de queixas mas parece que não adianta, eles continuam a ligar. como o meu telemóvel não bloqueia automaticamente nºs de telefone, as 4 chamadas que hoje recebi foram silenciadas ao primeiro toque de chamada em ligação.
https://ligaram-me.com/numero/ acrescentem a este link um qualquer nº que vos liga obsessivamente.
estou a pensar usar uma nova estratégia: atender e pousar o telemóvel na mesa e deixá-los falar para o boneco enquanto gastam o dinheiro da chamada. Já resultou com outros números.
É que não adianta: ELES QUEREM VENDER À FORÇA.
sexta-feira, 31 de maio de 2019
quarta-feira, 29 de maio de 2019
segunda-feira, 27 de maio de 2019
Jim-Joyce, esse detective sabia-a toda :)
'
O mistério da paternidade da prosa só foi esclarecido quando (...) o ABC resolveu pôr Reinaldo Ferreira a entrevistar o «Repórter X».
Satisfazendo a curiosidade do entrevistador, o «Repórter X» revela que tinha «publicadas algumas centenas de novelas, em português e espanhol -- mas a maioria anónima ou com nomes norte-americanos. Em seis meses fiz sessenta aventuras de um polícia yanquee e Jim-Joyce que vai ser traduzido em seis idiomas... Um colega, dos mais sisudos, apareceu-me com um Jim-Joyce na mão e, ignorando que era eu o seu autor, declarou-me: «Só os americanos possuem uma fantasia capaz de engendrar novelas como esta».
Por mais buscas que se façam, não se encontra traço de «JIM-JOYCE» nas bibliotecas e arquivos lusitanos. A obra destinava-se a publicação simultânea em Portugal e no Brasil, mas, ao que parece, falhada, por qualquer motivo, a componente lusitana, só viu a luz do dia no país irmão.
'
, páginas 26-27
Joel Lima prefaciando:
«Memórias extraordinárias do Dr. Duque, o cartomante do raciocínio'
Reinaldo Ferreira (Repórter X)
Edição Livros do Brasil
O mistério da paternidade da prosa só foi esclarecido quando (...) o ABC resolveu pôr Reinaldo Ferreira a entrevistar o «Repórter X».
Satisfazendo a curiosidade do entrevistador, o «Repórter X» revela que tinha «publicadas algumas centenas de novelas, em português e espanhol -- mas a maioria anónima ou com nomes norte-americanos. Em seis meses fiz sessenta aventuras de um polícia yanquee e Jim-Joyce que vai ser traduzido em seis idiomas... Um colega, dos mais sisudos, apareceu-me com um Jim-Joyce na mão e, ignorando que era eu o seu autor, declarou-me: «Só os americanos possuem uma fantasia capaz de engendrar novelas como esta».
Por mais buscas que se façam, não se encontra traço de «JIM-JOYCE» nas bibliotecas e arquivos lusitanos. A obra destinava-se a publicação simultânea em Portugal e no Brasil, mas, ao que parece, falhada, por qualquer motivo, a componente lusitana, só viu a luz do dia no país irmão.
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, páginas 26-27
Joel Lima prefaciando:
«Memórias extraordinárias do Dr. Duque, o cartomante do raciocínio'
Reinaldo Ferreira (Repórter X)
Edição Livros do Brasil
quinta-feira, 23 de maio de 2019
Eu sou santinha mas não obro milagre, a santa é de barro, eh pá, deixa de ser mal-educado
-- Então, vamos lá falar das nossas amigas...
-- Que nossas amigas?
-- Das nossas amigas do bar.
-- Que bar?
-- ihihih sabes que a própria empregada estava a fazer-te olhinhos!
-- Quem?
-- Esta nova empregada...
-- Ãaaa...
-- Também te perguntou «que música quer ouvir?»
-- Eh pá, tu és do piorio...
-- E depois à saída saudou-te tchau beijinhos...
-- Eu não vi nada...
-- E eu também saudei e disse tchau para ela mas ela fez uma cara...
-- Ahahah! Mas pronto, tás curtindo com minha cara, é?, tu estás inventando coisas...
-- Ora, eu estou a dizer a verdade...
-- A verdade é que ela me veio perguntar qual era a música que eu queria e eu disse «por mim tá tudo bem», depois eu podia querer uma música que ela não tinha...
-- Ela iria procurar.
-- É verdade eu gosto daquela música «eu só quero é ser feliz», põe essa música, anda lá, «morar tranquilamente na favela onde eu nasci», bom, eu não nasci em favela mas gosto do povo que mora lá, morro do dendé. Parece que naquele dia eu estava muito concorrida.
-- É, estavas.
-- Eu imagino se ele me visse lá ihihih eu ia cagar de tanto rir.
-- É, se fosse um homem saltava-lhe a tampa mas se visse que era uma mulher saltavam-lhe duas tampas.
-- Ihihih...
-- Vamos lá contar a história outra vez, conta lá do teu ponto de vista, faz o filme, o resumo.
-- Eu faço o filme verdadeiro.
-- É isso, conta os pormenores à tua maneira, conta a verdade.
-- Bom, nós estávamos no bar, eu «santinha muito sossegadinha no meu canto né», estou ali com a minha cerveja... portanto, o meu colega aqui do lado, que se chama Rui, estava todo empolgado, parecia que tinha visto passarinho verde, todo risonho prá gaja, foi assim que eu vi o filme, todo risonho todo empolgadão, de repentemente ela tem assim um pití no cérebro e me diz que eu sou muito bonita e me chama pra dançar...
-- Eheheh...
-- Tem uma piada não tem?
-- Eu achei piada porque ela entrou no bar e dirigiu-se à casa-de-banho, passou por mim, olhou para nós, olhou para mim e riu-se, eu pensei, eu liguei logo as antenas, disse logo «vai haver festa».
-- Ah pois!
-- Depois ela voltou, saiu, voltou outra vez, comprou duas cervejas, pegou nas cervejas a olhar para nós e a rir-se, para mim e para ti, ainda dançou um bocadinho a olhar para nós, a sambar pelos vistos muito mal...
-- Realmente aquilo em termos de samba é como diz o outro: «jesuí!»
-- Pegou nas cervejas, sambou um bocadinho, foi lá para fora, depois voltou para dentro já sem as cervejas e foi aí que fez aquela brincadeira, eu estava meio parvo a rir-me porque estava todo contente...
-- Ahahah
-- Estava a ser um espectáculo interessante, estava a divertir-me com a dança dela...
-- Ah tá! Aquela palhaçada...
-- Ela a olhar para mim e ela a olhar para ti, depois é que disse «você é muito bonita, não quer dançar comigo?», tu disseste «não sei dançar não».
-- É verdade, realmente com mulher não sei dançar.
-- E o que ela disse, ficou assim meio parada, acho que fez uma cara meio esquisita, e depois perguntou-se «mas eu vim aqui procurar qualquer coisa», deu meia volta, dirigiu-se para fora, na soleira sambou mais um bocado, olhou para trás, ela tinha um puxinho na cabeça loura, corpo lindo, devia ser mais nova que nós...
-- Eu só sei de uma coisa, você todo empolgadão e o tiro saiu pela culatra, ihih que vergonha ihihih.
-- Oh que vergonha não, não estava à espera que ela gostasse mais de mulheres que de homens.
-- Ó pá, e eu estava à espera? Eu estava achando engraçado é que tu estava todo empolgado...
-- Estava pois estava...
-- E de repente levaste um tiro pela culatra, que vergonha...
-- Mas eu, na altura, nunca duvidei, nunca duvidei de ti, quando ela te fez a pergunta eu nunca duvidei de ti, não olhei para ti a ver o que respondias.
-- Tu acha que eu sou parva. Com certeza que tu disse «caralho, eu pensando que a rapariga me tava dando bola».
-- Iá...
-- E eu santinha no meu canto tenho de levar com isso.
-- É, a gente no nosso canto, a curtir a nossa música, a ver os vídeos da Anitta, a beber a nossa cerveja...
-- Ó meu filho, a concorrência é grande, tu perde...
-- É o que eu sempre digo, eu perco sempre, mas... quero dizer, no fim tu voltas sempre para mim eheheh.
-- Ó pá, eu não tenho outro amigo.
-- Pronto, mas eu naquela noite cheguei a casa e pensei «nós somos mesmo o duo maravilha, ou é cerveja de graça ou é alguém que torna a noite divertida». Até falei ao Ximenes e disse «a minha amiga e eu somos o duo maravilha, divertimo-nos sempre quando vamos ao centro, ela é carismática, as pessoas ficam como que enfeitiçadas, metem-se connosco, com ela, ela agrada tanto a homem como a mulher, ela gosta de estar no meio da multidão, no meio do fumo, observar, curtir a música, o ambiente, agora a gaja, que se chegou à frente, olhou para mim a ver se eu dava autorização»...
-- Tu estás bem, desde quando tu é meu pai?
-- Eu pensei que quando ela entrou no bar e olhou para mim ela me conhecia de algum lado...
-- Você conhece ela de algum lado?
-- Não, mas como eu pus aquela foto minha com o cromo na testa... sei lá se ela não viu a minha cara em algum lado, eu pus também já fotos tuas...
-- Ah deixa eu ver!
-- E então ela podia nos conhecer ou conhecer um de nós. Então, quando ela começou a dançar e olhou para mim, como eu não me manifestei e estava ali meio parvo a rir-me, ela viu «este gajo não diz nada, é lelé da cuca, eu quero me’mo é ela, vou mas é fazer-me ao bife, porque é ela que eu quero», mas depois tu deste-lhe o corte e ela sentiu-se fodida, dançou mais um bocadinho para disfarçar e foi ter com um grupo que estava na esplanada, deu beijinho a todos e sentou-se com eles.
-- E fez muito bem.
-- Prontos, mas para que as pessoas que nos ouçam não se fiquem só a rir de ti e dela, também tenho de dizer que eu também tenho, às vezes, algumas ideias malucas, em que nem sei bem se sou homem ou mulher, lembras-te dos beijinhos que mandei ao senhor da galeria?
-- Ihihih foi mesmo engraçado.
-- Eu estava contigo nessa tarde e ele telefonou e perguntou se eu estava bem, eu disse que estava no paraíso e ele perguntou «como assim?», eu disse que estava com a minha amiga, então ele compreendeu, falámos dos nossos assuntos e no final eu, ao despedir-me, mandei-lhe beijjinhos, perdi a noção de que estava a falar com ele, pensei que estava a falar contigo mas tu estavas ao meu lado eheheh isso é que tem piada...
-- É engraçado que o teu tiro sai sempre pela culatra, tu não sabe que não pode comigo? Eu sou uma deusa!
-- É, para mim tu és uma musa.
-- Sabes o que eu acho? É que só há dois animais fiéis: o cão e o cavalo marinho, ele é fiel à companheira e vocês... aparece sempre uma gaiata no navio, estavas ali, os teu olhos brilhavam, um sorriso de orelha a orelha e depois... que decepção, os seus olhos murcharam...
-- Ó sabes o que eu pensei quando cheguei a casa, é que há sempre alguém que me quer roubar a amiga, já não é a primeira vez, já uma vez eu tinha uma amiga galega de vinte e poucos anos, nós fomos um dia prá noite de Derza divertirmo-nos, e olha... pagaram-nos cerveja, charros, panikes de chocolate e ovo, chegaram até a meter conversa para ver se eu me perdia dela, mas olha, no fim quem a acompanhou ao metro às seis da manhã fui eu! E contigo é igual: tu voltas sempre para mim.
-- Tenho de ir para casa, gosto daquela música «me dê motivos para ir embora», põe em ecrã grande.
-- Ah sim o Tim Maia.
-- É a última, depois vou.
, anónim@s do século XXIII
quarta-feira, 22 de maio de 2019
Maria João Potiguá
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É o que eu digo: dá para fazer um livro. Esse, pelo menos, teve outro tipo de pensamento, não quis se matar, não quis se suicidar, olha, entrou para a polícia, «para fusilar os bandidos», ah olha, prender os bandidos, «é não é?», pois... hoje ele é tenente... não, ele é capitão, pelo menos teve um bom pensamento, tocou a vida dele para a frente, mas tem um problema: ele não casou, ainda não casou, «eheh vai casar contigo quando voltares à tua terra». Não, não quero, não dá certo, ele é da polícia e eu sou da turma dos vagaba: «ele é o eterno apaixonado». Depois ainda há outro, o pai da minha filha, esse é que foi uma guerra para me livrar dele, chamava-se... é engraçado que tive um casal de filhos e os pais se chamavam pelo mesmo nome: Zé Tó, sim, casei com duas pessoas com o mesmo nome, sim, para me livrar do pai da minha filha foi problemático, eu com seis meses de gravidez parecia que tinha duas crianças dentro da barriga, poim!, uma senhora barriga, não foi à toa que a minha filha pesou três kilos e trezentas gramas, e ele mesmo, eu grávida, puxou uma faca para mim, eu disse que não queria mais ele e botei a roupa dele no meio da rua, eu quando era mais nova era ruim, não suportava ninguém, eu era como minha mãe dizia «tu não tem coração» ah pois não, pois o meu caminho eu faço sempre, não sei porquê, ele ameaçou-me com uma faca, eu grávida, pôs uma faca na minha barriga, eu disse «olha empurra, se és homem enterra, agora ficar contigo eu não fico», e não fiquei, tive minha filha e não fiquei com ele nem lhe dei o direito de olhar para a minha filha, eu não deixei ele se aproximar da minha filha, só o via bêbado caindo pelos cantos, bêbado mesmo, não comia, bebia para dormir e dormia para beber, ia chegar perto da minha filha bêbado por que propósito?, não, não deixei. Aí uma rapariga se interessou por ele, também era cachaceira como ele, juntaram tomé com bebé, e os dois andavam pela rua bêbados, uma caía para o lado o outro caía para o outro, olha que figuras lindas!, mas mesmo depois que o mandei embora ele me pastoreava na rua como se eu fosse a ovelha e ele o flautista que puxa de faca, ele me seguia. Na altura, a minha mãe estava separada de meu pai, viviam em casa separadas e era minha tarefa levar o jantar a casa de meu pai, ele sabia cozinhar como ninguém, ele era cozinheiro de restaurante e tudo mais, e não tirou curso, nunca foi a uma escola, é analfabeto, só sabe escrever o nome mas cozinha como ninguém, mas eu tinha de levar a comida de meu pai: na altura em que ele se separou da minha mãe, ele passou um período difícil de doença, e era eu que estava ali segurando o barco, ia lá levar-lhe o almoço, ele não obedecia a ninguém, mas eu tinha maneira de falar com ele, primeiro porque ele era meu pai e não lhe ia faltar ao respeito, muita calma, dava as voltinhas, brincava com ele, fazia como com os bébés «olha o aviãozinho» e ele abria a boca, começava a dar-lhe a volta, o meu pai era jovem na altura, e foi aí que quando eu deixei o pai da minha filha ele me começou a seguir quando eu ia levar o almoço a meu pai, e me pastoreava, como eu não levava desaforo para casa, eu era daquelas «a faca entrava, o sangue descia, dizia ‘empurra anda lá isso é pouco’», não levava desaforo para casa, senão ficava com remorsos, tinha de chegar perto da pessoa e conversar e concerteza eu ia dormir no xelindró, eu era assim, dormia um dia e o outro dia também, todo o dia eu arranjava uma zaragata, uma bagunça, na minha terra eu chegava num café, começava a beber cerveja e ia logo para o balcão, sentava-me em cima do balcão, parecia a patroa quando não era, eu era uma cliente, já estava chapada «agora vou-me sentar em cima do balcão e se quiser chama a polícia», e eles chamavam, lá vou eu, os rapazes já estavam tão acostumados que acabavam por dizer «dorme aí em cima do balcão e amanhã vais para casa», era assim que eles diziam para mim, era um dia sim outro dia também, o que eles não me aturaram, e olha que na minha terra eu tenho um primo que é cabo da polícia, e por causa de eu estar sempre a ir de saco ao fim da noite, ele hoje não fala comigo, quando ele passa na rua ele muda de passeio, todo fardado todo autoritário nariz empinado ele é a lei mas quando está à paisano como eu e tu: ele quando me vê muda de passeio, e um dia eu estava fodida com esta merda e lhe disse «vem cá, eu tenho alguma lepra?, porque quando me vês mudas de passeio? não te esqueças que és do meu sangue, muda o sangue que eu quero ver, tu és meu primo!, não te esqueças disso», olha, engoliu minhas palavras, nem disse bem nem mal, abaixou os olhos e foi-se embora para casa. No outro dia, mandou-me chamar para eu ir conversar com ele na sua casa, ele disse que ele estava fazendo o seu trabalho e que eu pisava a linha, eu disse que meu pai não me ensinou a ser frouxa, sou quase uma maria joão da terra dos Potiguá, uma mulher no meio dos homens pronta para tudo, ele disse «vai-te embora» e eu disse só para o arreliar «mais logo à noite estarei no posto de polícia para a gente apertar dois dedos de prosa.» «Tu consegues irritar o próprio satanás!, ai meu deus, onde fui amarrar meu bode...»
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anónim@s do séc. xxiii
terça-feira, 21 de maio de 2019
segunda-feira, 20 de maio de 2019
Na exposição D'Après com a minha mãe e a minha irmã
A maior preocupação da minha mãe sempre foi que eu estudasse e arranjasse um emprego.
Foi assim que aos 13 anos, ela me arranjou trabalho nas férias grandes numa farmácia,
onde fui «moço» e sujeitei-me a ser asfixiado com amoníaco pelo filho do patrão e o empregado.
A sua maior preocupação ainda hoje é que nunca me falte nada, que eu ande arranjado e não pareça mal e que tenha dinheiro para comer e que não estoure o dinheiro todo e o poupe, porque ela sabe que quando ela falecer, a minha vida vai piorar.
Ainda assim, eu acho que ela sente orgulho por este meu sucesso temporário com esta exposição.
Já agradar ao meu pai é mais difícil, não resisto em transformar em anedota as suas palavras, ao saber que um quadro meu foi vendido para a Colômbia:
«Deve ter sido um terrorista das farc.»
Mas lá no fundo, eu quero acreditar que ele se sente feliz pelo filho.
sábado, 18 de maio de 2019
Lama
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-- Eu jantei ainda agora...
-- O que é que jantaste?
-- Macarrão com salsicha!
-- Ainda tens?
-- Sim, não vês que eu voltei para casa dele.
-- Mas eu só te dei um pacote e duas latas, um pacote só dá para duas refeições.
-- Mas aí eu tomei água.
-- Iá...
-- Quando eu olho para a minha casa e ela está de cabeça para baixo, chega a dar-me uma tristeza, no máximo em dois dias eu ponho ela em ordem. Tem que ser. Tu já jantaste?
-- Já. Já são quase nove horas. Eu daqui a pouco até me vou deitar, mais uma hora ou quê e...
-- Ora eu me acordo e você vai dormir? Danou!
-- Ihihih, sabes como é o meu sistema, deito-me sempre cedo.
-- Eu vou dormir aí estilo meia-noite praí, vou assistir ao filme, vou dormir, amanhã tenho de acordar cedo para ir resolver os meus problemas, dependendo da hora que eu acordar eu vou lá buscar as minhas coisas... e entregar a chave dele.
-- É o que fazes melhor, ele mandou-te embora.
-- Eu fiquei revoltada com ele é porque... foi a maneira como ele falou «saia de dentro da minha casa», e me humilhou.
-- O que é que ele disse mesmo?
-- Saia de dentro da minha casa!
-- E a que horas é que ele disse isso?
-- Quando eu cheguei?
-- A que horas é que chegaste?
-- Sei lá, umas cinco, seis horas da manhã.
-- Ele queria que tu saísses de casa às cinco da manhã?
-- Pois. Mas eu estava com sono e fui dormir.
-- Claro, foste dormir, e onde é que ele dormiu?
-- Ã!, ele dormiu no canto dele... mas ele dormiu e quando eu cheguei ele acordou... e depois não dormiu mais, ele saíu, uma coisa assim, eu peguei no sono e acordei na hora do jogo, olha o meu Boavista ganhou de três!
-- O Boavista ganhou três?
-- Quando eu saí estava três a zero e não sei quanto ficou no final.
-- Espera aí que eu vou ver, deixa ver se eu consigo ler o resultado do Boavista... ah, o Boavista ficou três a um...
-- Eu não estava reparando muito no jogo, depois de terminar o jogo eu estava sentada numa mesa e ele estava sentado noutra, mas eu nem falei com ele nem nada, não quis conversa, portanto... eu ia falar com ele para ele me tratar mal? Não!, e à frente dos outros? Aí é que eu me ia passar dos carretos.
-- Iá...
-- Eu fiquei num canto e ele ficou noutro e quando terminou o jogo ele ficou mais um pedaço ali, depois foi embora para casa dele, depois... ele voltou, só para ver se eu estava lá, ele voltou, sentou numa mesa, e nem passados cinco minutos levantou-se e foi-se embora. Foi quando eu me vim embora, terminei a minha cerveja, vi um pedaço do Boavista e vim embora, se ele voltou lá novamente eu não sei, também não me interessa, quero lá saber, para mim ele morreu, está morto e enterrado, agora não tem volta, quero a minha liberdade, estou na minha casinha estou no meu canto, não me chateio não digo nem escuto. Não é?
-- É, acho que sim.
-- O homem sempre a duvidar... como é que eu sabia se era homem ou mulher?
-- Diz...
-- Eu disse: ninguém podia ligar-me para o telemóvel que ele queria saber quem era, e eu sou obrigada a dizer quem me liga?!, ele queria saber se era homem ou mulher... havia dias em que chegou às duas horas da manhã, duas!, quer dizer... ele pode sair e eu não posso?, a hora que eu quiser ora que caralho!, desde quando ele é meu dono?
-- Claro!
-- E apeteceu-me ir tomar uma cerveja e fui, o bar estava fechado, então fui ao da porta ao lado, bebi paguei e olha, e fui-me embora, quando eu chego depois ele acorda e diz «saia de minha casa!», ele tratou-me como se eu fosse uma cadela, ele que fique com a riqueza dele, eu fico aqui na minha pobreza...
-- Tratou-te mal.
-- Mas ele não é meu dono, ninguém é meu dono, eu sou dona de mim própria.
(Silêncio na chamada pela câmera web, ouvimos um vinil de música andalusa marroquina.)
-- Gostas mais desta música?
-- Não. Música indiana é muito mais bonita.
-- Não gostas? O que queres ouvir? Queres ouvir Nubinha?
-- Pode ser.
-- Eheh eu já tinha saudades destes momentos. Vais ouvir Nubinha. Nunca ouviste Nubinha pelo computador!
-- Pode ser.
( Então eu ponho um lp de Núbia LaFayette a tocar no giradiscos, a primeira música chama-se Lama, fala de humilhações conjugais.)
-- Estou sem net no telmóvel. Não posso falar com a minha mãe.
-- Tens que te ligar à rede do computador pelo wifi.
-- Ah mas eu não sei como isso se faz.
-- É facil, é ir ao router e ver por trás o nome da rede e a palavra passe e depois meter no telemóvel.
-- Ah mas eu vejo isso amanhã, deixei lá os meus óculos...
-- Tens a lupa!
-- É! Com um olho fechado e outro aberto?
-- Escreves num papel.
-- Quando eu criar coragem que eu daqui não saio agora.
-- Tábem, não precisa de ser agora.
-- Também agora não vou falar com a minha mãe, mas nem consigo jogar, não tenho os óculos... diz?
(Ouve-se Núbia a cantar devolvi e eu começo a cantar o refrão.)
-- Ah mas eu não devolvi nada, que ele não me deu nada, quero dizer, para não dizer que ele não me deu nada ele deu-me umas botas e eu gosto muito delas.
-- Já trouxeste?
-- Não, estão lá. Vou lá amanhã.
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-- Eu jantei ainda agora...
-- O que é que jantaste?
-- Macarrão com salsicha!
-- Ainda tens?
-- Sim, não vês que eu voltei para casa dele.
-- Mas eu só te dei um pacote e duas latas, um pacote só dá para duas refeições.
-- Mas aí eu tomei água.
-- Iá...
-- Quando eu olho para a minha casa e ela está de cabeça para baixo, chega a dar-me uma tristeza, no máximo em dois dias eu ponho ela em ordem. Tem que ser. Tu já jantaste?
-- Já. Já são quase nove horas. Eu daqui a pouco até me vou deitar, mais uma hora ou quê e...
-- Ora eu me acordo e você vai dormir? Danou!
-- Ihihih, sabes como é o meu sistema, deito-me sempre cedo.
-- Eu vou dormir aí estilo meia-noite praí, vou assistir ao filme, vou dormir, amanhã tenho de acordar cedo para ir resolver os meus problemas, dependendo da hora que eu acordar eu vou lá buscar as minhas coisas... e entregar a chave dele.
-- É o que fazes melhor, ele mandou-te embora.
-- Eu fiquei revoltada com ele é porque... foi a maneira como ele falou «saia de dentro da minha casa», e me humilhou.
-- O que é que ele disse mesmo?
-- Saia de dentro da minha casa!
-- E a que horas é que ele disse isso?
-- Quando eu cheguei?
-- A que horas é que chegaste?
-- Sei lá, umas cinco, seis horas da manhã.
-- Ele queria que tu saísses de casa às cinco da manhã?
-- Pois. Mas eu estava com sono e fui dormir.
-- Claro, foste dormir, e onde é que ele dormiu?
-- Ã!, ele dormiu no canto dele... mas ele dormiu e quando eu cheguei ele acordou... e depois não dormiu mais, ele saíu, uma coisa assim, eu peguei no sono e acordei na hora do jogo, olha o meu Boavista ganhou de três!
-- O Boavista ganhou três?
-- Quando eu saí estava três a zero e não sei quanto ficou no final.
-- Espera aí que eu vou ver, deixa ver se eu consigo ler o resultado do Boavista... ah, o Boavista ficou três a um...
-- Eu não estava reparando muito no jogo, depois de terminar o jogo eu estava sentada numa mesa e ele estava sentado noutra, mas eu nem falei com ele nem nada, não quis conversa, portanto... eu ia falar com ele para ele me tratar mal? Não!, e à frente dos outros? Aí é que eu me ia passar dos carretos.
-- Iá...
-- Eu fiquei num canto e ele ficou noutro e quando terminou o jogo ele ficou mais um pedaço ali, depois foi embora para casa dele, depois... ele voltou, só para ver se eu estava lá, ele voltou, sentou numa mesa, e nem passados cinco minutos levantou-se e foi-se embora. Foi quando eu me vim embora, terminei a minha cerveja, vi um pedaço do Boavista e vim embora, se ele voltou lá novamente eu não sei, também não me interessa, quero lá saber, para mim ele morreu, está morto e enterrado, agora não tem volta, quero a minha liberdade, estou na minha casinha estou no meu canto, não me chateio não digo nem escuto. Não é?
-- É, acho que sim.
-- O homem sempre a duvidar... como é que eu sabia se era homem ou mulher?
-- Diz...
-- Eu disse: ninguém podia ligar-me para o telemóvel que ele queria saber quem era, e eu sou obrigada a dizer quem me liga?!, ele queria saber se era homem ou mulher... havia dias em que chegou às duas horas da manhã, duas!, quer dizer... ele pode sair e eu não posso?, a hora que eu quiser ora que caralho!, desde quando ele é meu dono?
-- Claro!
-- E apeteceu-me ir tomar uma cerveja e fui, o bar estava fechado, então fui ao da porta ao lado, bebi paguei e olha, e fui-me embora, quando eu chego depois ele acorda e diz «saia de minha casa!», ele tratou-me como se eu fosse uma cadela, ele que fique com a riqueza dele, eu fico aqui na minha pobreza...
-- Tratou-te mal.
-- Mas ele não é meu dono, ninguém é meu dono, eu sou dona de mim própria.
(Silêncio na chamada pela câmera web, ouvimos um vinil de música andalusa marroquina.)
-- Gostas mais desta música?
-- Não. Música indiana é muito mais bonita.
-- Não gostas? O que queres ouvir? Queres ouvir Nubinha?
-- Pode ser.
-- Eheh eu já tinha saudades destes momentos. Vais ouvir Nubinha. Nunca ouviste Nubinha pelo computador!
-- Pode ser.
( Então eu ponho um lp de Núbia LaFayette a tocar no giradiscos, a primeira música chama-se Lama, fala de humilhações conjugais.)
-- Estou sem net no telmóvel. Não posso falar com a minha mãe.
-- Tens que te ligar à rede do computador pelo wifi.
-- Ah mas eu não sei como isso se faz.
-- É facil, é ir ao router e ver por trás o nome da rede e a palavra passe e depois meter no telemóvel.
-- Ah mas eu vejo isso amanhã, deixei lá os meus óculos...
-- Tens a lupa!
-- É! Com um olho fechado e outro aberto?
-- Escreves num papel.
-- Quando eu criar coragem que eu daqui não saio agora.
-- Tábem, não precisa de ser agora.
-- Também agora não vou falar com a minha mãe, mas nem consigo jogar, não tenho os óculos... diz?
(Ouve-se Núbia a cantar devolvi e eu começo a cantar o refrão.)
-- Ah mas eu não devolvi nada, que ele não me deu nada, quero dizer, para não dizer que ele não me deu nada ele deu-me umas botas e eu gosto muito delas.
-- Já trouxeste?
-- Não, estão lá. Vou lá amanhã.
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Anónim@s do século xxiii
terça-feira, 14 de maio de 2019
Time is money, bastard
'Time is money, bastard'
óleo sobre madeira
20cm por 25cm
2019
ZMB
Inspirado na fase Greed / Holy Money dos Swans, época 1985
sexta-feira, 10 de maio de 2019
quinta-feira, 9 de maio de 2019
sábado, 4 de maio de 2019
sexta-feira, 3 de maio de 2019
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