Eu deixei de escrever sobre a dona A, a cega que habita no hotel onde trabalho, no início deste ano porque uma jornalista da televisão a descobriu na rua e lhe disse que a sua vida mudaria para melhor depois de o canal de televisão transmitir a entrevista que com ela fariam.
Eu pensei: será que os meus textos chegaram ao conhecimento da televisão ou será que a jornalista se emocionou quando viu uma cega mal vestida na rua a pedir e com ela chorou a história de vida?
Tive então de matar a personagem dos meus textos e deixar que a televisão tomasse conta do assunto.
A dona A durante o mês de Janeiro andou toda contente, nem sabia com que canal de televisão ia falar mas disseram-lhe que ia ao programa da tarde contar a sua história, contou-me a mim nesses dias que iria dizer na tv, por exemplo, que uma vez a meteram num avião para ir ver o papa a Roma, mas sentiu-se mal durante o voo tendo sido assistida e tratada «no melhor hospital de itália» lol
Pois, a jornalista bem tentou que o hotel deixasse os repórteres de imagem filmar o seu quarto, o que nós não deixamos porque não se veria um quarto, veria-se um repositório de sacos com coisas e comida que lhe dão as pessoas que têm pena dela, comida quue ela não pode cozinhar e que apodrece dentro dos sacos deixando o quarto com um cheiro nauseabundo, filmar este quarto ajudaria as audiências do canal mas causaria má impressão do hotel. Pois, a jornalista tentou filmá-la a sair do hotel de manhã mas a dona A não quis porque não quis dar a entender para onde ia pedir.
Eu penso que o canal de tv queria lançar a bomba em cima das eleições e com a entrevista à cega prejudicar o partido do governo anterior denunciando a sua culpa por um erro médico ter cegado a dona A, como a dona A não colaborou no esquema porque é desconfiada de tudo e de todos, não foi possível largar a bomba e andaram Fevereiro a dizer-lhe: esteja atenta, é para a semana que passa. Mas veio a guerra da Ucrânia e a dona A deixou de ter importância mediática e afinal, já não era possível engavetar o Costa, ele tinha ganho por maioria absoluta, mas foram-lhe dizendo ao telefone: esteja atenta, é para a semana que passa. Uma vez, a dona A ameaçou a jornalista por telefone lançando-lhe uma praga de mal-olhado, sim a Dona A, que quando se descalça no quarto mete os pés em cima de dois sacos de sal para que os feitiços se descarreguem e sejam esconjurados, banidos para a terra.
Acabou por passar em Abril, relegada para o fim do jornal da tarde, ela nem ouviu, ela estava a dormir, mas houve pessoas que lhe disseram que passou na tv, enfim teve cinco minutos de fama e hoje continua a ser a mesma velha estúpida que acredita em bruxas como a maioria dos velhos semianalfabetos que ainda existem em portugal apesar de todos os domingos ouvir a missa na televisão. Hoje continua a mesma velha estúpida a quem o estado está a pagar o apoio judiciário para meter um processo em que exige receber o rendimento mínimo além da reforma, apesar de as más-línguas dizerem que a dona A tem uma casa nas Amoreiras em Lisboa, hoje continua a ser a mesma ignorante estúpida que pensa que contratou um criado para lhe aquecer as sopas da noite, lavar os taparueres, abrir-lhe a garrafa do vinho, regar-lhes os vasos da janela, contar-lhe o dinheiro para no dia seguinte ela pagar a sopa, por roupa na corda e apanhá-la da corda quando seca, acordá-la às seis da manhã, ir lá às oito e limpar-lhe o lixo do chão, às vezes apertar-lhe o soutien porque ela não dá com os botões e ainda levá-la à rua quando eu termino de manhã o meu turno e por isso perdendo muitas vezes o autocarro por causa dela... é!, ela pensa que contratou um criado mas o patrão do hotel ainda hoje lhe disse: eu só lhe aluguei um quarto e não um criado, veja lá se trata bem o meu funcionário.
O patrão a mim hoje disse-me: ela não o respeita.
Pois é, eu só a respeito porque tenho um trabalho para cumprir e não quero criar má-impressão nos outros hóspedes, ou seja, contenho-me a minha ira perante a cega e tento tratá-la bem mas ela não percebe e ainda hoje de manhã me insultou mesmo perante o patrão e quando eu lhe dava a mão para sair do hotel descendo a escadaria de entrada, tive quase para a deixar cair na escada com os nervos que estava, mas apenas lhe berrei: Olhe O Degrau!
Mas talvez se ela batesse com os cornos no chão talvez aprendesse a respeitar quem lhe dá a mão para não cair, mas se isso acontecesse haveria de haver algum ótario/a da sociedade civil que iria verter umas lágrimas quando ela contasse o acontecido e quem se fodia era eu.
Para aumentar a estupidez da grunha, convém dizer que já lhe ofereceram três bengalas e ela nunca usou nenhuma, prefere pedir aos desconhecidos que passam na rua para a levar pela mão, a ela e ao saco de merdas que ela traz sempre consigo para parecer pobre e lhe darem dinheiro na rua. Nunca a vi sem dinheiro e todos os meses alguém lhe paga a renda. Eu trabalho e não ganho para morar num hotel se precisar. Ela deve ter um biberão escondido sempre a dar leite.
Ainda dizem que temos de aturar os velhos! Se eu fosse dono do hotel já a tinha posto na rua.
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