quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Erros de casting

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Quando volto a casa vindo do hospital, tenho o meu terceiro moks após o café à espera, igualmente a televisão espera por mim para amostrar um magazine de cinema sobre últimas estreias em festivais. Estão lá todas as estrelas de cinema, todos os realizadores e todos os microfones de radiotransmissão, fala-se deste ou daquele desempenho, de história e de quando a história é um versículo retransmitindo uma ideia — um interessante comentário que leva mister cool a puxar do seu organizer e começar a escrever: o processo de criação fotográfica envolve um espelho ou várias lentes, um fotógrafo, um objecto entidade a ser fotografada e o espectador que se quer público voyeur. Olhar o espelho é ver o modo como nos vemos integrados no mundo, fazer um auto-retrato fotográfico é ver o modo como o mundo nos integra. Se eu tivesse duas séries fotográficas em que todos estes elementos entrassem, então verificaria que a combinação possível sugerida pelos meus sentidos é aquela única em que o fotógrafo se confunde com o objecto no espelho por detrás das lentes e no momento em que tira a fotografia. É como se tivesse medo, é como se recusasse que o público se possa identificar com o sujeito não lhe retornando o olhar, frente a frente eles não se vêem velhos projectados no futuro com cataratas. Tudo é êxtase, intemporal e o único elemento que envelhece é a dupla projecção sujeito/objecto, imagem/público.

Onze e meia da noite, horas de dormir e de escrever uma possível definição de hobo: uma, mais ou menos, espécie de guna que faz arte enquanto procura trabalho, sublima amor e ambiciona conhecimento. Esta procura é caça e eu tento caçar, o desfecho previsível é o falhanço no objectivo específico germinar um falhanço genérico cheio de efeitos colaterais imprevisíveis. Esta procura é pesca e eu tento pescar, o desfecho secundário aleatório e colateral é, porque apenas objectivo genérico, não haver um falhanço específico mas sendo este processo um efeito colateral encarado como uma experiência científica de conhecimento, try catch continue. Esta procura pode ser igualmente vegan, um artifício refinado e mais luxuoso e que muitas vezes só engana a fome, uma espécie de fuga para a frente após o falhanço, uma mudança de paradigma, de objectivo genérico. E então... se temos de comer algo seja carne, seja vegetal, seja peixe e se tudo falha… que sobra, que solução?

Não comer significa ascetismo, esse fascismo místico. Podemos comermo-nos a nós próprios e nossos semelhantes siderais e a psicose surge. No fim, já estabilizados com medicação, voltamos ao cioran e ao inconveniente de ter nascido, voltamos ou à culpa de acusar os pais e a sociedade de nos ter posto no mundo ou instruímo-nos sobre o princípio do síndrome de estocolmo.

Imaginem mesmo a ponte entre estocolmo e copenhaga interpretada… pode um gato interpretado agora como morto agora como vivo e ao mesmo tempo, portanto com resultado acausal, ultrapassar e não ultrapassar a ponte do amor/ódio entre o prisioneiro id e o governador gangster superego?

Só porque a teoria de jogos diz que se ambos se derem bem daí nascerá, na minha particular definição, uma claudia mura racionalmente artista proletária que se me complemente como uma Outra?

Será que do outro lado da ponte estará malmö? [no google maps a ponte até existe]

É isto uma distorção sem sentido da realidade e dos factos?

Será que em cima desta ponte deverei fazer mural do meu absurdo e local do meu devaneio, reflexivo reactivo revolucionário?

A verdade é que a ficção desta ponte só se torna útil se um dia, mais tarde que cedo, eu a ultrapassar e a passe a considerar simplesmente um posto fronteiriço entre um passado de merda e um futuro em que poderei ser virtualmente quase tudo o que quiser ou simplesmente ser o que tiver vontade de ser, o objectivo continua o mesmo: Ser.

A verdade é que a distância entre um Eu e um Outro tende a ser mínima e, em solidão, esta distância torna-se absurdamente nula, e tudo se passa como se fossemos muitos, a nossa cabeça fragmenta a identidade e a distância entre o eu Id e o eu Superego. Esta relação quase narcisista leva a que, em momentos de auto ironia bem disposta e com a ajuda da substância, se deseje que o Outro, esse pai polícia esse superego, se transforme numa Outra com quem possamos ter prazer, alguém a quem eu com paixão possa oferecer uma camélia ou pelo contrário talvez um camelo quando… bem vocês sabem: amor/ódio nada saudável, abstenho-me aqui de erros ortográficos explícitos.

Criar a ficção da Outra, essa ilusão quebra a distância e o sentido da comunicação, a Outra torna-se o Eu e o Eu a Outra: manuelle biezon — gatinha negra a quem eu dei uma lata de sardinhas e uma malga de leite; claudia mura — a segunda alcunha da mulher invisível.

«Analogias sempre repetitivas caminhando em cima da ponte, jauntando para a frente e para trás no tempo, psicogeograficamente construindo desenhos mnemónicos, vivendo na ilusão de não saber se predigo os pensamentos dos outros, se sou uma súcuba sem género sexual que os outros interpretam ou se simplesmente sou um emissor/retransmissor sincronicista numa rede global à volta do evento actual publicado em notícia, arte hobo procurando o quê?»

Digo que este local, esta ponte, esta espécie de casa… digo que estou em casa mas de facto existe aqui um lapso temporal e afinal… estou mesmo em casa, na casa onde me resigno, apesar de parado à força. Integrado no grande salão do wc hotel, peço até a via láctea que me grave a reportagem de um canal de cabo, que entretanto mudou de mãos como o outro, aquele que igualmente me fornecera subliminares imagens caóticas com informação pertinente sobre o meu microscosmos. Digo a via láctea: olha estes são os meus!, olha o aspecto daquela senhora, levou electrochoques, olha a sala da psicoterapia. A emoção, que o meu polícia interno às vezes não controla, sobe-me aos olhos e por empatia a emoção sobe também aos olhos de via láctea. Hoje nesta parte do conto, estou de facto em casa no hotel dos condes e rumino sem ainda compreender que a melhor opção é pescar «mas a peixinha é cara prá mundial e como pode um bói pescar?» Portanto, falar só coercivamente. Urros casmurros me saem e também a vontade de explodir um colete de bombas, um mártir sem ideologia?

Assim, alivio-me entre cigarros partilhados, sublimo a minha tensão sexual lançando em silêncio fulminações a toda a autoridade que me coage. A eterna luta entre a criança rebelde id e o superego cria um ego danificado, acontece escrever epigramas: lembro a minha idade, nove ou dez, não caminhei mas corri aquele muro de cinquenta metros de pedra sem medo de cair abaixo da ponte do comboio. Sempre fui desportista mas às vezes a preguiça sussurra.

«Então o chefe decide que não e eu venho-me embora pensando em pôr um processo em tribunal contra a empresa, o que pode levar anos, então lembro-me que mais vale receber às prestações até ao términos se não rescindir de mútuo acordo, dado que não entro no jogo da empresa, da autoridade. Sinto culpa e expludo ao ver aparecer um homem de gás para entregar uma botija no office. Cria-se o pretexto para que seja internado e uma carta de despedimento seja acusada aqui em casa, logo seguida a contra-resposta: baixa psiquiátrica até ao final de contrato e depois o jogo diz que todos nós obtemos benefícios se colaborarmos.»

E hoje cá estou com os meus sonhos e desejos cancelados, estou preso porque a minha explosão j trata mal minha mãe [erro de casting: o j não devia ter entrado em cena], porque o microcosmos… toda uma espécie de santidade com aspersões de eucalipto e chá de melancia… eles dizem que estou doente e que preciso de tomar comprimidos e ficar aqui mais algum tempo.

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manuelle biezon

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