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Nadar, simplesmente. Passar o limite, a grande fronteira das terras, deixar por alguns instantes a nossa parte do mundo, deixar de «ter os pés assentes no chão», deixar de andar. Entrar noutro reino, aventurar-se. Voltar para a infância, pois a lentidão, a falta de jeito da nossa progressão remetem para as dos primeiros tempos, e também a sensação de ser minúsculo, frágil, num espaço imenso. Nascer. Estar nu. Voar, devagar, desastradamente, mas voar, ser levado, deixar de pesar. Sonhar, a água é o lugar das imagens sem seguimento, desacordadas, dos sonhos sem nexo, dos fragmentos de vidas possíveis, dos deslumbramentos, do vago (esse vague, adjectivo que um feliz acaso faz, na língua francesa, o homónimo das grandes ondulações do mar), do inconstante. Entrar na água é fazer a experiência do épochè, essa filosófica suspensão de tudo. Morrer um pouco, também, pois sabemos que não resistiríamos muito tempo, que lá dentro, lá em baixo, apenas há lugar para os «afogados pensativos». Nadar, deixar-se acariciar por um perigo imenso, brincar por instantes com ele. Setembro chegou, o areal está deserto, a maré depositou nele franjas de vareque, todo o calor do verão está ainda encerrado na extensão calma, de olhos abertos debaixo de água vês os pequenos turbilhões de bolhas brilhantes que as tuas mãos fazem ao mergulhar em ritmo, ouves o seu rumorejar, o seu deslizar contra o teu corpo, quando respiras adivinhas o sol quebrado por mil arcos-íris, sentes-te mais livre e mais forte, e quase mais jovem, e não importa que seja apenas uma ilusão. Michaux: «A alma adora nadar.»
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página 113
«Peregrinação»
Olivier Rolin
tradução de Joana Cabral
Edição Sextante editora, 2019
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