sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Corticose

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Passada meia hora a lata esgota-se, resolvo-me a sair e ir até ao pub. Passo pelo centro de emprego e leio os anúncios: precisam-se de indiferenciados, empregados de bar, engenheiros de sistema e etc. 

Então, imagino o italiano Mr. Cool, professor de técnicas de venda, actualmente desempregado a consultar o jornal de Domingo enquanto toma café, um anúncio diz:

«Procura-se profissional, integração em empresa em expansão no mercado nacional e internacional, formação contínua, possibilidade de carreira, remuneração de acordo com o perfil e experiência demonstrada». 

Mr. Cool acha ser esta uma boa proposta e decide, após o jantar, escrever a carta de apresentação manuscrita, dizendo: 

«No seguimento de um anúncio publicado no Giornale Della Repubblica, decidi por este meio apresentar a minha candidatura para a vossa devida apreciação. O meu nome é Mr. Cool e sou um profissional. Apresento em folha branca anexa o meu currículo. Com os melhores cumprimentos». 

Então, Mr. Cool escreve por onde passou como escravo: aos 13 fui ajudante de farmácia e pagaram-me o lanche, dois triângulos de pão de forma com queijo e fiambre e uma Green Sands para beber; aos 16 fui vendedor de louça plástica ao domicílio e recebi como pagamento uma largada de pitbulls famintos; aos 17 fui ajudante de electricista e o velho do pai do patrão pregou-me uma lapada nas ventas; mais tarde vendi enciclopédias a vizinhos ricos e pagaram-me um jantar num hotel de luxo com belas e sedutoras chefes de secção, o lucro deu para comprar um relógio; ainda aos 17 fui ajudante de reparações de consumíveis electrónicos, só ganhei treino de anedotas, o chefe assobiava a toda a mulher que passasse à frente da entrada da oficina, dizia «a pita lhe»; ao fazer 18 vendi livros por catálogo e preenchi o primeiro irs e apanhei uma multa por descuido; quase aos 19 servi copos e hambúrguers com batata frita num bar e os meus dedos tocaram pela primeira vez a recompensa de uma rata molhada. Aqui, Mr. Cool suspira, levanta a caneta da folha, olha o longe  e observa «é melhor não escrever que fui também fui estagiário num escritório e chamei o chefe de frigorífico e a ajudante de borboleta enquanto enchia o computador com spyware oriundo das imagens digitais da Britney que eu usava para manualmente me satisfazer... aí ele já não perguntaria: onde vai estar daqui a cinco anos, é...cu-ri-culo Vida... Puta que os pariu a todos, qualquer dia, tenho de ir como trabalhador sexual para as esquinas, vaffanculo...» 

Cu-rri-kulum... Vida... Coitado do mr. Cool. Tão juvenil, tão exóterico, tão boçal.

Após este corticose, vou até ao Fred Zeppelins beber uma cerveja.

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John Moore

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