sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Reading manuelle biezon to the sound of rádio paralelo online

 


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«… e a certeza de ser já só meia psicose meia neurose e difíceis condições de vida, queremos viver depois de termos desaparecido da grid socioinstitucional, de termos morrido como pessoas úteis, já velhas para o trabalho, há muito tempo a tentar a entregar o cartão de sócio do partido dos desadaptados da sociedade de consumo…»

Por isso, desejo voltar trinta anos depois mas verifico o erro, é tarde demais. Não consigo deslocalizar a grande obra sem deixar danos como debris na auto-estrada, um assassinato por embriaguez da imagem de nós dois transformando-se num pensamento em espiral descendendo desde o divino até à mais rastejante malícia que me chega na forma de uma gata negra mura pedindo alimento, o espírito realizado como carne pedindo comida:

uma lata de sardinhas bom petisco hein?!, o melhor que a minha alegria consegue realizar. Foges abrindo cirurgicamente um buraco como se uma assaltante de bancos sejas ao fim de uma noite de mios e vais à procura de novo dono, eu não quero ser dono de nenhuma, só gosto é de não ser pau mandado de vampiras de bigodaça invisivelmente neurótica, pau mandado da santa anamnese recolhendo sem o desejar informação para os moinas do curral de moinantes e brochistas caloteiros de clio sessenta e cinco fora do registo oficial de viaturas em circulação. Chegam e perguntam quem na varanda de janela aberta pia como um pintassilgo da raça marguerita. Ficamos todos pasmados. Como é possível? Não tem qualquer utilidade dizer-lhes que não existe tal espécie de pintassilgo mas é fácil de adivinhar: fumam o produto apreendido. Fazem mesmo dinheiro com ele. Merz.

Ouço babi yar, a décima terceira do vitch shostakov e fumo um grande cagalhão.

Vejo um padre verde azul pensando em foder a freira. Vejo o flinstone, o católico comunista e cadastrado, pensando que vive ainda na idade média. Sempre todos os junkies andam de táxi, eu que o sou ando a penantes e, às vezes, aproveito a comissão que cobro e compro uma lata de salsichas e misturo-a num arroz de ervilhas. Acho que pedro foi crucificado numa cruz invertida. Os romanos tentaram esmifrá-lo. Ponto. Talvez não tenham tentado esmifrá-lo. Talvez sim mais ou menos talvez tenham tentado esmifrá-lo com um clio sonic cinzento ou, pelo menos, é o que me parece na associação. Não estou uma vez mais lá e, às vezes, esta patológica incapacidade de estar lá, e ser até o mártir simulado de quem todos se demarcam, faz-me pensar que nunca ninguém contará a minha história zeligiana. Eu, às vezes, suspeito que essa história existe de verdade, «suspeito nos porquês nos vossos olhos e nas vossas palavras e vozes e suspeito também quando suspeito que sou o único que rema de encontro à praia», sinto-me às vezes único, não sou poeta mas talvez seja louco e por isso às vezes sinto-me mau.

«Nur narr! Nur dichter!», cona minha?!, porque não consigo cumprir a totalidade do ditirambo e também não ser loco loco loco?, o diagnóstico condena o meu ser e diz que sempre fui, sou e serei loco como el tigre para todo o sempre miséria ah… por isso, complemento a sequência e incorporo a história universal da desgraça em mim porque parece que a minha não me é suficiente. Tenho alguns sentimentos masoquistas como jesus e num desejo de assim se integrar nalguma comunidade, este jesus transforma-se em ficção e fugas de informação não confirmadas, este jesus explode-se em mil fragmentos de desgraça, as palavras chegam e sabem a armas disparadas por este zé-jesus-ninguém.

«Uma só bala de cobre numa paragem de autocarro, autocarros deslocalizando a todo o momento a minha residência, o destino são velas de cera consumindo-se com a ajuda da assistência social. As palavras, suicidas no formato roleta russa ou homicidas no formato píton com vontade de atacar.»

A minha vontade é enfrentar o cão e dele não desviar os olhos, devolver-lhe a raiva autoritária como um boomerang. A minha falta de medo sinaliza o fdp do perigo de insurgência social e ele convoca funcionários extracomunitários «para acções de formação em contexto de trabalho não extraordinário».

O bófia bostique atira-me contra a traseira do carro e espreme a minha zurrapa para dentro de um depósito de gasolina, amanhã alguém vai ganhar mais uma hora extraordinária porque atestou o depósito, poderá haver mais um carro patrulha a mandar circular hobos como eu, penso que ainda existem alguns como eu, é essa a minha vaidade, às vezes topo-os no nosso olhar de bicho troglóbio das cavernas, são esses a minha causa. No fundo, este é o meu livro, um livro sem honra. Somos muitos mas não somos uma nação, não temos alma colectiva, não temos consciência de classe. Hoje fumo um charro e tenho um orgasmo de oito mega. É a minha recompensa por cinquenta cliques de trabalho alimentar. Amanhã tenho de comprar bolachas de chocolate, preciso de cartão para filtros.

«Sei que tenho um vício acrobata de te roer a rata.» O artifício, a simulação descredibiliza, a tevê precisa de novos e verdadeiros mártires para os anúncios darem lucro. Eis o porquê do desespero e do medo da injecção de substâncias coercivas no cérebro, como que a dizer «if you’re a gabber i spike you some gaba e torno o teu cérebro num vegetal rígido e hipertónico.» O veneno bloqueia os teus circuitos neurais e impede-te de viajar e ter alucinações visuais, bloqueia-te o pensamento e a imaginação. Os médicos dizem que assim te protegem de caíres na ilusão de não saberes talvez o que é real ou irreal, eu digo apenas que te impedem de ver pensar e sentir coisas lindamente fabulásticas que de outro modo não verias.

O taxista ouve que talvez apenas tivesse sido apenas «como se», e então de mental passas a criminal e aqui talvez a lei te envie para o quadrado de barras de chocolate, baldes higiénicos sobrelotados, expatriados morrendo por convicção em greves de fome. Eu, uma vez mais não estou lá, vejo na televisão holandesa cartazes e bombeiros mascarados, fora do horário e off the grid pondo no contentor todo o ginásio, todo o livro antes donativo, agora um bloco de cimento, agora desperdício radioactivo e uma vez mais devoluto. Toda a época tem a sua fogueira, a sua queima do judas. O rio há-de ir pelo ralo de banheira da terra oca abaixo, esperarei as novidades, o que fará ele depois? Hum talvez um ministro senhor sim…

A caminho da anyday para o capuchino herbáceo matinal, vejo yvette shakti vestida de lingerie branca afastando as cortinas da janela, sopro-lhe um beijo de homenagem e ela sorri, terá quarenta anos, loura. Ela a heroína criativa, dela nasce a sociedade, esta sleep chamber profissional torna-me consciente de que todos os padrões e fenómenos da existência hão-de ser dilacerados por hordas de criminais poéticos. É só esperar as novidades, será o cavaquistão pendurado como uma alma penada no purgatório da taxa moderadora?, será o seu alzheimer passível de isenção?, que dizer da quinta do coelho com um gigantesco agá para pteros com hélice para lá do allgarve na ilha do sal?

Na antiguidade não se faziam auto-retratos, tinham medo das ficções. Os indivíduos não se comparavam a deus. Era mais importante a obra que o artista. Viemos a saber muito mais tarde que deus tinha morrido mas toda a gente sabe que ele vive com o nome de capital. Crowley disse que cada homem e cada mulher é uma estrela, portanto cada um pode ser deus. Mais agricultor, o meu avô alimentava a queijo um rato chamado death posture. Num certo sentido, sou deus mas apenas em potência, dado que não necessito muitas vezes de acreditar em deus. Faço auto-retratos mas não me reconheço neles. Para se ser deus é preciso executar e terminar todo um ritual. Diz-se que se tem de castrar o ego e ser apedrejado.

Já dentro da coffee shop, o empregado diz-me que o meu habitual capuchino é hoje por conta da casa e assim ganho moral para imaginar escrever uma carta à shakti que me sorri: cara yvette, ouço invokações sonoras a brian jones por entre fumos de hash afghan border, beats e cordas de guitarra, imagino-te trabalhando o símbolo, a máscara e a androginia dos teus clientes, sei que são desviantes as carícias de papel trocado quando se culpa mãe e pai, sei que é um grito de ipiranga abandonar a mãe-casa, ofereço-te, querida yvette minha mãe, nuvens de vozes étnicas, espirais e esta má prosa como recompensa do teu sorriso, é claramente apenas uma tentativa de complementarmos a cor, atingir a quinta-essência, a tua descrição psicológica, tu mulher como obra de arte, peça de teatro, representação, falsificação ou simulação da realidade, uma foda, um livro que se abre dentro de um livro porque incompleto, fragmentado, com páginas em branco e quando abro a boca minto por omissão, procuro o teu clitóris, a negação do eu, não me livro do remorso na missa de catedral mas fundir-me-ei contigo meu lado feminino, o ouro e a prata, não desejarei alguém mais, a stroke with romance, negar o eu é um caminho para a invisibilidade, eu debaixo de todas as camadas de personalidade sou um vazio cebola de lágrima no olho, vivendo cada máscara em função do momento agora, o azul e o verde do narcisismo, o único e a sua propriedade, venho-me por fim nas tuas mamas, a escrevidão tem utilidade.

«Louco lúcido, eu não vivo, analiso-me. And if you were kim I could now write over your skin: I love you sugar gordon.»

Tudo, uma descrição de um sonho acordado. Curto o lost highway, gosto das imagens, da cor, das sombras, da noite, das personagens estranhas, da confusão de identidades, uma das minhas maiores alegrias é ir à festa pelo santo no bairro vizinho e pedir uma sandes de chouriço, sentar-me no meio da multidão gemendo como todos pela ana malhoa, abrir os cantos de maldoror numa página com insectos aleatórios e enxotar esse português roberto muito leal, vê-lo substituído por um grupo de ciganos cantando à minha maneira, all along the watchtower, iiéee!

Tenho de cair no ridículo, tenho de morrer a fim de viver. «A escrita é um miserável substituto», escreveu-o fernando r. de la flor. Terei eu de traficar techno em timbuktu para comer por muito retórico que seja este ponto de interrogação? Já dizia bataille: o erotismo é na consciência do homem aquilo que o leva a pôr o seu ser em questão, a minha condição de macho, se eu não me amar não te poderei amar minha querida yvette shakti prostituta de lingerie branca, por isso anular o meu ego leva-me ao absurdo do qual fujo: essa claudia mura, mulher vestida de ganga e botas doc martens, pintada e lenço de cigana, a irmã assustada, a tia aparecendo com o bebé… «essa mura não passa de mim próprio disfarçado e uma projecção do meu narcisismo, isto ou a verdadeira pulhice tem neste mundo uma forma corpórea que não eu… amar-me a mim próprio yeah for sure mas não fisicamente.»

Esse absurdo suicida-me a cada momento yvette, quero as tuas coxas ellen yvette, quero regar-te o rego com vinho verde, comer broa e lamber-te os bicos, arrancá-los fora mesmo, adoro-te desejo-te mas quero amar-te também. Agora ellen shakti yvette puta icata, dá-me a fome.

Que falta de educação!

Tens tempo para fumares um cigarro? Não, tenho de trabalhar!

Vivo dias sem vento, uma onda frontal de calor, as sementes secam, a minha cabeça seca. Migro para norte mas abafo mais aqui do que se tivesse migrado para a cidade vermelha do sul. Aqui estou mais perto da lua do meio-dia. Saio da anyday e procuro almoço. Sei que perto da boudisque ahahah i am the green child sabes?, sei que tu até gostas do meu sorriso, da minha loucura metafísica do não-ser, sei que gostas que eu te enterre funda na mente, sei que vais além da profissão mas eu sei que agora tenho fome, encontro um turco e entro.

Agora ellen digo-te ao comer um kebab de cinco euros que tenho muito poucos amigos, sei que eles seguem as suas vidas, sei que eles dizem que me perco no caminho, sei que faço opções conscientes baseadas no processo, sei que sempre quis fazer o que penso e não o que me contam, sei que não tenho de apoiar a causa de ninguém também porque ninguém apoia a minha, sei que a falta de conveniência social me leva para a mata, e mata que se faz tarde, sei que tenho um amigo que se perde bêbado na estrada secundária e é mandado parar pela gnr, fica sem carta, diz-se bêbado e encena rebelde a esquizofrenia no hospital, dão-lhe uma dose de cavalo e detêm-no. Sabes ellen que tudo isso me dói. Porque será que, como muitos de nós, também eu ganho subitamente coragem e represento a vida «live: ao vivo e em directo» mas erro sempre a audiência? [actores falhados talvez], sabes yvette que hoje lhe escrevo, e ao analisar o seu caso é como se ele seja eu, a prosa é péssima, truncada e tendenciosa mas tentarei dizer-te algumas palavras de cada frase e de má prosa sair abjecta poesia: psiquiatra psicótico bravo! moralista repressão e supressão criança sexual gadjo louco gadja a primeira vez matar o amor verdade perversão apologia eutanásia cristão cristo hipócrita madalena pistola treta mania de ser mau psicopata de filmes purgar missão azulejo na estação de comboios não gostas de ti treta insulto provocação todos os homens são paneleiros estúpido louco bêbado zangado sádico e masoquista refúgio droga esquecer sofrimentos e misérias desejo regresso ao berço ninho casa doce teta mãe terapia de substituição dinheiro capital comprimidos treta criança que gatinha pela vontade da mente.

Voltando a ti digo-te minha musa yvette ellen shakti puta, há muitas coisas que gostaria de fazer contigo, casamento não romantismo sim, jantar de malmequeres com arroz de pata com laranja e eu, macho a proteger-te da infâmia da calúnia e inveja. Os psiquiatras são os polícias da mente, os padres os polícias da alma. A mãe ama-me, o pai não é herói. Não te suicides, não mates ninguém. Procurar-te-ei quem sabe ellen talvez… ou talvez não, que agora sinto o estômago confortável e a minha vontade é ser um paxá.

Mas digo-te puta minha shakti ellen icata, digo-te que quando recebo as notícias de lá, desse ninho tão distante, ao procurar uma cabine telefónica asseguro que estou bem aqui, sim mãe estou bem, vou vivendo enquanto tenho dinheiro, não dá para enterrar dinheiro na yvette nem ir ver o gogh van, dá pelo menos para um kebab e thc do mais barato, dizem os agora yupis moralistas que um charro tem thc em grande percentagem que origina psicoses irreversíveis, até poderei dizer que pode, de facto, influenciar mas tu que uma vez foste rebelde hipi na altura não sonhavas com a moca colossal?, mas vou vivendo mais ou menos com estas opiniões dejectas discutidas em talquechuis, olha diz ao pai que o respeito por ser meu pai mas… ele nunca foi o meu herói, heróis tive outros, todos os que ele não gosta, e no entanto tento moldar o meu mundo na tentativa desesperada de ele reconhecer eu estar no caminho certo, ainda assim dilacerar-me com essa impossibilidade porque somos todos os que ele não gosta e chama-nos de maus porque assim nos descrevem na tevê, os maus, aqueles que fazem greve, os que não aceitam a coerção e a coacção. Sabes mãe yvette?,

na juventude amo a vida, positivista sou e o zaratustra é o herói, nego a religião, a música é catártica, a revolução pretende desconstruir mentalidades e valores hipócritas mas sabes yvette puta madre?, que os anos passam e a destruição deixa de ter sentido, o cru veste-se com refinados elixires de filosofia e moralidade para as quais vou sendo convidado de vez em quando em apertos de mão. E sabes shakti ellen que esse medo perdura desde sempre, os rebeldes de ontem tanto se podem perder no vício e em alguma história mitológica ou podem agora avôs odiar tudo o que cheira a diferença, acredita mãe que me custa saber que há pessoas fazendo techno em timbuktu por uma malga de leite e meio quilo de fígados de porco e este rio — uma albufeira larga de milhões de borracha pichosa para a populaça apreciar a festival rádio nas corridas, abaixo rua abaixo no marginal do rio, pipocas e algodão a um euro! Porque, meu amor, se meu pai não estudou alemão e presidente se elegeu ou se não tinha cintos com fechos falsos escondendo neve branca e delator do filho rebelde e poeta se fez; porque, meu amor, se meu pai guardou ovelhas com seis anos de idade, não pode então pensar que os futuros rebentos netos, que o tio escreve piratinha, possam vir a fazer o mesmo oitenta anos de ditadura depois, lá há-de haver alguma evolução nas condições de vida, depois dos sapatos e vestidos do vale do ave abrirem falência para o dono comprar um ferrari será necessário voltar a ser escravo? Hoje puseram cimento em todo o espaço, só faltou partir as telhas ou talvez as tenham mesmo partido, tudo para o contentor, vejo o medo na face de soldados do povo, até os punks são humanitários, a doença atinge os rios, a velhice chega, a mulher anda meia desligada, a religião salva, há quem pague a salvação futura na caixa de esmolas, negarei [?] todo o passado para me enforcar ao lado de cristo [nosso?] redentor, a redenção da hipocrisia, iludir a dor, enganar o enfado, gente oprimida de destino absurdo.

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manuelle biezon

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