quinta-feira, 23 de maio de 2019

Eu sou santinha mas não obro milagre, a santa é de barro, eh pá, deixa de ser mal-educado

-- Então, vamos lá falar das nossas amigas... 
-- Que nossas amigas? 
-- Das nossas amigas do bar. 
-- Que bar? 
-- ihihih sabes que a própria empregada estava a fazer-te olhinhos! 
-- Quem? 
-- Esta nova empregada... 
-- Ãaaa... 
-- Também te perguntou «que música quer ouvir?» 
-- Eh pá, tu és do piorio... 
-- E depois à saída saudou-te tchau beijinhos... 
-- Eu não vi nada... 
-- E eu também saudei e disse tchau para ela mas ela fez uma cara... 
-- Ahahah! Mas pronto, tás curtindo com minha cara, é?, tu estás inventando coisas... 
-- Ora, eu estou a dizer a verdade... 
-- A verdade é que ela me veio perguntar qual era a música que eu queria e eu disse «por mim tá tudo bem», depois eu podia querer uma música que ela não tinha... 
-- Ela iria procurar. 
-- É verdade eu gosto daquela música «eu só quero é ser feliz», põe essa música, anda lá, «morar tranquilamente na favela onde eu nasci», bom, eu não nasci em favela mas gosto do povo que mora lá, morro do dendé. Parece que naquele dia eu estava muito concorrida. 
-- É, estavas. 
-- Eu imagino se ele me visse lá ihihih eu ia cagar de tanto rir. 
-- É, se fosse um homem saltava-lhe a tampa mas se visse que era uma mulher saltavam-lhe duas tampas. 
-- Ihihih... 
-- Vamos lá contar a história outra vez, conta lá do teu ponto de vista, faz o filme, o resumo. 
-- Eu faço o filme verdadeiro. 
-- É isso, conta os pormenores à tua maneira, conta a verdade. 
-- Bom, nós estávamos no bar, eu «santinha muito sossegadinha no meu canto né», estou ali com a minha cerveja... portanto, o meu colega aqui do lado, que se chama Rui, estava todo empolgado, parecia que tinha visto passarinho verde, todo risonho prá gaja, foi assim que eu vi o filme, todo risonho todo empolgadão, de repentemente ela tem assim um pití no cérebro e me diz que eu sou muito bonita e me chama pra dançar... 
-- Eheheh... 
-- Tem uma piada não tem? 
-- Eu achei piada porque ela entrou no bar e dirigiu-se à casa-de-banho, passou por mim, olhou para nós, olhou para mim e riu-se, eu pensei, eu liguei logo as antenas, disse logo «vai haver festa». 
-- Ah pois! 
-- Depois ela voltou, saiu, voltou outra vez, comprou duas cervejas, pegou nas cervejas a olhar para nós e a rir-se, para mim e para ti, ainda dançou um bocadinho a olhar para nós, a sambar pelos vistos muito mal... 
-- Realmente aquilo em termos de samba é como diz o outro: «jesuí!» 
-- Pegou nas cervejas, sambou um bocadinho, foi lá para fora, depois voltou para dentro já sem as cervejas e foi aí que fez aquela brincadeira, eu estava meio parvo a rir-me porque estava todo contente... 
-- Ahahah 
-- Estava a ser um espectáculo interessante, estava a divertir-me com a dança dela... 
-- Ah tá! Aquela palhaçada... 
-- Ela a olhar para mim e ela a olhar para ti, depois é que disse «você é muito bonita, não quer dançar comigo?», tu disseste «não sei dançar não». 
-- É verdade, realmente com mulher não sei dançar. 
-- E o que ela disse, ficou assim meio parada, acho que fez uma cara meio esquisita, e depois perguntou-se «mas eu vim aqui procurar qualquer coisa», deu meia volta, dirigiu-se para fora, na soleira sambou mais um bocado, olhou para trás, ela tinha um puxinho na cabeça loura, corpo lindo, devia ser mais nova que nós... 
-- Eu só sei de uma coisa, você todo empolgadão e o tiro saiu pela culatra, ihih que vergonha ihihih. 
-- Oh que vergonha não, não estava à espera que ela gostasse mais de mulheres que de homens. 
-- Ó pá, e eu estava à espera? Eu estava achando engraçado é que tu estava todo empolgado... 
-- Estava pois estava... 
-- E de repente levaste um tiro pela culatra, que vergonha... 
-- Mas eu, na altura, nunca duvidei, nunca duvidei de ti, quando ela te fez a pergunta eu nunca duvidei de ti, não olhei para ti a ver o que respondias. 
-- Tu acha que eu sou parva. Com certeza que tu disse «caralho, eu pensando que a rapariga me tava dando bola». 
-- Iá... 
-- E eu santinha no meu canto tenho de levar com isso. 
-- É, a gente no nosso canto, a curtir a nossa música, a ver os vídeos da Anitta, a beber a nossa cerveja... 
-- Ó meu filho, a concorrência é grande, tu perde... 
-- É o que eu sempre digo, eu perco sempre, mas... quero dizer, no fim tu voltas sempre para mim eheheh. 
-- Ó pá, eu não tenho outro amigo. 
-- Pronto, mas eu naquela noite cheguei a casa e pensei «nós somos mesmo o duo maravilha, ou é cerveja de graça ou é alguém que torna a noite divertida». Até falei ao Ximenes e disse «a minha amiga e eu somos o duo maravilha, divertimo-nos sempre quando vamos ao centro, ela é carismática, as pessoas ficam como que enfeitiçadas, metem-se connosco, com ela, ela agrada tanto a homem como a mulher, ela gosta de estar no meio da multidão, no meio do fumo, observar, curtir a música, o ambiente, agora a gaja, que se chegou à frente, olhou para mim a ver se eu dava autorização»... 
-- Tu estás bem, desde quando tu é meu pai? 
-- Eu pensei que quando ela entrou no bar e olhou para mim ela me conhecia de algum lado... 
-- Você conhece ela de algum lado? 
-- Não, mas como eu pus aquela foto minha com o cromo na testa... sei lá se ela não viu a minha cara em algum lado, eu pus também já fotos tuas... 
-- Ah deixa eu ver! 
-- E então ela podia nos conhecer ou conhecer um de nós. Então, quando ela começou a dançar e olhou para mim, como eu não me manifestei e estava ali meio parvo a rir-me, ela viu «este gajo não diz nada, é lelé da cuca, eu quero me’mo é ela, vou mas é fazer-me ao bife, porque é ela que eu quero», mas depois tu deste-lhe o corte e ela sentiu-se fodida, dançou mais um bocadinho para disfarçar e foi ter com um grupo que estava na esplanada, deu beijinho a todos e sentou-se com eles. 
-- E fez muito bem. 
-- Prontos, mas para que as pessoas que nos ouçam não se fiquem só a rir de ti e dela, também tenho de dizer que eu também tenho, às vezes, algumas ideias malucas, em que nem sei bem se sou homem ou mulher, lembras-te dos beijinhos que mandei ao senhor da galeria? 
-- Ihihih foi mesmo engraçado. 
-- Eu estava contigo nessa tarde e ele telefonou e perguntou se eu estava bem, eu disse que estava no paraíso e ele perguntou «como assim?», eu disse que estava com a minha amiga, então ele compreendeu, falámos dos nossos assuntos e no final eu, ao despedir-me, mandei-lhe beijjinhos, perdi a noção de que estava a falar com ele, pensei que estava a falar contigo mas tu estavas ao meu lado eheheh isso é que tem piada... 
-- É engraçado que o teu tiro sai sempre pela culatra, tu não sabe que não pode comigo? Eu sou uma deusa! 
-- É, para mim tu és uma musa. 
-- Sabes o que eu acho? É que só há dois animais fiéis: o cão e o cavalo marinho, ele é fiel à companheira e vocês... aparece sempre uma gaiata no navio, estavas ali, os teu olhos brilhavam, um sorriso de orelha a orelha e depois... que decepção, os seus olhos murcharam... 
-- Ó sabes o que eu pensei quando cheguei a casa, é que há sempre alguém que me quer roubar a amiga, já não é a primeira vez, já uma vez eu tinha uma amiga galega de vinte e poucos anos, nós fomos um dia prá noite de Derza divertirmo-nos, e olha... pagaram-nos cerveja, charros, panikes de chocolate e ovo, chegaram até a meter conversa para ver se eu me perdia dela, mas olha, no fim quem a acompanhou ao metro às seis da manhã fui eu! E contigo é igual: tu voltas sempre para mim. 
-- Tenho de ir para casa, gosto daquela música «me dê motivos para ir embora», põe em ecrã grande. 
-- Ah sim o Tim Maia. 
-- É a última, depois vou. 



, anónim@s do século XXIII 

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